Postado em 13/07/2017
*Por Silvia Hirao
(Assistente técnica do Núcleo de Referência Técnica em Turismo Social do Sesc em São Paulo)
Em 2015, o Sesc em São Paulo foi convidado pela Organização Mundial do Turismo (OMT) a assinar o Código Mundial de Ética do Turismo, um documento adotado em 1999 pela Assembleia Geral da OMT que orienta governos, comunidades, turistas e prestadores de serviço para a implementação de um turismo mais responsável e sustentável. Dentre suas diretrizes estão o compromisso com a busca pela redução de impactos ambientais e sociais negativos, a valorização do patrimônio cultural, a promoção dos direitos humanos, a inclusão social, a equidade de gênero e a acessibilidade.
O compromisso ético com a atividade turística faz parte das bases do Programa de Turismo Social do Sesc em São Paulo. Iniciado em 1948, o trabalho em turismo social da instituição orienta-se por ações pautadas nos princípios da democratização do acesso à atividade turística, na educação para e pelo turismo, no protagonismo dos participantes e na operacionalização ética e sustentável.
Assim, ao tornar-se signatária do Código, a principal ação adotada pela instituição nesse campo passou a se concentrar na mobilização de agentes de turismo por meio da promoção de difusão e reflexão sobre os valores do Código e, principalmente, dos grandes dilemas éticos que a atividade turística provoca. Essa linha de ação corresponde à essência educativa do trabalho desenvolvido pelo Sesc em São Paulo em turismo social, que pode ser encontrada em sua ação fim, seja nos roteiros turísticos, na hospedagem social do Centro de Férias Sesc Bertioga ou nas ações reflexivas como cursos, debates e palestras.
Despertar a atenção para o turismo que cada um de nós realiza, transcendendo o olhar para o que dele decorre e para as estruturas que se edificam para sua realização, é um exercício de crítica que o turismo social busca permanentemente. Jost Krippendorf, sociólogo especializado nos estudos turísticos, chama esse processo de “emancipação do turismo”, ou seja, a transformação de um turista conduzido e manipulado em turista informado e experiente e, afinal, emancipado e maior – um ser humano que seja um consumidor crítico não apenas em casa, mas também durante a viagem. E lembra que o ser humano é um ser social e indivisível e, portanto, sua vida cotidiana influi em si quando viaja, assim como o que ele vivencia durante as férias pode repercutir sobre seu cotidiano.
Esse trabalho educativo em torno da ética no turismo deve ser permanente e envolver turistas, anfitriões, empresários, gestores públicos e uma extensa rede de prestadores de serviços turísticos, buscando melhores práticas para essa indústria. Trata-se de investigar, para além dos vultosos números produzidos pela economia do turismo, quais os impactos dessa atividade nas sociedades
e como caminhar por melhores trilhos.
Falamos de uma atividade que cresce vertiginosamente, assim como cresce também a repulsa a ela em grandes destinos turísticos mundiais. Em algumas cidades, o turismo potencializou mudanças que tem dificultado e encarecido a vida dos moradores, gerando processos severos de gentrificação. Como resultado, grandes debates públicos e manifestações contrárias ao turismo tem pressionado governos a buscar novos modelos de políticas públicas. A ideia de se planejar o “decrescimento” turístico já está em pauta em cidades como Barcelona, uma das que assistiu ao maior crescimento turístico nos últimos anos, e começa a se tornar tema mais comum nas agendas de debates de outras cidades turísticas.
Ao mesmo tempo em que há locais preocupados com o que hoje é conhecido como “overtourism”, outros números apresentam uma dimensão preocupante da atividade. Apesar do crescimento de chegadas internacionais por 7 anos consecutivos, alcançando uma marca de 1,2 bilhão de chegadas, o turismo é hoje praticado por uma pequena parcela da população mundial. Diversas questões advêm desse cenário: o planeta suportaria uma democratização plena de acesso ao turismo, nas bases em que ele se desenvolve hoje? É realmente possível a busca por um turismo sustentável? Quais são as óticas que preponderam nas análises de êxito turístico?
Nesse ponto, uma série de perspectivas colaboram para uma análise mais aprofundada que relaciona a ética à atividade turística. O emprego é uma delas. Apesar de representar 1 em cada 11 empregos no mundo, o turismo é caracterizado por ser um setor com baixa qualidade de empregos, por sua sazonalidade, alta carga horária e terceirização, entre outras dificuldades. Além disso, é onde se expressa uma das faces da desigualdade de gênero. As mulheres, apesar de preencherem a maior parte dos postos de trabalho no turismo, estão em sua maioria em funções com menores salários e frequentemente reproduzindo os estereótipos de gênero, reforçando a ideia de subordinação e longe dos postos de comando.
Outra perspectiva diz respeito ao cenário atual de crescimento acelerado da economia colaborativa. O impacto no setor de turismo é grande. Ferramentas online de locação de imóveis para temporada, de carros e de serviços turísticos em geral dinamizam o mercado e facilitam as contratações, mas, por outro lado, potencializam os processos de gentrificação e a precarização do trabalho. Mais uma vez, o impacto maior tem ocorrido nos destinos turísticos mais procurados, antecipando questões que certamente deverão ser enfrentadas por outros destinos no mundo, desafiando legislações e políticas públicas.
Outras perspectivas, como a que enfoca os papeis do turismo, abrem mais um leque de análises. São vários os casos em que o turismo foi implantado como projeto de resistência a outros movimentos, como o da especulação mobiliária. Nesses locais, a atividade é concebida como fruto de um movimento social, em que o turismo auxilia na garantia da posse da terra. Muitas vezes, trabalham com roteiros que priorizam a convivência com os moradores e a aproximação mais aprofundada com seus hábitos e formas de vida, fortalecendo a sensibilização quanto às suas lutas sociais. Porém, assim como em outros locais que se tornam destinos turísticos, deparam-se com questões que mais uma vez esbarram na temática da ética: o risco da espetacularização e de mercantilização das culturas, a interferência no cotidiano dos moradores, entre outras.
Todas essas questões, e muitas outras, têm sido abordadas pelo Turismo Social do Sesc em São Paulo com diversos atores, como funcionários, prestadores de serviços, turistas e pesquisadores, marcadamente desde a assinatura do Código Mundial de Ética do Turismo.
Este Caderno de Cidadania foi elaborado a partir das discussões atuais sobre o tema e abarca os conteúdos abordados na primeira edição do Ciclo de Debates “Ética no Turismo”, em 2016, realizado no Centro de Pesquisa e Formação. Pretende ser mais um instrumento de difusão dos valores do Código de Ética e de inspiração aos profissionais da área, convidando-os a participar, a construir, a debater e a criar novos rumos para o turismo brasileiro.