Postado em 29/03/2018
Foto: Roberto Assem
Construída numa das regiões mais altas da capital, a Avenida Paulista era o local de onde os astrônomos miravam estrelas e planetas no Observatório de São Paulo – num casarão na altura do número 69, erguido na década de 1900. Quem poderia dizer que, mais de um século depois, o extraordinário seria avistado não no céu, e sim na terra. Mais precisamente no ir e vir ao longo de 2.800 metros de asfalto por onde caminham, pedalam, cantam, dançam ou, casualmente, flanam mais de um milhão e meio de pessoas todos os dias, segundo dados da Associação Paulista Viva.
Quando foi inaugurada, em 8 de dezembro de 1891, essa via que se tornou um imenso corredor cultural não tinha uma única construção. Apenas terrenos uniformes, calçadas arborizadas e duas pistas por onde circulavam carruagens – como ficou registrado na aquarela do francês Jules Martin, obra que integra o acervo do Museu de Arte de São Paulo (Masp). Foi apenas em 1909 que a Paulista tornou-se a primeira via da América Latina a ser asfaltada, sob a batuta do engenheiro uruguaio Joaquim Eugênio de Lima.
A partir do concreto, a Paulista foi se redesenhando. E, nos anos 1940 e 1950, começou a se verticalizar até passar por um projeto de alargamento na década de 1970. Casarões perderam seus jardins frontais e arranha-céus tomaram conta do cenário. “Desde os barões do café, passando pelas várias fases da industrialização, até a hegemonia do capital financeiro, a Paulista acompanha e reflete diferentes momentos do crescimento econômico e das transformações sociais pelas quais passaram o Estado de São Paulo e sua capital”, analisa o professor do Departamento de Antropologia da Universidade de São Paulo (USP) José Guilherme Magnani, coordenador do Núcleo de Antropologia Urbana da mesma instituição.
A partir do final do século 20, a via transforma-se no “lugar das celebrações democráticas, uma vez que as manifestações saem do Centro para o vão do Masp”, aponta a professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie Nadia Somekh, que já foi diretora do Departamento do Patrimônio Histórico da Prefeitura de São Paulo. “Ao mesmo tempo, a Avenida vai se consolidando como centro cultural até que, em 2016, com o programa Ruas Abertas [aos domingos], passa-se a priorizar as pessoas no lugar dos automóveis e vemos manifestações culturais a cada 20 metros”, complementa Somekh, que guarda recordações do Cine Astor, extinta sala de cinema no Conjunto Nacional, quando era adolescente.
Transformações acarretadas, segundo Magnani, pelo contínuo deslocamento de pessoas indo ou saindo do trabalho, passeando, vendendo, comprando ou protestando. Ações que “certamente contribuíram para a implantação de tantos equipamentos culturais, públicos e privados, além de uma ocupação – por meio da música, de performances e de ações políticas”, complementa o professor, autor e organizador do livro Jovens na Metrópole: Etnografias dos Circuitos de Lazer, Encontro e Sociabilidade (Editora Terceiro Nome, 2007 – org. com Bruna Mantese).
Plural do começo (na Avenida Bernardino de Campos) ao fim (na Rua Minas Gerais), a Paulista concentra uma produção e fruição artística como em nenhuma outra via da cidade. Tanto que basta andar, aproximadamente, 250 passos para se deparar com um espaço cultural. De volta ao endereço que ocupou por quase três décadas [veja Linha do Tempo], o Sesc é outro protagonista que reafirma a vocação cultural e socioeducativa da avenida.
“Reocupar este espaço tem todo um peso simbólico do ponto de vista urbanístico, mas também tem a força de ser uma proposta diferenciada. Nessa unidade, enfatizamos atividades voltadas para arte, corpo e tecnologia, bem como informação, estímulo, envolvimento e difusão de todas as ações que realizamos no dia a dia do Sesc”
Danilo Santos de Miranda, diretor do Sesc São Paulo.
Somam-se a instituições, equipamentos culturais, museus, cinemas, teatros e outros espaços, os artistas de rua. Caso de Marcio Henrique Aguiar, o Elvis da Paulista, que atribui ao endereço o adjetivo “mãe” e arranca “respiro e sorrisos”, como diz, dos transeuntes. De vendedor de picolé na adolescência a Rei do Rock, há sete anos, Marcio empresta outra luz à movimentada avenida e para o trânsito quando se apresenta num centro comercial na esquina com a Rua Augusta. Vestido a caráter, Elvis compartilha o brilho com trios de jazz, mágicos, pintores, flautistas andinos, dançarinos e outras “estrelas” que habitam a parte mais alta da cidade.
Foto: Leila Fugii
De 1955 a 1969
Foi na altura do nº 967 que o Sesc se estabeleceu na Avenida Paulista, num casarão com o nome de Centro Social Horácio de Mello. Este imóvel fez parte do movimento de expansão do Sesc na capital, que seguiu abrindo unidades. Nessa época, a população de São Paulo era de apenas 3 milhões de habitantes.
De 1978 a 2005
O Sesc retornou à avenida, desta vez no nº119, onde funcionou até 2005 como Administração Central – tendo abrigado também a sede da Federação do Comércio do Estado de São Paulo. Posteriormente, o local se tornou a Unidade Provisória Sesc Avenida Paulista, cuja programação permaneceu até 2010, quando se iniciou uma reforma para a consolidação da unidade definitiva. Neste período, o espaço manteve a Galeria Sesc Paulista, que durante mais de três décadas abrigou inúmeras exposições. Dentre outras ações de destaque no período da unidade provisória estão:
Música
O projeto pioneiro de música Instrumental Sesc Brasil, que hoje é realizado no Sesc Consolação, começou nos anos 1990 na unidade da Avenida Paulista. Em 20 anos, foram realizados cerca de 700 shows, assistidos por mais de 160 mil pessoas. Nomes consagrados da música como Hermeto Pascoal, Guinga e Banda Mantiqueira se apresentaram na unidade.
Exposição
A mulher, seus medos, sua condição e papéis na sociedade do século 21 foram a tônica da exposição Mulher, Mulheres – Um Olhar sobre o Feminino na Arte Contemporânea, que ficou em cartaz na unidade de março a junho de 2007, após uma temporada em Florença, na Itália. A mostra, com curadoria de Adelina Von Fürstenberg e projeto da ART for The World, trazia instalações, fotografias, vídeos, slides e performances de 19 artistas, homens e mulheres, de 11 países.
Tecnologias e artes
Como parte do 16º Festival Internacional de Arte Eletrônica Sesc Videobrasil, o cineasta inglês Peter Greenaway apresentou uma videoinstalação na Avenida Paulista. Para isso, ele trouxe ao festival novos desdobramentos do projeto Tulse Luper Suitcases. A instalação reconstruía a trajetória de um escritor fictício que viveu entre prisões e desapareceu em 1989, deixando seu testemunho em 92 malas espalhadas pelo mundo.
Artes Cênicas
Em 2010, a fachada da unidade virou palco do espetáculo Kastelo, do Teatro da Vertigem. Adaptação da obra O Castelo, de Franz Kafka, nele as cenas se desenrolavam em estreitos balanços dispostos diante da fachada, onde os atores atuaram pendurados por cordas de segurança. O público, imóvel do lado de dentro do prédio, assistiu à encenação através da janela. A unidade provisória também se destacou como um espaço de fomento de outras linguagens do corpo, como a dança.
Turismo Social
Entre 2009 e 2010, a unidade provisória abrigou a exposição De Mala Pronta – O Viajante do Sesc Conta Sua História, realizada em torno do tema mundial de 2009 para o Turismo: “identidade regional e patrimônio”. A mostra teve, como base, uma pesquisa e estudo sobre os usuários do serviço de Turismo Social do Sesc e dos elementos tangíveis e intangíveis que envolvem suas viagens.
Além do mirante, a nova unidade conta com salas de espetáculos e oficinas culturais, espaço de exposição e para práticas físico-esportivas, comedoria e outros equipamentos.
No dia 29 de abril, a nova unidade do Sesc São Paulo renasce com vocação para atividades de arte, corpo e tecnologia. O novo prédio conta com salas de espetáculos e oficinas culturais, espaço de exposição e para práticas físico-esportivas, clínica odontológica, espaço de brincar, biblioteca, comedoria e outros equipamentos presentes nas unidades do Sesc, exceto ginásio e piscina. A expectativa é de que cerca de 18 mil pessoas, por semana, frequentem a unidade. No último andar, destaque para o mirante com uma vista panorâmica para a avenida e outros pontos da cidade. Além desta vista, outros andares do edifício possuem terraços de vidro de onde também é possível contemplar este visual.
Foto: Matheus José Maria
“Estamos na avenida mais importante da cidade, mais importante da América Latina. Ela é um símbolo de São Paulo que agora é um grande hub cultural, com diversas instituições ligadas ao mundo da cultura e a esse caráter social e simbólico da cidade. Trata-se, portanto, de uma unidade com características especiais num prédio transformado totalmente, com novos espaços voltados para todas as áreas que o Sesc realiza. Nesta unidade, reunimos tudo isso de forma exponencial. Estamos próximos de duas estações do metrô ou seja, com facilidade de acesso.
Do nosso mirante, ainda temos a possibilidade de enxergar a cidade do alto. Vai ser bem especial”
Danilo Santos de Miranda, diretor do Sesc São Paulo.
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