Postado em 11/11/2018
Decidir com que roupa sair, o que comer, ter acesso e conhecer formas de cuidado em saúde, escolher ou não se e quando engravidar, decidir que carreira profissional trilhar ou o que fazer com o próprio salário: são tantas as formas de controle do corpo e da vida das mulheres, que algumas podem até desconfiar se o questionamento destes padrões trará benefícios ou malefícios.
Há uma construção e manutenção de um imaginário de que as mulheres são frágeis e incapazes. Neste sentido, a medicalização do corpo das mulheres é também uma das formas de controle, pois não se trata apenas do excesso de administração de medicamentos ou da patologização dos processos fisiológicos femininos: é também a ideia de que o corpo das mulheres precisa estar sob tutela de um médico.
O processo de surgimento da medicina moderna aconteceu ao mesmo tempo da retirada e expulsão das mulheres curandeiras e parteiras do cuidado em saúde no século XVIII, e neste cenário, surgiu a ginecologia. Quando reprodução humana passou a ter um valor agregado, o corpo das mulheres passa a ser tutelado de maneira diferenciada: é preciso “cuidar” porque reproduz.
Este controle restringe e muitas vezes impossibilita a autonomia para o autocuidado em saúde, pois parte da perspectiva de que o corpo feminino precisa sempre de reparos, e tratando as mulheres como incapazes de conhecerem seus ciclos ou os estados de equilíbrio de sua saúde. A perspectiva mecanicista que prevalece a partir do Iluminismo, também determina o sistema de crenças das ciências médicas e culturais, e este corpo cíclico, com capacidade de gestar e parir, se torna um símbolo da natureza a ser controlada e regrada.
Neste cenário, a medicalização aparece mais um efeito iatrogênico do que de cuidado, se aproximando mais de um processo adoecedor do que de apoio à manutenção e reconstrução da saúde. O problema não vive necessariamente no especialista profissional de saúde: o conflito mora na detenção do poder-saber, que afasta as pessoas do cuidado de si por se sentirem incapazes da própria consciência de sua saúde, corpo e vida, criando uma relação hierárquica entre quem cuida e quem é cuidada.
Para ser dona de si é preciso criar estratégias de autonomia e autoconfiança. Este não deve ser um caminho solitário, já que a solidariedade e uma comunidade para compartilhar suas próprias conquistas e oferecer/receber apoio são fundamentais para o fortalecimento de autodeterminação.
Ellen Flamboyant é obstetriz. Atua no ambulatório de saúde Coletivo Feminista Sexualidade e Saúde desde 2015, com atendimento de atenção primária à saúde das mulheres e de planejamento reprodutivo. Há 9 anos organizando e ministrando oficinas que promovem autocuidado em saúde das mulheres em diversos contextos. Gestão e organização do centro cultural-social Casa da Lagartixa Preta de 2004 a 2015, com foco em desenvolvimento autônomo em alimentação, bio-construção, agroecologia, plantas espontâneas, saúde, educação libertária, relações humanas e extra-humanas, e veganismo. Organizadora de mais de 15 edições do Bazar Vegano (encontro e feira semestral), entre 2006 e 2015.
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