Postado em 13/07/2017
texto: Renata Valdejão
A Organização Mundial do Turismo (OMT), agência especializada das Nações Unidas e principal organismo do mundo na área, está preparando uma proposta de reestruturação do Código Mundial de Ética do Turismo para apresentar na próxima Assembleia Geral da organização, no final deste ano, na China.
O plano é transformar o Código, de aplicação voluntária, em uma Convenção Internacional, que tem a finalidade de produzir efeitos jurídicos. “Embora tenhamos visto melhorias significativas na forma como os países têm incorporado seus princípios [do Código] à legislação, ainda estamos longe do cenário ideal”, explicou o secretário-geral da OMT, Taleb Rifai, à frente do cargo desde 2010.
Leia, a seguir, trechos da entrevista de Rifai aos Cadernos de Cidadania.
Os princípios do Código Mundial de Ética do Turismo são suficientes para orientar a prática do turismo ético? Por quê?
O Código Mundial de Ética do Turismo é o único código existente em nível mundial e dirigido a todos os atores do setor de turismo: governos, setor privado, sociedade civil, meios de comunicação e turistas. Ainda assim, um dos desafios do código é que a sua aplicação é voluntária e, embora tenhamos visto melhorias significativas na forma como os países têm incorporado seus princípios à legislação, e, no caso das empresas, implementado na gestão, ainda estamos longe do cenário ideal. É por isso que a OMT está trabalhando atualmente na transformação do código numa Convenção Internacional. Há um grupo de trabalho dos países-membros da OMT conduzindo esse processo, e acredito que a primeira versão do texto da proposta será apresentada à 22ª Assembleia Geral da OMT, que terá lugar na China, em setembro de 2017.
Quantos países são signatários do Código?
O código foi aprovado por todos os países-membros – mais de 150 nações – na Assembleia Geral da OMT em 1999. Mais tarde, foi endossado por todos os países-membros na Assembleia Geral de 2001. Para aumentar a divulgação e a implementação do código pelas empresas, em 2011 a OMT deu início ao Compromisso do Setor Privado com o código. Atualmente existem 468 signatários entre as empresas privadas de 64 países, quatro associações regionais e um organismo internacional. Assinando o compromisso, os signatários se comprometem a observar os princípios do texto, a promover o código em seus próprios círculos – entre fornecedores e clientes, por exemplo –, e a informar sobre a implementação dos princípios do código ao Comprometimento Mundial com a Ética do Turismo, um órgão independente responsável por promover a implementação dele.
É possível existir um turismo sustentável, responsável e acessível a todos?
Claro! Na verdade, esse é o único modelo de turismo que tem garantia de duração para as gerações futuras. Hoje em dia existem destinos e atores diversos dentro da área que vêm conduzindo boas práticas e experiências no campo do turismo sustentável, responsável e acessível, que, por sua vez, vêm sendo reproduzidas em diferentes contextos, por causa de seu sucesso. Não devemos nunca nos esquecer que turismo sustentável tem a ver com sustentabilidade nos seus três pilares: econômico, social e ambiental. Na OMT, trabalhamos com os países-membros e com todos os participantes do setor para garantir que existam políticas para medir e gerenciar os impactos negativos que o turismo possa causar, ao mesmo tempo maximizando os benefícios em termos de crescimento econômico, criação de empregos, promoção e preservação do legado cultural e da natureza, além do entendimento mútuo.
Como fazer para minimizar os impactos negativos do turismo?
O gerenciamento precário do turismo resulta em impactos negativos para o setor em diferentes níveis: danos ao ambiente, tráfico ilegal de bens e de animais e confrontos com as comunidades locais, entre outros. Por outro lado, alinhado com o que defendemos na OMT, o turismo inclusivo, acessível, responsável, sustentável e equilibrado beneficia a todos, com prosperidade econômica, intercâmbio cultural, paz, desenvolvimento, criação de empregos, visão positiva dos destinos… O número de benefícios é imenso. Um modelo sustentável é possível quando há maneiras de medir os impactos, como fazem os Observatórios do Turismo Sustentável, que são fomentados pela OMT para se envolver e prestar consultoria às comunidades anfitriãs, gerenciar os congestionamentos e garantir que os benefícios do setor sejam desfrutados por todos.
Quais são as políticas e instrumentos de competitividade e sustentabilidade que a OMT promove?
Acreditamos que cada destino deveria desenvolver sua própria política no que diz respeito ao turismo sustentável, já que cada contexto tem suas particularidades e necessidades. Entretanto, existem ferramentas e metodologias que podem ser usadas e adaptadas, como os já citados Observatórios do Turismo Sustentável. Eles são instrumentos importantes para monitorar, avaliar o impacto e estimular medidas de promoção de práticas sustentáveis. Outra área em que a OMT é muito ativa é a do envolvimento dos órgãos governamentais locais nas políticas nacionais, além do engajamento do setor privado no cumprimento das medidas relacionadas à sustentabilidade. Neste sentido, um projeto recentemente organizado pela OMT, em parceria com o Pacto Global [iniciativa da ONU com a comunidade empresarial internacional], prevê que as empresas do setor receptivo expressem publicamente seu comprometimento com o turismo sustentável e seu desejo de incentivar iniciativas que demonstrem como o turismo pode contribuir para os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável. Em todos os casos, é importante que a sustentabilidade esteja no coração dos planos diretores e das estratégias do turismo nacional.
É possível implementar essas políticas em qualquer lugar; por exemplo, no Brasil?
O Brasil já vem demonstrando grande comprometimento com o desenvolvimento sustentável. Não vamos nos esquecer que, em 1992, quando a Convenção do Rio [Eco-92] foi realizada no Brasil, um marco global foi estabelecido e passou a guiar nosso caminho dali para diante. No ano passado, um dos vencedores do Prêmio da OMT era brasileiro [Complexo Turístico Itaipu, em Foz do Iguaçu, no Paraná, na categoria Pesquisa, Tecnologia e Inovação]. Foi exatamente a abordagem inovadora para promover o turismo sustentável que convenceu o júri do prêmio.
O Relatório da Comissão Mundial de Ética do Turismo, de 2015, sobre a implementação do Código Mundial de Ética do Turismo, diz que a aplicação dos princípios do código até agora tem sido moderada. Qual seria a explicação para isso? Como melhorar a implementação?
O fato de o Código não ser uma convenção internacional limita a sua implementação. Na OMT, acreditamos que o comprometimento com os princípios da sustentabilidade devem ser compulsórios. Portanto, a convenção internacional, que esperamos que seja aprovada em nossa próxima Assembleia Geral, será um passo importante nesse sentido. Ainda assim, se a aplicação dos princípios, das medidas e das regras não resultar de um convencimento do setor a respeito dos benefícios do turismo sustentável, nosso trabalho terá sido em vão. Porém é importante enfatizar que, graças aos nossos esforços em apoiar os governos, o setor privado, a sociedade civil e a academia, entre outros grupos, a consideração a respeito do código tem crescido muito a cada ano.
Quais os próximos passos para a aprovação da transformação do Código em convenção internacional?
A primeira versão do texto da convenção está sendo finalizada por um grupo de trabalho composto por especialistas em legislação internacional e por alguns dos países-membros da OMT. Esse texto será submetido à aprovação na próxima Assembleia Geral da OMT, na China, em 2017. Uma vez aprovado, o texto será aberto para a ratificação dos países-membros.
Quais são as melhores práticas relacionadas ao bem-estar das comunidades já implementadas pelos países signatários?
Seria injusto citar apenas algumas práticas e não outras. Em termos gerais, histórias de sucesso têm relação com a inclusão das comunidades, que recebem os mesmos benefícios que o setor como um todo; com programas de capacitação que objetivam apoiar a presença feminina no setor; com acordos para eliminar o trabalho infantil nos empreendimentos turísticos; e com a promoção da eficiência energética da indústria receptora. Felizmente, a lista das melhores práticas é imensa.