Postado em 29/03/2018
Aos 84 anos, Zuza Homem de Mello é uma referência quando o assunto é relevância musical. Jornalista, escritor, produtor e musicólogo, o paulistano se dedica a identificar gêneros e repertórios que não sucumbem ao tempo. “Para mim, o que conta é aquilo que vai vingar por mais tempo, para sempre”, diz. Na juventude, enquanto estudava Engenharia, tocava contrabaixo acústico profissionalmente, até que, encorajado pela mãe, colocou a mochila nas costas e foi estudar música nas conceituadas escolas School of Jazz e Juilliard School, nos Estados Unidos. Trabalhou em festivais nacionais e internacionais, além de produzir shows e discos de artistas como Elis Regina e Milton Nascimento. Autor de Música Popular Brasileira Cantada e Contada (Melhoramentos), Música com Z (Editora 34), entre outros livros, Zuza lança Copacabana – A Trajetória do Samba-Canção (1929-1958), pelas Edições Sesc em parceria com a Editora 34.
Nesta conversa, fala sobre o novo livro e deixa escapar: até o final do ano, encerra as gravações do documentário Zuza Homem de Jazz.
Vi, ouvi e vivi
Eu vivi tudo aquilo. Aquelas histórias [do livro Copacabana – A Trajetória do Samba-Canção (1929-1958)] não têm pesquisa. Isso faz parte do que julgo um diferencial em todos os meus livros: relato muitas coisas que vivi. Primeiro, porque sou sortudo de chegar aos 84 anos pleno de condições de poder falar, escrever e ouvir a música dos jovens, ter contato com a juventude. Segundo, porque cultivei a memória, embora seja um péssimo fisionomista. Tenho lembrança da voz de pessoas que morreram. Vozes que estão na minha cabeça até hoje – do meu pai, tios etc. Por esse motivo, me atrevi a escrever sobre um gênero musical que dominou, originalmente, o bairro de Copacabana nos anos 1940 e, praticamente, toda a década de 1950. No primeiro capítulo, explico a razão pela qual me senti capacitado para escrever sobre o samba-canção. Aos 18 e 19 anos, eu passava as férias no Rio, na casa de uma tia. Percebi e relatei diferenças entre os jovens e a vida de São Paulo e do Rio de Janeiro. Só no bairro de Copacabana eram mais de 20 boates. Em São Paulo, havia apenas duas – a Oasis [subsolo do Edifício Ester], a Lord [Av. São João] e mais nada. O entretenimento no Rio era espantoso.
Tem um capítulo sobre as rádios em que falo sobre as três emissoras que a gente ouvia tanto no Rio de Janeiro quanto no interior de São Paulo. A universidade de música da gente era o rádio. Dick Farney e Nora Ney eram as principais vozes do samba-canção. Eles tinham uma voz acariciante, completamente diferente da do Francisco Alves e de outros grandes cantores, como Orlando Silva. Era uma forma de cantar intimista, porque o samba-canção é mais lento que o samba e propicia a interpretação de notas mais alongadas, o que dava às pessoas a capacidade de entender melhor a temática das letras: o fim da relação amorosa. Entre alguns, o exemplo do samba-canção era do baiano Dorival Caymmi em “Marina” e “Nunca Mais”. Outro grande letrista foi Lupicínio Rodrigues, um gaúcho que fez samba-canção como se estivesse vivendo e morando no Rio de Janeiro. O samba-canção também propiciou, pela primeira vez na história da Música Popular Brasileira, a entrada das compositoras. Foram Maysa e Dolores Duran as duas primeiras grandes compositoras brasileiras a escreverem letras sobre o relacionamento amoroso do ponto de vista feminino. Além delas, tínhamos grandes cantoras, como Dalva de Oliveira, Angela Maria, Elizeth Cardoso, Dóris Monteiro... Enfim, as grandes cantoras começaram gravando samba-canção.
Tive muita sorte na vida, porque estava estudando Engenharia, já era músico profissional, tocava contrabaixo acústico e me apresentava na noite. Num certo momento, abandonei a Engenharia. Minha mãe me falou: “Se você pensa que vai brincar de fazer música, você está enganado. Vai ter que estudar”. E foi assim que estudei aqui no Brasil e depois nos Estados Unidos, na School of Jazz e na Juilliard School. No período entre 1957 e 1958, você poderia assistir ao Miles Davis e seu quinteto tocando para um público de 50 pessoas; podia ouvir Thelonious Monk acompanhado por um saxofonista que estava começando na época, John Coltrane. Assisti a todos eles por seis meses a fio – toda semana por dois dólares, uma mixaria, uma cerveja tomada no balcão, porque eu não tinha dinheiro para ficar na mesa.
Foi isso que me deu condições de fazer a curadoria de festivais. Agora estou trabalhando num documentário cujo nome é Zuza Homem de Jazz, sobre minha trajetória em relação ao jazz no Brasil e nos Estados Unidos.
Foto: Leila Fugii
O que você chama de qualidade, eu troco pela palavra perenidade. Para mim, o que conta é aquilo que vai vingar por mais tempo, para sempre. Quando o Jairo Severiano e eu fomos fazer nosso primeiro livro,
A Canção no Tempo (Editora 34), dedicado às principais músicas do ano de 1901 até 1985, a gente precisava enxergar aas canções na perspectiva das que sobreviveram dez anos depois de que haviam sido escritas, porque é o tempo que determina a perenidade de uma música. É o tempo que faz com que você possa cantar uma música do Noel Rosa agora e ver que essa música tem tudo a ver com os tempos de hoje. Ela [a música] está à altura daquilo que de melhor existe porque ela é perene. A música que vai permanecer daqui para a frente, daqui a dez anos, é o que me interessa.
Zuza Homem de Mello
esteve presente na reunião
do Conselho Editorial
da Revista E no dia 8
de fevereiro de 2018.
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