Postado em 13/09/2018
A fita azul marcava o que deveria ser o palco. Há um estranho deslumbre quando falamos sobre o que grande público acredita ser o teatro. Não quero de forma alguma causar uma má impressão, me incluo sem restrições nesse senso comum inocente. Digo isso porque, como qualquer um (ou talvez até um pouco mais do que qualquer um), tenho um assombroso fascínio pela aura que envolve o teatro. As luzes, as figuras no palco, a plateia atenta que apoia o queixo com a mão esquerda, tudo isso parece incrivelmente majestoso e intocável. Falho engano.
Saímos da Unidade com uma missão clara: produzir conteúdo para divulgação da próxima peça do projeto “Teatro Mínimo”. Durante o caminho de táxi fomos pensando nos vídeos que poderíamos fazer para publicar nas redes sociais. Admito que produzir material para redes acaba sendo um desafio diário, não é fácil competir com diferentes tipos de produções e ideias, mas seguimos firmes na intenção de divulgar nossas programações.
Como coloquei acima, uma fita azul marcava no chão o que deveria ser o palco. O diretor havia nos dito há alguns minutos que seria melhor não fotografar ou registrar o ensaio. “É a primeira vez que eles ensaiam com os figurinos, estão um pouco nervosos”. Entramos na sala espaçosa, com uma iluminação comum e janelas altas abertas, os atores pareciam concentrados ao serem maquiados. Já ensaiei algumas peças de forma amadora e, estranhamente, me senti em casa.
Essa sensação talvez tenha surgido do prazer em ver os atores tão dispostos, lindamente alinhados em uma química deliciosa que, confesso sem pudor, rendeu boas gargalhadas. Aos poucos, a sala foi tomada pelas risadas altas e baixas, discretas e escandalosas. Texto, atuação e direção bailaram gentis no espaço de tempo.
Ao certo, as garrafas posicionadas estrategicamente em cena para aliviar a sede dos artistas, também me fizeram notar a humanidade presente na figura olimpiana que impomos aos intérpretes. “É gente como a gente”, me peguei pensando em alguns momentos.
Daí vem o “falho engano”. A aura intocável não parecia se encaixar ali, mas justamente o oposto. Tudo parecia moldável e disposto a se transmutar com as diferenças do espaço e do público. Desde alguns tropeços no texto, até o diretor em persona pedindo uma pausa para brigar com alguns jovens que falavam alto no térreo, tudo era incrivelmente humano e pessoal. Talvez por isso tão difícil acreditar que o teatro é um espaço que pertence a todos nós, o colocamos em um pedestal que não o convém. Foi ali, naquela sala de ensaio, repleta de pessoas gentis, que compreendi que o teatro, além de tudo que lhe é ditado, tem a função de aproximar. Teatro como função de trazer para perto o humano e o divino, ou melhor, o divino que habita em cada humano.
Me despedi na esperança e na promessa de assistir a peça durante a temporada, mesmo sabendo que o verdadeiro espetáculo sempre será se entregar, de corpo e alma, à experiência.
O que descrevo acima ocorreu ao assistir ao ensaio da próxima montagem do projeto “Teatro Mínimo”, que estreia no dia 14 de setembro e se estende até o dia 14 de outubro no Auditório do Sesc Ipiranga. Com tradução, adaptação e direção de Aimar Labaki e atuações de Agnes Zuliani e Rogério Brito, “Megera Domada” é baseada na parônima comédia clássica shakespeariana, “A Megera Domada”. Ao espetáculo coube o desafio de adaptar e debater a misoginia presente na obra, mesmo usando grande parte do texto escrito no final do século XVI pelo dramaturgo inglês. Dividindo e compartilhando todos os personagens, os dois atores recontam a afamada história da Catarina e Petruchio.
De acordo com Labaki, suprimir o artigo do título original e transmuta-lo em “Megera Domada” apenas reforça a discussão que é levada ao palco. Afinal, quem é a megera a ser domada nessa história? Para entender essa e outras questões, confira o vídeo abaixo:
Guilherme Sousa é estudante do segundo ano de jornalismo e estagiário de comunicação do Sesc Ipiranga. Amante de teatro e grande observador do cotidiano, pretende seguir carreira em assessoria de imprensa e jornalismo literário.