Postado em 29/06/2018
A MC Preta Ary, que esteve no Sesc São José dos Campos, conversa sobre rap, feminismo e poesia
Mulher, preta e MC. Três palavra que, juntas, só podem significar resistência. Preta Ary, integrante do grupo D'Origem traz em suas rimas algo diferente das fórmulas clássicas AB AB, AB BA, que se aprendem na escola.
A rima, no rap, tem outro sentido. Ela é dinâmica, fresca, atual e principalmente, é a voz do povo, sem cânones. Hoje o rap e a cultura hip-hop, que fazem parte da história da cultura brasileira têm mais lugar ao sol e, para Preta, isso é uma realidade. "O hip-hop é uma cultura muito presente no cotidiano do Brasil e também é uma cultura que resgata jovens. Principalmente nas comunidades ela faz um trabalho social que estado nenhum faz, que o governo não faz. É um trabalho que é feito pelas próprias pessoas que atuam dentro do hip-hop, sem reconhecimento ou remuneração alguma. É uma cultura que dialoga diretamente com a realidade dessas pessoas, que precisam tanto de atenção e acabam não tendo. O hip-hop vem fazendo esse papel".
Para ela, é importante que essa cultura seja passada, a fim de quebrar tabus e preconceitos que existem em torno dessa história. "Uma vez que ela cresce, pode gerar mais frutos bons, como ela já vem gerando nos mais de 30 anos de hip-hop no Brasil".
Rap e poesia durante anos foram vistos como expressões diferentes, que caminham paralelas, mas a partir do surgimento de importantes grupos no cenário musical, foi jogada luz na periferia e ela ganhou voz. Hoje, ainda que haja barreiras, o rap é visto como expressão artística, literária e tem ganhado cada vez mais espaço, por exemplo, nas competições de poesia Slam. "Na minha opinião tudo é poesia. Só são reproduzidas de forma diferente. O rap contempla mais essas pessoas [das comunidades] porque dialoga diretamente com elas. Ele fala muito mais da realidade delas. O que está acontecendo agora é que o rap está sendo enxergado também como poesia. Hoje a gente tem reconhecimento e raps são temas obrigatórios de vestibular [A Unicamp adotou para o vestibular de 2020 o clássico álbum " Sobrevivendo ao Inferno", dos Racionais MC's, na categoria poesia]. Então, querendo ou não é um reconhecimento", diz Preta.
Feminismo no rap e na vida
Ser mulher é uma luta diária por direitos e igualdade. Preconceitos, assédios e violências fazem parte do cotidiano de todas. A realidade de Preta é da mulher de mulher da periferia, negra e ainda por cima, artista. "É resistência pura. O fato de ser mulher já é muito difícil, e ainda você ser mulher negra é ser a base da base da base da sociedade. Uma vez que você se levanta e quer expor os seus pensamento e sentimentos por meio da poesia, por meio do rap, é um ato de revolução muito grande, porque você tem que colocar o dedo em várias feridas, falar a respeito de várias coisas sobre as quais as pessoas não querem ouvir e assuntos dos quais elas não querem tratar. Está aí a resistência".
No hip-hop essa luta também se manifesta. Por mais que o ambiente seja o mesmo e as condições parecidas, a vida de homens e mulheres dentro da periferia também é diferente entre si e o machismo existe, como em todos os contextos. "O feminismo dentro do rap é tão difícil como na sociedade como um todo. O hip-hop é muito machista, o rap não é diferente, por ser uma manifestação do próprio hip-hop. Não foi fácil e ainda não é fácil, mas que bom que a gente vem conquistando espaço de forma gradativa. A luta por espaço nesse ambiente do rap acaba sendo muito árdua porque na sociedade a gente ser mulher e lutar pelo nosso espaço já é difícil e então quando entramos numa manifestação como essa, que é majoritariamente masculina, e queremos falar de coisas que não são da realidade dos homens, acabamos sendo vetadas e sofrendo um preconceito muito grande. Mas a gente tá aqui resistir, pra quebrar paredes mesmo, 'então vamo que vamo", comenta Preta.
O que nos move
Além das influências na música, no graffti, entrevistas, documentários, a história de Preta e das mulheres que vieram antes dela são para ela fonte de inspiração para suas composições, assim como a cultura do hip-hop, com a qual se identificou há 16 anos, sendo 14 deles dedicados ao rap. Preta já passou por grupo majoritariamente masculinos e encontrou na MC Meire uma parceira na arte. Compartilhando da mesma condição como mulher, ambas formaram um dupla e, hoje, formam o D'Origem, fazendo assim suas próprias vozes.
"Pra mim a palavra tem um poder muito grande. Agradeço muito por ter esse dom de poder usá-la por meio dos meus raps para poder me comunicar, fazer denúncias, fazer resgates e buscar algo melhor paras as minhas e os meus. A palavra é comunicação. É o que a gente usa para passar nossas ideias. Por mais que seja algo [a realidade] que de repente deveria nos colocar pra baixo, fazer com que a gente parasse, acaba sendo uma inspiração, afinal de contas, é sobre isso que a gente fala bastante nas letras, sobre tudo o que acontece no nosso cotidiano e por sermos quem a gente é", completa.