Postado em 01/12/2001
Por Julio Cesar Caldeira
A caminhada e a corrida atraem cada vez mais adeptos entre os que procuram melhor qualidade de vida
Dia 31 de dezembro de 1974. O então entregador de pizza José João da Silva estava em mais uma de suas viagens garantindo a refeição de alguém que não estava disposto a cozinhar no reveillon, quando passou pela região da avenida Paulista, em São Paulo, e se deparou com uma visão que mudou sua vida: a corrida de São Silvestre. Fascinado com os milhares de atletas, profissionais e amadores, que enchiam as ruas da cidade na 50a edição da mais tradicional e celebrada corrida de rua do país, José João tomou a decisão: "Também quero participar disso". O jovem rapaz de 19 anos, recém-chegado de Pernambuco, que costumava correr atrás dos bichos em sua terra natal, passou a treinar informalmente e, anos depois, em 1980, tornou-se o primeiro brasileiro em 34 anos a vencer a famosa prova, repetindo a façanha em 1985.
Iguais ao ex-entregador de pizza, hoje um orgulhoso entusiasta do esporte e treinador de outros atletas, há muitos outros espalhados por todo o país. São pessoas que vêem na prática de uma atividade física o caminho para uma vida mais saudável. "Hoje, cada vez mais pessoas têm se preocupado com uma qualidade de vida maior", afirma o dr. Rogério J. Neves, médico do esporte. "Entre os benefícios oferecidos pela prática de atividades físicas estão a melhora do condicionamento cardiorrespiratório e do condicionamento físico, boa manutenção da gordura corporal e até melhora da auto-estima." Dr. Rogério trabalha no Pão de Açúcar Club, um clube-empresa criado em 1992 pelo Grupo Pão de Açúcar, que realiza uma série de eventos esportivos para os funcionários, entre eles a maratona de revezamento aberta a todos os interessados.
Porém a corrida, em particular, requer maiores cuidados por parte daqueles que pretendem incluí-la em seu programa de atividades. "É indispensável que a pessoa que começa a praticar qualquer tipo de atividade física faça uma investigação sobre seu estado de saúde", retoma o dr. Rogério. "É interessante que passe por um médico, que avaliará seu estado por meio de exames físicos, laboratoriais e testes ergométricos." O médico explica que, apesar do aparente exagero, é imprescindível que o futuro "atleta" tenha certeza de que a prática escolhida lhe traga apenas benefícios e nenhum risco; e isso somente um médico ou demais profissionais do esporte, como professores de educação física, podem garantir. "Passado esse primeiro momento, a pessoa está liberada para começar a atividade física que mais lhe interesse." No caso da corrida, além da parte física geral, questões ortopédicas, problemas na coluna e condições cardiovasculares merecem atenção especial nessa primeira avaliação. A partir do OK dos especialistas, é literalmente correr para o abraço. Ah! Mais um detalhe. "É importante também que, a partir do momento em que comece a treinar a corrida, a pessoa sempre receba orientações para manter o equilíbrio a fim de prevenir, ou mesmo evitar, lesões durante o treinamento", lembra o dr. Rogério. A vestimenta também conta. Um tênis adequado, que amorteça devidamente o impacto do pé com o solo, é recomendado; além de uma boa hidratação durante a prática e alimentação balanceada. "O importante não é apenas fazer uma atividade física, mas fazê-la bem", alerta o médico.
A técnica do Sesc, Maria Aparecida Ceciliano, reforça ressaltando a importância do respeito aos limites de cada um. "Não dá para sair correndo uma São Silvestre, por exemplo, se a pessoa nunca realiza exercícios em seu dia-a-dia", afirma. "É preciso adotar um programa de atividades regulares e se preparar fisicamente com a orientação de um profissional capacitado."
Maria Aparecida atenta ainda para o caráter democrático da corrida, segundo ela, um esporte que não exclui faixas etárias ou níveis sociais, agregando diversos interesses e motivações. "Além da busca pelo bem-estar no lazer, esse é um dos motivos que faz aumentar, a cada dia, o número de adeptos das grandes corridas de rua, como a tradicional São Silvestre", retoma. "A corrida pode ser uma festa, na qual não interessa em que lugar a pessoa vai chegar na reta final ou mesmo quando ela vai chegar. O importante é participar. Mas, ainda assim, a festa só vale a pena se a pessoa chegar viva e inteira."
A prática da atividade física que valoriza a inclusão, não a performance, converge com a filosofia do Sesc. No trabalho realizado pela instituição, em suas unidades na capital e no interior, o objetivo é ampliar a participação popular nas atividades, democratizando espaços e oferecendo as mais diversas práticas para o público em geral. É o chamado esporte para todos. "Mais especificamente na área de caminhadas e corridas, podemos destacar o Clube da Caminhada, as atividades abertas em praças, ruas e parques, os passeios ciclísticos e as corridas rústicas realizadas pelas unidades", explica a técnica.
Uma prática natural e cheia de possibilidades
Wanderlei de Oliveira, 41 anos, pratica atletismo desde os 6 anos, já participou de vinte maratonas e corre todos os dias. Ele é diretor técnico do Pão de Açúcar Club, no qual é responsável, entre outras coisas, por treinar os filiados, entre eles o próprio Abílio Diniz, presidente do Grupo Pão de Açúcar.
Para ele, correr é, além de tudo, a mais natural das práticas esportivas. "Todo mundo 'nasce' correndo. É só observar as crianças", brinca. "É uma extensão da caminhada, uma coisa gradativa." Wanderlei observa que a corrida é um esporte extremamente seguro e benéfico, desde que haja orientação adequada. "Além de ser uma modalidade que você pode praticar em qualquer lugar, sozinho ou em grupo." Foi essa gama de possibilidades oferecidas pela prática que atraiu o médico cardiologista José Armando Mangioni, de 48 anos, que, embora sempre tivesse praticado esporte na escola e na faculdade, recebeu na esteira do clube que freqüenta as primeiras palavras de incentivo que o levaram à sua primeira maratona. "Foi numa conversa com amigos e com algumas pessoas que também freqüentavam o clube", começa a contar. "Até que eu decidi participar. Foi um desafio para mim." Dr. Armando explica que, no começo, corria sem maiores orientações; a história ficou mais séria quando decidiu participar da Maratona de Blumenau. "Comentei com um professor de educação física que queria participar da maratona em janeiro de 1997, sendo que a prova aconteceria em julho. Ele me disse que se eu treinasse corretamente, daria tempo. Segui o treinamento e completei a maratona em 4 horas e 28 minutos. Um tempo bastante razoável para a primeira vez", orgulha-se.
Depois disso, o dr. Armando não parou mais. Participou de outras quatro maratonas e três São Silvestres. "Achava que correr uma maratona era um sonho impossível para mim", lembra. "Trabalhava muito e não tinha tempo para treinar. Depois percebi que era uma questão de dedicação, disciplina e determinação", aconselha o médico, que acorda todos os dias às 6h15min para chegar cedo ao trabalho e poder correr um pouco na hora do almoço. Ele acredita que a São Silvestre é uma das provas mais alegres das quais já participou. "Todo corredor que se preze já participou, pelo menos uma vez, da São Silvestre", diz. "É uma prova muito festiva, da qual todo corredor gosta de participar. Não apenas para fazer tempo, quebrar recordes ou coisas assim, mas para participar. Já corri até com a minha esposa e foi muito divertido."
Charme e carisma
A São Silvestre parece mesmo estar no coração de todos os brasileiros, principalmente dos amantes do esporte e da corrida. Segundo dados da organização da prova, estima-se que cerca de 15 mil corredores, vindos de todos os cantos do país e do mundo, farão parte do último grande evento de todos os anos no Brasil. "Se abríssemos 20 mil vagas, elas seriam preenchidas", revela Agberto Guimarães, ex-corredor profissional e um dos organizadores da prova.
Agberto conta que já viu "de tudo" na São Silvestre. "Os participantes vão desde o empresário que vai fazer a inscrição todo engravatado até a empregada doméstica e o trabalhador braçal. O mais interessante é ver como todos se tornam iguais durante o percurso da prova." Homens e mulheres, jovens e idosos, anônimos e famosos, pessoas comuns e chamativos personagens caracterizados das formas mais inusitadas. A São Silvestre é o exemplo típico da já citada democracia que pontua a corrida.
Izabella Queiroz Marques da Cruz, a Bu, como é conhecida pelos amigos, hoje com 18 anos, lembra com entusiasmo da primeira vez que participou da prova. Ela tinha apenas 16 anos, idade mínima permitida, e foi acompanhada por um amigo de seu pai, que a convenceu a participar. "Foi o máximo!", empolga-se. "Fiz vários amigos durante a prova, todo mundo ia conversando e tinha o pessoal batendo palma e gritando 'Vai lá que você consegue!' durante todo o percurso."
Izabella faz parte do time dos corredores informais, que não se preocupam com a vitória, mas levam a sério os treinamentos e têm a prática esportiva no seu dia-a-dia. "Comecei a participar de corridas para treinar para a São Silvestre. Na época, tinha uma alimentação balanceada e comia muitas frutas", diz a estudante de arquitetura que pretende repetir a emoção. Outra aficionada pela modalidade, que planeja passar o reveillon em São Paulo por causa da São Silvestre, é a terapeuta ocupacional Adriana Nathalie Klein, de 24 anos. Especialista em reumatologia, Adriana acompanha de perto o que o sedentarismo pode trazer de malefício à saúde; aliando essa informação profissional ao seu gosto natural pelo esporte, o resultado é que ela nunca quis parar de correr. "Comecei a participar de corridas na época da faculdade, há seis anos", explica. "As pessoas até achavam que eu fosse aluna de educação física. E foi lá, numa universidade em São Carlos (interior de São Paulo) que eu participei da minha primeira corrida." Adriana faz questão de ressaltar que o seu prazer em correr é muito maior que a preocupação em vencer, mas admite que começou bem sua carreira informal nas corridas alcançando o primeiro lugar na Volta Universitária de São Carlos, só que quase saiu sem receber a medalha. "Terminei a prova e estava indo embora quando, de repente, ouvi o meu nome e vi que tinha vencido", lembra-se. Como todo corredor que se preze - segundo palavras do médico/atleta José Armando -, Adriana já tem sua medalha de participação na São Silvestre, prova da qual participou em 1999. "Foi emocionante. Acho que é a única corrida do Brasil com telespectadores do início ao fim", opina a corredora, que também tem em seu currículo a Maratona de Blumenau e a Volta da ilha de Florianópolis. "É claro que tem sempre uma gozação. Eu fico muito vermelha quando corro, e cheguei a ouvir um pessoal dizendo: 'Olha lá o camarão correndo!'. Mas faz parte da festa", releva.
Julio Cesar Caldeira é jornalista
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A corrida e a festa |