Postado em 04/01/2019
Não é de hoje que a fotografia em movimento tem espaço garantido na sala do CineSesc. A novidade desse começo de 2019 é a Sessão 35mm ser especialmente dedicada a um diretor: Wong Kar-wai. O diretor de Amor à flor da pele, exibido em 2017 na Sessão 35mm, é aclamado por público e crítica por seu cinema de autor, e sua maneira de contar histórias foi referenciada por outros diretores contemporâneos. Entre 7 e 12 de janeiro, o CineSesc exibirá seis longas-metragens de Wong Kar-wai. No dia 13, o público poderá rever seus dois favoritos, através de votação. Dias selvagens, Amores expressos, Anjos caídos, Felizes juntos, Amor à flor da pele e 2046 disputarão a preferência do público. Produzidos entre 1990 e 2004, as películas indicam para fases diferentes do diretor. O início do seu desenvolvimento como autor, apontado em Dias selvagens, até seu grande reconhecimento internacional com o filme 2046.
Os movimentos do amor nas películas de Wong Kar-wai
Por Paulo Santos Lima*
Sempre expressos, doídos e perdidos em algum instante fugaz da existência humana, os amores são o grande tema do cinema de Wong Kar-wai, distintivo duma estética que entremeia o melodrama com uma cena pós-moderna típica do cinema dos anos 1980, sobretudo o de Hong Kong. Nascido em Xangai, China Continental, em 1958, e vivendo na ilha desde os 5 anos, Wong estudou design e tomou gosto pela fragmentação temporal da literatura latinoamericana, ambos sendo fortes referências num cinema que, ainda assim, não ficou livre da tradição dos filmes de ação e artes marciais. O resultado mais imediato está em Anjos Caídos (1995), belo filme policial bastante atípico, pois o que importa não é o frenesi da ação, e sim o dos sentimentos, ou seja, observar o trauma do amor perdido nos encontros e desencontros de seres solitários.
O personagem do gênero, o policial, apareceria em Amores Expressos (1994), obra que apresentou a “estética Wong Kar-wai” ao mundo, duas histórias de amor, um finado e o outro nascido, ambos desencontrados pela velocidade dos tempos modernos, ao som de clássicos do imaginário coletivo, como California Dreamin’, do The Mamas and the Papas, que sobretudo transmite o clima dramático do romance.
A atmosfera, enunciada através dos cortes da montagem, da luz estilizada, dos objetos em cena e da música, e tão fundamental à cena do cinema de Wong (e a certa tradição do melodrama no cinema), surge mais desenvolvida em Felizes Juntos (1997), numa depuração que, não à toa, rendeu a Wong o prêmio de melhor diretor no Festival de Cannes, em 1997. As cataratas do Iguaçu vistas sob a voz de Caetano Veloso cantando “Cucurrucucu Paloma” é uma das marcas desse drama sobre dois chineses imigrantes na Argentina, imersos numa relação que machuca e, por isso, perdura em beleza.
Segundo de uma “trilogia informal” que o próprio Kar-wai definiu junto ao policial Dias Selvagens (1990) e a ficção científica 2046 - Os Segredos do Amor (2004), Amor à Flor da Pele (2000) é a depuração de certos temas e formas deste cinema. Muito apoiado no livro The Buenos Aires Affair, do argentino Manuel Puig, o filme é uma história de amor impossível, cuja consumação está justamente na sua negação, ou seja, ele existe como encenação cinematográfica, com seus objetos de cena, vestidos, penteados e instantes. Os astros Tony Leung e Maggie Cheung, consagrados pelo cinema de Wong, ganham o embalo de canções românticas latinoamericanas cantadas por Nat King Cole, como Quizás, Quizás, Quizás, de Osvaldo Farrés.
Talvez o grande filme monumental de Wong, 2046 se concentra na temporalidade flutuante que conduz memória, sentimento e experiência concreta, retomando o filme de 2000 para se aprofundar em temas já descritos na obra. A solidão, o abandono e a clandestinidade inevitáveis entre os seres enamorados projeta-se aqui no livro de ficção científica que o personagem de Tony Leung escreve, como uma literal projeção de algo que se perderá no tempo.
* Paulo Santos Lima é crítico de cinema e ministrará o curso Amor, solidão e estilo: o cinema de Wong Kar-wai no CineSesc