Postado em 30/11/2018
*Por Paola Leda Brunelli
#paratodomundover #audio
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Eu me chamo Paola. Sou míope, ou seja, as coisas mais distantes vão ficando embaçadas no meu campo de visão. Me descobri nessa situação desde adolescente, quando minhas notas caíram e as dores de cabeça aumentaram, levando minha mãe a desconfiar que havia algo falho em minha visão. Mas nunca, durante todos os anos de minha longa vivência com o auxílio de meus óculos para miopia, senti nenhum tipo de preconceito por minha deficiência. Deficiência? Tudo é realmente uma ponto de vista, como Marcos Abranches, entre outros convidados, lindamente nos faz perceber em seu relato que faz parte no vídeo “O que é normal?” (Se você ainda não assistiu, por favor, entre no link acima, e expanda sua compreensão sobre os conceitos de deficientes e diferentes. Garanto que vai se surpreender muito!). De certo modo, usar uma ferramenta que nos auxilia a enxergar, pendurada escandalosamente entre as orelhas e apoiada no centro do nariz é um costume aceito e considerado “normal “ em nossa sociedade. Estranhamente porém, usar um aparelho bastante discreto, coladinho na orelha, que diferentemente do exibicionista par de óculos, nem se nota em sua tímida posição, não é. Já a combinação de óculos escuros associados à uma bengala parece ser o código social para alardear as pessoas, que ficam sem saber como lidar com o indivíduo cego, ou deficiente visual. Um super-poder imediatamente se adere aos usuários da dupla óculos-bengala ou dos cadeirantes: o poder da invisibilidade! Já reparou como essas pessoas ficam invisíveis em diversas situações? Como você nomeia uma diferença, como você a chama, é o que menos importa. O que conta é como você trata as pessoas que são diferentes de você. Acredito que este é o principal termômetro da cidadania: o respeito com as diferenças de cada indivíduo, sejam elas físicas, mentais ou sociais. Por que as pessoas cegas, os surdos, ou os cadeirantes ficam praticamente invisíveis em restaurantes, e nos lugares públicos? O garçom não pergunta nada a elas, a moça do caixa também não, a atendente do balcão pergunta pra quem estiver ao lado do portador de deficiência, mas quase nunca diretamente à eles. Sim, chegou aquele dia fatídico: “Deficiências e diferenças - precisamos falar sobre isso”. Pensando nisso, experimentei, mesmo que por pouco tempo, estar do outro lado das estatísticas. Como uma pessoa com deficiência visual percebe as coisas? Já passou da hora de nos sensibilizarmos para o que ocorre com 3,5% da população brasileira segundo os dados do IBGE de 2010. São portanto mais de 6,5 milhões de pessoas com alguma deficiência visual. A Organização Mundial da Saúde, elenca as principais causas de cegueira no Brasil: catarata, glaucoma, retinopatia diabética, cegueira infantil e degeneração macular. Outros 29 milhões de pessoas declararam possuir alguma dificuldade permanente de enxergar, ainda que usando óculos ou lentes. Aqui, vale a pena refletir também sobre nossa mutabilidade perante a vida. Hoje você pode não ligar se sua casa tem três lances de escadas, mas vai chegar um dia que suas pernas vão te pedir uma casa térrea. Um dia, se tivermos muita sorte, também vamos ser idosos e atravessar a faixa de pedestres correndo vai ficar na lembrança. Vamos sentir na pele o que as pessoas com deficiências físicas e idosos nos dizem há anos: é rápido demais, precisa ser o tempo de todos, não de apenas um grupo de usuários. Abrir aquela lata de palmito que agora é fácil, daqui a trinta anos vai ser uma tarefa hercúlea. Vamos precisar de mais tempo, seremos mais lentos, incapazes de realizar o que antes era “normal”. Deficiência, incapacidade, desvantagem, todos termos que devemos compreender desde já, para uma vida saudável em sociedade, mais justa e acessível. Sendo assim, me propus a vivênciar por alguns momentos o que é não enxergar, e como a tecnologia pode ajudar as pessoas. Aprender a ver por outros olhos. A turma que frequenta a oficina de Acessibilidade Digital para Deficientes Visuais me acolheu nessa experimentação. Realizei as mesmas atividades que os alunos fizeram, com um venda nos olhos, numa situação semelhante ao restante da turma. Aprendemos a utilizar o tablet autonomamente, usando a ajuda dos recursos auditivos. Não contar mais com a visão é revelador. De repente, o mundo ao me redor sumiu e passou a habitar na minha mente. Perdi totalmente o sentido espacial. Fiquei sem norte até me situar depois de alguns minutos. A primeira sensação que me deu foi medo e insegurança, (mesmo porque eu estou acostumada a contar com a visão para me descrever o entorno), mas o estranhamento passou pois sabia que era uma simulação, que era algo temporário. Acredito que todo mundo deveria passar por esse tipo de experiência ao menos uma vez na vida, ela nos humaniza e nos lembra de nossa real condição. Foi duro. Tive muitas dificuldades de encontrar os aplicativos, meu dedo ficou perdido sem saber como navegar no teclado. A instrução auditiva é bem rápida, ter uma pessoa ao lado que me auxiliava foi fundamental. Meu colega David, instrutor do ETA (Espaço de tecnologias e Artes) e educador dessa oficina teve um papel importantíssimo na experimentação. Consegui localizar sua voz na sala, o que me deu um sentido de posicionamento, como se eu colocasse uma bússola nos meus sentidos auditivos, que me trouxe segurança. Não é nada fácil operar o teclado virtual sem vê-lo, apanhei bastante, mas senti na pele o papel da tecnologia na vida da pessoa que possui algum tipo de deficiência. Me deu INDEPENDÊNCIA. As ferramentas tecnológicas possibilitam a expressão da cidadania no indivíduo! Comunicar, explorar, conhecer, pesquisar, conversar, aprender... A tecnologia representa tudo isso e muito mais na vida das pessoas com deficiência, porque elas conseguem com este auxílio buscar o que desejam com autonomia. Possibilitar o acesso a cada vez mais recursos tecnológicos que incluem todas as pessoas, com ou sem deficiências, deveria fazer parte da missão, dos objetivos das grandes empresas de tecnologia, e não apenas uma obrigação prevista na lei. Quando fazemos algo para o próximo só porque dá desconto no imposto, porque ajuda na nota ou porque a lei obriga, sinto que o sentido do ato em si, se perde em grandeza, deixa de possuir aquela parcela de altruísmo cintilante que nos torna seres incríveis. Conversei inclusive sobre essas empresas com o Alan, um dos alunos do IDVC, que entre uma conversa e outra, me ensinou muita coisa sobre a vida da pessoa com deficiencia visual: *Paola Leda Brunelli é Editora Web no Sesc Catanduva Acesse a programação completa da Semana Modos de Acessar em sescsp.org.br/modosdeacessar
Eu me chamo Paola. Sou míope, ou seja, as coisas mais distantes vão ficando embaçadas no meu campo de visão. Me descobri nessa situação desde adolescente, quando minhas notas caíram e as dores de cabeça aumentaram, levando minha mãe a desconfiar que havia algo falho em minha visão. Mas nunca, durante todos os anos de minha longa vivência com o auxílio de meus óculos para miopia, senti nenhum tipo de preconceito por minha deficiência. Deficiência? Tudo é realmente uma ponto de vista, como Marcos Abranches, entre outros convidados, lindamente nos faz perceber em seu relato que faz parte no vídeo “O que é normal?” (Se você ainda não assistiu, por favor, entre no link acima, e expanda sua compreensão sobre os conceitos de deficientes e diferentes. Garanto que vai se surpreender muito!).
De certo modo, usar uma ferramenta que nos auxilia a enxergar, pendurada escandalosamente entre as orelhas e apoiada no centro do nariz é um costume aceito e considerado “normal “ em nossa sociedade. Estranhamente porém, usar um aparelho bastante discreto, coladinho na orelha, que diferentemente do exibicionista par de óculos, nem se nota em sua tímida posição, não é. Já a combinação de óculos escuros associados à uma bengala parece ser o código social para alardear as pessoas, que ficam sem saber como lidar com o indivíduo cego, ou deficiente visual. Um super-poder imediatamente se adere aos usuários da dupla óculos-bengala ou dos cadeirantes: o poder da invisibilidade! Já reparou como essas pessoas ficam invisíveis em diversas situações?
Como você nomeia uma diferença, como você a chama, é o que menos importa. O que conta é como você trata as pessoas que são diferentes de você. Acredito que este é o principal termômetro da cidadania: o respeito com as diferenças de cada indivíduo, sejam elas físicas, mentais ou sociais.
Já passou da hora de nos sensibilizarmos para o que ocorre com 3,5% da população brasileira segundo os dados do IBGE de 2010. São portanto mais de 6,5 milhões de pessoas com alguma deficiência visual. A Organização Mundial da Saúde, elenca as principais causas de cegueira no Brasil: catarata, glaucoma, retinopatia diabética, cegueira infantil e degeneração macular. Outros 29 milhões de pessoas declararam possuir alguma dificuldade permanente de enxergar, ainda que usando óculos ou lentes.
Aqui, vale a pena refletir também sobre nossa mutabilidade perante a vida. Hoje você pode não ligar se sua casa tem três lances de escadas, mas vai chegar um dia que suas pernas vão te pedir uma casa térrea. Um dia, se tivermos muita sorte, também vamos ser idosos e atravessar a faixa de pedestres correndo vai ficar na lembrança. Vamos sentir na pele o que as pessoas com deficiências físicas e idosos nos dizem há anos: é rápido demais, precisa ser o tempo de todos, não de apenas um grupo de usuários. Abrir aquela lata de palmito que agora é fácil, daqui a trinta anos vai ser uma tarefa hercúlea. Vamos precisar de mais tempo, seremos mais lentos, incapazes de realizar o que antes era “normal”. Deficiência, incapacidade, desvantagem, todos termos que devemos compreender desde já, para uma vida saudável em sociedade, mais justa e acessível.
Sendo assim, me propus a vivênciar por alguns momentos o que é não enxergar, e como a tecnologia pode ajudar as pessoas. Aprender a ver por outros olhos. A turma que frequenta a oficina de Acessibilidade Digital para Deficientes Visuais me acolheu nessa experimentação.
Realizei as mesmas atividades que os alunos fizeram, com um venda nos olhos, numa situação semelhante ao restante da turma. Aprendemos a utilizar o tablet autonomamente, usando a ajuda dos recursos auditivos. Não contar mais com a visão é revelador. De repente, o mundo ao me redor sumiu e passou a habitar na minha mente. Perdi totalmente o sentido espacial. Fiquei sem norte até me situar depois de alguns minutos. A primeira sensação que me deu foi medo e insegurança, (mesmo porque eu estou acostumada a contar com a visão para me descrever o entorno), mas o estranhamento passou pois sabia que era uma simulação, que era algo temporário. Acredito que todo mundo deveria passar por esse tipo de experiência ao menos uma vez na vida, ela nos humaniza e nos lembra de nossa real condição.
Foi duro. Tive muitas dificuldades de encontrar os aplicativos, meu dedo ficou perdido sem saber como navegar no teclado. A instrução auditiva é bem rápida, ter uma pessoa ao lado que me auxiliava foi fundamental. Meu colega David, instrutor do ETA (Espaço de tecnologias e Artes) e educador dessa oficina teve um papel importantíssimo na experimentação. Consegui localizar sua voz na sala, o que me deu um sentido de posicionamento, como se eu colocasse uma bússola nos meus sentidos auditivos, que me trouxe segurança. Não é nada fácil operar o teclado virtual sem vê-lo, apanhei bastante, mas senti na pele o papel da tecnologia na vida da pessoa que possui algum tipo de deficiência. Me deu INDEPENDÊNCIA. As ferramentas tecnológicas possibilitam a expressão da cidadania no indivíduo! Comunicar, explorar, conhecer, pesquisar, conversar, aprender... A tecnologia representa tudo isso e muito mais na vida das pessoas com deficiência, porque elas conseguem com este auxílio buscar o que desejam com autonomia. Possibilitar o acesso a cada vez mais recursos tecnológicos que incluem todas as pessoas, com ou sem deficiências, deveria fazer parte da missão, dos objetivos das grandes empresas de tecnologia, e não apenas uma obrigação prevista na lei. Quando fazemos algo para o próximo só porque dá desconto no imposto, porque ajuda na nota ou porque a lei obriga, sinto que o sentido do ato em si, se perde em grandeza, deixa de possuir aquela parcela de altruísmo cintilante que nos torna seres incríveis. Conversei inclusive sobre essas empresas com o Alan, um dos alunos do IDVC, que entre uma conversa e outra, me ensinou muita coisa sobre a vida da pessoa com deficiencia visual:
*Paola Leda Brunelli é Editora Web no Sesc Catanduva
Acesse a programação completa da Semana Modos de Acessar em sescsp.org.br/modosdeacessar
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