Postado em 19/06/2018
Como a multiplicação dos equipamentos digitais, a expansão urbana e o crescimento dos problemas sociais têm influenciado na forma como as novas gerações se relacionam com o meio ambiente?
Segundo o IBGE, 84% da população brasileira vive em cidades e 47% das pessoas não se sentem seguras na cidade onde moram.
Conversamos com Maria Isabel Amando de Barros e Patricia Otero, especialistas no assunto, sobre os impactos da falta de natureza na vida das crianças e sobre a obra “A Última Criança na Natureza”, de Richard Louv, abordada por elas na palestra ministrada no dia 20 de junho, no Centro de Pesquisa e Formação do Sesc em São Paulo.
Confira:
Eonline: Na opinião de vocês, o que afastou as crianças da natureza?
Maria Isabel Amando de Barros: O distanciamento atual entre as crianças e a natureza emerge como uma importante crise do nosso tempo. Especialmente no contexto urbano, independente do tamanho da cidade, o mundo natural tem deixado de ser visto como elemento essencial da infância. Os sintomas e efeitos dessa desconexão compõem um problema sistêmico que está levando a profundos impactos em todas as gerações, especialmente nas crianças. Os fatores responsáveis por esse cenário, como saúde, planejamento urbano, mobilidade, uso de eletrônicos, desenvolvimento econômico e social, violência, conservação da natureza e educação, são complexos e estão inter-relacionados. Esse cenário, no entanto, varia de intensidade dependendo da classe social e da realidade específica de cada um, e seus impactos são mais agudos e presentes nas cidades e nos bairros densamente habitados e de alta vulnerabilidade social, onde as condições para uma infância saudável e plena estão muito ameaçadas.
Patricia Otero: O modo de vida atual certamente com um maior acesso a celulares (multi uso), jogos eletrônicos e a TV. Além disso com o aumento da violência nos centros urbanos, percebo muitos pais e familiares preocupados e assim as crianças ficam mais em casa por ter mais segurança.
Pais trabalham fora e com uma vida corrida têm menos tempo de lazer com os filhos.
As áreas externas nas escolas estão sendo reduzidas, há que ter árvores, horta, jardins e parquinho. As escolas que oferecem estes espaços qualificam a educação e têm professores mais felizes.
Eonline: O quanto isso pode prejudicar no desenvolvimento da criança?
Maria Isabel Amando de Barros: As consequências são significativas: obesidade, hiperatividade, déficit de atenção, desequilíbrio emocional, baixa motricidade – falta de equilíbrio, agilidade e habilidade física - e miopia são alguns dos problemas de saúde mais evidentes causados por esse contexto. Simultaneamente, nos últimos anos vimos surgir muitas pesquisas que sugerem o que alguns educadores, pais e especialistas atestam há décadas: o convívio com a natureza na infância, especialmente por meio do brincar livre, ajuda a fomentar a criatividade, a iniciativa, a autoconfiança, a capacidade de escolha, de tomar decisões e de resolver problemas, o que por sua vez contribui para o desenvolvimento integral da criança. Isso sem falar nos benefícios mais ligados aos campos da ética e da sensibilidade, como encantamento, empatia, humildade e senso de pertencimento.
Patricia Otero: Falta de sol resulta em menos vitamina, principalmente a D. Obesidade. Isolamento, timidez. Ah já vi crianças que têm medo/aflição de colocar o pé na areia, na terra. Infelizmente é uma completa desconexão com os animais.
Eonline: O que é o Transtorno do Déficit de Natureza?
Maria Isabel Amando de Barros: O termo não se refere a mais uma doença na longa lista de diagnósticos médicos. É um termo criado pelo autor para chamar a atenção e provocar reflexão sobre o contexto da infância nos dias atuais e quais são as consequências de não proporcionarmos o contato diário e significativo das crianças e jovens com a natureza.
Patricia Otero: Este Transtorno, um conceito apresentado pelo autor, está diretamente relacionado com a urbanização da cidades, diminuição de espaços verdes e também o desenvolvimento tecnológico. Esses pontos contribuem para a redução da necessidade de sair, passear ao ar livre, daí, as pessoas acabam se isolando, e ficam em espaços cada vez mais fechados e aos poucos perdem a intimidade com a natureza. Caminhar pelo seu bairro, brincar ao ar livre, esse contato direto e natural promove alegria, interação social e saúde. É simples, não precisa ir para uma floresta. Nas cidades, você pode se conectar com a natureza nos parques, praças e áreas verdes e desfrutar do bem viver!
O sol e ar puro, por exemplo, nos trazem saúde e o som dos pássaros aconchega o coração.
Eonline: Como vocês chegaram até a obra do Richard Louv?
Maria Isabel Amando de Barros: Sou Engenheira Florestal e sempre trabalhei com a relação entre educação e natureza. Também atuei na gestão de áreas protegidas, especialmente em relação ao manejo da visitação e do uso público dessas aéreas. Entretanto, quando tive minha primeira filha, em 2008, comecei a me interessar muito pela relação entre a infância e a natureza no mundo em que vivemos. Tive uma infância privilegiada, cresci numa casa com quintal numa cidade pequena do interior de São Paulo. Fui uma criança tímida e a natureza foi um refúgio muito importante durante meus primeiros anos de vida. Meus pais sempre deram muita liberdade de movimento para mim e meus irmãos e desde muito cedo eu pude explorar primeiro o quintal da nossa casa e depois a cidade toda, de bicicleta ou a pé. Essas experiências me formaram e influenciaram muito minhas escolhas e minha vida futura.
Quando minha filha nasceu eu entrei em choque ao perceber que o mundo havia mudado e que ela dificilmente iria viver uma infância como a minha. A medida que ela crescia essa realidade ficava cada vez mais clara para mim quando eu notava o cerceamento dos movimentos das crianças, a ausência delas nos espaços públicos, as escolas emparedadas e cheias de playgrounds de plástico.
Então, em 2011, eu fui participar de um seminário sobre manejo de áreas protegidas nos EUA, e em uma vista ao Parque Nacional Yellowstone eu dei de cara com o livro Last Child in the Woods na livraria do Centro de Visitantes. Achei o título e o subtítulo - resgatando nossas crianças do transtorno do déficit de natureza - muito instigantes e comprei um exemplar. A leitura foi daquelas experiências transformadoras que temos na vida, pois foi como descobrir que alguém tinha colocado em palavras tudo o que eu estava vendo e sentindo. Não parei mais de estudar sobre o tema e em 2015 comecei a trabalhar para ajudar a mudar essa realidade no Brasil.
Patricia Otero: Tive uma infância na natureza, fazendo comidinha, comendo o mel que tem em algumas flores, e brincando com muitas primas e amigas e amigos na rua. Essa memória ocupa um lugar especial no meu coração. Sou ambientalista e trabalho com educação ambiental, há muitos anos. Quando vi sobre o lançamento do livro aqui no Brasil me interessei e comprei para ler.
*Maria Isabel Amando de Barros é Engenheira florestal e mestre em Conservação de Ecossistemas, sempre trabalhou com educação e conservação da natureza. Desde 2015 é pesquisadora do programa Criança e Natureza do Instituto Alana.
Patricia Otero é Mestre em Sustentabilidade na Gestão Ambiental pela UFSCAR/Campos Sorocaba. Fez o curso PDC - Permacultura - Design Certificate no Ecocentro IPEC. Esteve por seis anos como Secretária de Meio Ambiente da Prefeitura de Itu. Atualmente é consultora responsável pelas áreas verdes e educação ambiental da APAE-Itu.
O encontro, que discute a obra de Richard Louv, fundador do Movimento Criança e Natureza, e que cunhou o termo Transtorno do Déficit de Natureza (TDN), compõe a programação do Projeto Ideias e Ações para um Novo Tempo - 2018 do Sesc São Paulo.
Gostou de tudo isso? Tem mais de 100 atividades durante todo o mês de junho, para te ligar à natureza na capital, interior e litoral paulista. Saiba mais em www.sescsp.org.br/ideiaseacoes.