Postado em 26/07/2018
Julia é mãe de Bento e Antônio. Eles nasceram com 29 semanas, ou seja, vieram ao mundo quando a gravidez havia acabado de entrar no sétimo mês. Com os bebês na incubadora, a única coisa que ela podia fazer por eles era se dedicar a retirar o colostro (nome dado ao primeiro leite produzido pela mãe logo após o parto) para uma terapia em que o alimento era levado diretamente ao estômago dos bebês através de uma sonda. No terceiro dia de vida dos meninos, Julia recebeu alta e teve que lidar com o duro fato de sair da maternidade sem os filhos. Então ela concentrou suas energias em coletar seu próprio leite, que naquele momento ainda tinha pouco volume. Foi um processo difícil. Ela chegava a demorar uma hora para conseguir retirar 10ml de leite.
“Mas era o que eu podia fazer por eles ali. Eu não podia ainda pegá-los, mal podia tocá-los. Foi aí que eu tive muita força. Fui me concentrando e focando nisso, e dia após dia a produção do leite foi aumentando, até que chegou o dia que eles foram mamar de verdade. Que eles saíram da incubadora, e aí eu pude segurar nos braços e pude colocar eles no meu peito pra mamar. Eles não tinham força, eles não sabia mamar, a boquinha era muito pequena. Eu fechava os olhos e só imaginava que o melhor de mim estava indo pra eles. Eles ficavam quietinhos ali no meu peito, ainda não sugavam, mas eu tinha certeza que o melhor de mim estava indo pra eles”.
Toda a dedicação valeu a pena. Em um mês Bento e Antônio já estavam mamando no peito. Hoje eles estão com seis meses e são muito saudáveis. “Eu tenho certeza que amamentação contribuiu muito pra isso”.
Julia Ferrari e Rodrigo Ropelle curtem juntos o momento da amamentação dos filhos.
Foto: Marcelo Verdial
Vamos respirar um minuto para nos recuperarmos dessa história?
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Pronto, sigamos adiante!
Emoções a parte, basta fazer um breve resgate das informações relacionadas ao tema nos últimos tempos para constatar que a amamentação hoje é um daqueles temas que rendem longos debates.
Conversamos sobre isso com Viviane Laudelino Vieira, Nutricionista do Centro de Referência em Alimentação e Nutrição da USP.
“Os primeiros seis meses do bebê são os únicos momentos da vida em que é possível se manter saudável com um único alimento: o leite materno. Amamentar está diretamente ligado a contribuir para a segurança alimentar e nutricional de um país, por trazer benefícios biológicos, econômicos, sociais e ambientais”. (falamos com mais detalhes sobre estes benefícios e também sobre mitos, como o do leite fraco ou do leite que não desce, nesta matéria).
Consenso para os principais órgãos ligados ao tema, da ONU à Sociedade Brasileira de Pediatria, a amamentação exclusiva até o sexto mês de vida, e prolongada até o segundo ano da criança, não é unanimidade no cotidiano. Em 2017, o Global Breastfeeding Scorecard avaliou 194 países e concluiu que apenas 23 deles registram índices de amamentação exclusiva acima de 60%.
Um cenário preocupante e muito influenciado pela ação das grandes empresas fabricantes de fórmulas alimentares para bebês, que usam diversas estratégias para aumentar o consumo de seus produtos. “É um negócio bilionário. É previsto que, em 2019, ele alcance um valor de vendas de quase de 71 bilhões de dólares”, conta Viviane.
Profissionais de saúde e possíveis consumidoras e consumidores dificilmente escapam da influência das mensagens destas corporações. “A população é alvo direto por meio de diferentes formas de publicidade, realizadas de forma direta e indireta (disfarçadas em textos). A mídia social, aliás, vem sendo um campo muito utilizado atualmente e diversas blogueiras são veículo de publicidade. Estas, muitas vezes, são pagas para produzirem textos direcionados a algum produto ou recebem presentes que acabam gerando publicações na rede (com milhares de visualizações)”, comenta Viviane. A isso somamos também contextos políticos, como o posicionamento do atual governo norte-americano, que recentemente se opôs a resolução da Organização das Nações Unidas para incentivar a amamentação de recém-nascidos. São tantas influências que a autonomia da mãe fica ameaçada.
Para que o aleitamento materno tenha sucesso, é importante que haja um equilíbrio entre diferentes fatores: “É fundamental que essa mulher esteja bem informada sobre o assunto. Também é imprescindível que ela esteja bem apoiada, em diferentes cenários (pela equipe de saúde que assiste a ela e ao bebê), pelo(a) companheiro(a) e família, pelo seu local de trabalho, amigos e sociedade de forma geral”.
O fato é que não faltam motivos para amamentar. O leite materno é um alimento específico, ou seja, ele é produzido para aquele bebê naquele momento de vida. Ele é um alimento vivo em todos os aspectos: “Seu sabor muda por diversas situações, contribuindo para a formação do paladar do bebê e, por consequência, auxiliando na aceitação dos alimentos ao longo da infância”, complementa Viviane.
Mamar no peito exige um exercício dos músculos da face, preparando a boca para a mastigação. O bebê também estabelece a respiração pelo nariz, o que colabora para que os maxilares cresçam com espaço suficiente para que os primeiros dentinhos se desenvolvam. O aleitamento materno colabora também para que o crânio e a face cresçam de forma adequada, auxiliando no desenvolvimento da própria cavidade da boca e de todas as estruturas ligadas à cabeça, face e pescoço. “Do ponto de vista da promoção da saúde, o aleitamento materno também evita as maloclusões (dentes tortos)”, conta a odontopediatra Sylvia Lavinia Martini Ferreira. De acordo com a especialista, integrante do grupo de saúde oral da Sociedade de Pediatria de São Paulo, a mamadeira não atinge os mesmos resultados: “A criança que usa um bico de látex ou silicone vai fazer menos esforço durante a mamada. É preciso entender que o esforço muscular realizado durante as mamadas provoca um estímulo de crescimento no complexo crânio facial e consequente nos arcos dentários”.
Para além da saúde, a amamentação é um ato natural entre mãe e filho. “Nos distanciamos muito da amamentação como um ato típico de qualquer mamífero porque temos crenças, valores culturais e sociais que modulam a amamentação. A mulher precisa ser bem informada, respeitada quanto à sua decisão e ter seu direito de amamentar garantido”, conclui Viviane.
E pra mamar não tem hora nem lugar. “Eu entendo que a gente amamentar em público e onde eles quiserem mamar é um ato também político, no sentido de incentivar as outras mães, encorajá-las a amamentar (...) Eu tinha muito essa dúvida, se eu ia conseguir, se seria possível, se eu seria capaz, então a questão é a gente se sentir empoderada pra isso. Sim, eu posso alimentá-los, eu sou capaz“, afirma a mamãe Julia, toda orgulhosa da história que vem escrevendo com Bento, Antônio e todo mundo que está ao seu redor para apoiar.