Postado em 05/03/2018
“O que mais me incomoda enquanto homem gay é a homofobia cada vez mais explícita. Um forte sinal disso é a materialização do preconceito em meios políticos”, diz Murilo Martins, pesquisador de antropologia urbana em questões homoafetivas do Coletivo Pisa – movimento que usa a cidade de São Paulo como instrumento de ação social e ensino.
Estudante do curso de Arquitetura e Urbanismo da FAU-USP e frequentador dos espaços gays, ele afirma que a capital paulista possui diversos lugares que construíram a identidade homossexual a partir dos anos 1960 no meio urbano, tais como o Largo do Arouche, Avenida Ipiranga, República e o Conjunto Metrópole. “Foi nesses locais que os homossexuais começaram a ocupar a cidade enquanto coletivo. A comunidade se reunia em bares, praças ou em banheiros públicos em busca de sexo”, conta.
Para resgatar essa memória, Murilo guiou a atividade de ‘Identidades e Espacialidade Gay’, do Sesc 24 de Maio em parceria com o Pisa, no último sábado (03). A iniciativa envolveu um passeio pelos espaços de representatividade LGBT da cidade que foram silenciados ou esquecidos com o passar do tempo. “A ideia foi explicar as narrativas apagadas e silenciadas desta população, e fazer com que ela se identifique com a sua história”, salienta.
O evento levanta e fortalece uma discussão urgente, diante dos altos índices de violência contra esses grupos nos dias de hoje. Segundo os últimos dados do Grupo Gay da Bahia (GGB), houve um aumento de 30% nos homicídios de LGBTs de 2016 para 2017 no Brasil, e o maior número de assassinatos (56%) ocorreu em vias públicas.
Luta contra a opressão
Em meio a essa realidade, o pesquisador destaca que há projetos práticos de combate. O centro cultural e de acolhimento LGBT Casa 1, por exemplo, foi inaugurado há pouco mais de um ano no centro de São Paulo e atende àqueles que foram expulsos ou violentados pela família. A instituição conta com voluntários para assistência psicológica, workshops, palestras para debates e capacitação profissional. Murilo aponta, também, que suportes assim são necessários na medida em que as agressões não se limitam à questão física. “Já passei pelo famoso bullying que ‘as crianças viadas’ sofrem na escola, já me olharam diferente na rua e recebi ataques verbais de desconhecidos”, recorda.
A pesquisadora do coletivo Pisa Amanda Vieira, que é lésbica e ajudou Murilo no percurso, relata que já foi convidada a se retirar de espaços e presenciou violências. “O mais marcante foi correr de um grupo de skinheads que atacou um lugar de sociabilização LGBT no início da descoberta da minha sexualidade”, rememora.
Iniciativa
Murilo explica que a reflexão sobre como a sociedade ocupa os espaços da cidade é crucial na formação de arquitetos e urbanistas e no empoderamento dos grupos marginalizados pelo preconceito.
O projeto ‘Percursos’, do Sesc 24 de Maio, se debruça sobre diferentes temas em cada edição. No entanto, a atividade ‘Sociabilidade e Identidade Gay’ não é a primeira voltada à memória da sexualidade no meio urbano que acontece na unidade em parceria com o Coletivo Pisa.
Antes dela, roteiros sobre a presença lésbica e transexual feminina na capital paulista aconteceram sob a orientação, respectivamente, de Amanda Vieira e Lua Lima, ambas da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP. “Fizemos com que os roteiros se complementassem. Mas cada um tem sua autonomia”, afirma Murilo.
Vieira acredita que o maior ganho para a comunidade lésbica é mostrar a história de locais em que mulheres existiram e resistiram para dar voz às suas iguais. “A comunidade lésbica sempre foi invisibilizada, inclusive no próprio meio LGBT quando comparada à história gay [masculina]”, conta. Essa característica, segundo ela, se mostrou no desenvolvimento do percurso que ela orientou, devido à falta de fontes e a dificuldade de obtê-las durante o trajeto.