Postado em 28/02/2018
Foto: Divulgação
Não havia tarefa escolar que impedisse crianças e adolescentes de disputar pelo joystick para imergir na tela do Pac-Man ou do Space Invaders – games da Atari, empresa que dominou o mercado de jogos eletrônicos até a primeira metade da década de 1980. Na época, ninguém poderia imaginar os desdobramentos dessa invenção, que, vinculada apenas a um fim recreativo, seria reconhecida mais tarde como plataforma para educação e expressão artística.
O fato é que todas as especulações de que videogame seria somente um passatempo com data de expiração caíram por terra. Dessa forma, o videogame – assim como o rádio, o cinema e a TV – tornou-se “a etapa mais avançada da tendência econômica e política marcante da sociedade da informação”, descreve o pesquisador Gilson Schwartz no livro Brinco, Logo Aprendo: Educação, Videogames e Moralidades Pós-Modernas (Paulus, 2014). Mas, de que maneira um jogo poderia se aliar a professores e alunos?
Para Schwartz, professor da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP), onde criou o grupo de pesquisa Cidade do Conhecimento, há três possíveis caminhos adotados pelos games quando se fala em educação. O primeiro seria apenas usá-los em sala de aula, do ponto de vista instrumental. O segundo seria adotar a produção de games como prática pedagógica. E, por último, incluir a gamificação [uso de mecânicas e dinâmicas de jogos para engajar pessoas, resolver problemas e melhorar o aprendizado] como conteúdo interdisciplinar.
“Infelizmente, talvez por comodidade, a maioria das escolas, professores e, claro, alunos, prefere simplesmente usar games. Sejam eles já criados para uso pedagógico ou ‘hackeando’ a indústria global de games para empregá-los em cursos de história, matemática, geografia, biologia, entre outros”, constata o professor. “Já as escolas e comunidades que chegam ao ponto de criar suas próprias interfaces gamificadas, por exemplo, adotando uma disciplina regular ou extracurricular voltada para o game design, estão vários graus acima em termos de fazer um uso competente, imaginativo e empreendedor da tecnologia dos games”, completa.
O design e a estrutura dos games vêm servindo e atuando como inspiração para o desenvolvimento de estruturas educacionais diferenciadas, como observa o animador cultural do Sesc Jundiaí Gustavo Nogueira de Paula, que trabalha com atividades nessa área. “O próprio conceito de gamificação, que propõe minimetas, simulações de problemas reais em ambientes controlados, reprodução de diferentes variáveis nas mesmas situações, entre outros pontos, tem auxiliado a repensar o formato das aulas”, acrescenta Gustavo. “E, muitas vezes, tornado o aprendizado mais significativo por parte dos alunos, visto que eles precisam se engajar para encontrar soluções e alcançar os objetivos propostos num ambiente em que o erro se torna parte do aprender e não uma punição por falta de conhecimento.”
Essas narrativas voltadas para a educação caracterizam os jogos de impacto, explica a diretora-executiva da Associação Brasileira dos Desenvolvedores de Jogos Digitais (Abragames), Eliana Russi. A entidade foi criada em 2004 com o objetivo de fortalecer a indústria nacional de desenvolvimento de jogos. “Temos produtoras incríveis criando jogos tanto para a base curricular como para outros conteúdos, inclusive em realidade virtual e aumentada”, destaca Eliana.
Foto: Wagner Linares
Se a importância dos jogos como ferramentas na educação foi comprovada, uma questão ainda instiga debates acalorados. Seriam os videogames uma expressão artística? Para o pesquisador e escritor João Varella, que neste ano lança o livro Videogame, a Evolução da Arte (Lote 42), “como todo novo campo artístico, o videogame é calcado em outros campos artísticos anteriores”, explica.
“Por exemplo, os quadrinhos puxaram um pouco da ilustração, da literatura e, posteriormente, do cinema. Cinema que, aliás, vem da fotografia, que por sua vez vem das artes visuais em termos estéticos”, analisa. “Todos esses gêneros de arte também sofreram até serem reconhecidos como um campo de expressão tão digno quanto qualquer outro.” Ainda segundo Varella, partindo desse ponto de vista, o videogame é uma soma de ilustração, animação, atuação, arquitetura, arte digital, música, narrativa, dança, performance, entre outras linguagens.
É por isso que, no Museu de Arte Moderna de Nova York (MoMA), há um acervo voltado para os jogos digitais. São games de diferentes décadas, que fazem parte da coleção de Arquitetura e Design. Nessa lista estão: Pac-Man, The Sims, Super Mario Bros, Donkey Kong, The Legend of Zelda, Minecraft, entre outros. E, segundo a página oficial do museu, essa coleção tende a crescer.
No Brasil, o artista Bill Viola, cujo trabalho será apresentado na exposição individual de abertura do Sesc Avenida Paulista, vem desenvolvendo já há alguns anos, em parceria com a Game Innovation Lab at USC – University of Southern California, um jogo chamado The Night Journey. O trabalho já foi apresentado em diversos museus e instituições mundo afora, como demonstração.
“O diferencial que o videogame traz à experiência humana é a interatividade como pré-requisito. Enquanto nas artes visuais isso acontece vez ou outra, sem essa característica, o videogame vira outra coisa. E isso meio que bagunça a noção cartesiana de arte, que vê a comunicação como uma via de mão única, do artista para o espectador. No jogo, quem faz a narrativa, em maior ou menor medida dependendo do título, é o jogador”, arremata Varella.
Eliana Russi, Diretora executiva da Abragames
Brincar para conhecer
Narrativas sobre ciência, política e outros saberes
enriquecem o universo temático dos jogos digitais
Foto: Divulgação
Que tal embarcar numa volta ao mundo sem sair de casa? E se, nessa aventura, você puder ancorar em 150 cidades do globo, passear por diversas culturas e vivenciar episódios históricos sem precisar de passaporte? Pelo menos esse é o convite feito pelo jogo 80 Days (Inkle Studio), ganhador de melhor narrativa pelo Independent Games Festival de 2015. Assim como ele, outros jogos são capazes de ampliar a percepção de mundo e de sociedade por narrativas que abrangem diferentes áreas do conhecimento.
Jogos como esse fazem parte da curadoria da organização não governamental Games for Change (em português, Jogos por Mudança), fundada em 2004, na cidade de Nova York (EUA). Além de realizar diversas ações que aproximam os videogames da cultura, da política e dos movimentos sociais, a ONG estabeleceu uma parceria com o Brasil em 2011, articulada pelo professor Gilson Schwartz, que desenvolveu o jogo Conflitos Globais com o Grupo de Pesquisa Cidade do Conhecimento da USP. O game é, na verdade, uma série dedicada a discutir jornalismo, violência e política contemporânea, examinando questões como a criminalidade na fronteira entre México e Estados Unidos.
“Nosso papel na Games for Change é estimular a ampliação da recepção crítica ao universo dos games, apoiar iniciativas no campo da formação de professores, profissionais e artistas interessados na criação de games de impacto transformador e participar do debate em torno da geopolítica, das políticas públicas e das questões de ordem ética e estética associadas à sociedade do espetáculo ou ‘gamificada’”, explica Schwartz.
Confira outros exemplos de jogos cujas narrativas refletem sobre áreas de conhecimento e temas contemporâneos.
HISTÓRIA Against All Odds desenvolvido pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, 2007
Esse jogo aborda os motivos que levam ao crescente número de refugiados ao redor do mundo. Desde o momento em que homens, mulheres e crianças são forçados a sair de seu país de origem até os primeiros anos de uma nova vida fora de casa. Os jogadores enfrentarão uma série de desafios que ilustram a complexidade e o perigo vivenciados por refugiados.
BIOLOGIA Code Fred - Survival Mode desenvolvido por Unit 9, 2013
Fred está passando por uma noite muito difícil, perdido na natureza, perseguido por lobos, sem saber como se salvar. A única coisa que poderá tirá-lo da ameaça de morte é um complexo sistema desenhado para mantê-lo vivo. O jogador vai navegar por diferentes aspectos fisiológicos de Fred – hemoglobinas, proteínas, músculos, órgãos – para que ele possa sobreviver.
MEIO AMBIENTE Ciclania desenvolvido por IguanaBee, 2014
Esta é uma plataforma educacional que ensina os jogadores sobre aquecimento global, ciclo da água, emissão de carbono e outros assuntos relacionados à preservação do meio ambiente. O objetivo é restabelecer o equilíbrio do planeta Ciclania, onde você terá três protagonistas com habilidades específicas: Mike, com aptidões físicas e manuais; Ian, com expertise em tecnologia; e Flo, uma garota que sabe se comunicar com os animais.
CIÊNCIA Everything desenvolvido por David O’Reilly, 2017
Qual o seu lugar no mundo? Este jogo encoraja você a pensar sobre essa questão e explorar diferentes respostas sob o ponto de vista de animais, planetas, montanhas e outros elementos da natureza. Trata-se de uma experiência interativa em que tudo que você vê é algo que você pode ser.
Fonte: Games for Change – www.gamesforchange.org
Oficinas, debates e vivências relacionadas ao universo dos jogos estão na programação deste mês. Destaque para a segunda edição do FestA! – Festival de Aprender, de 2 a 4 de março. Nesse período, mais de 500 atividades gratuitas acontecem em 39 unidades do Sesc São Paulo. Confira a programação no Em Cartaz.
Foto: Lauren Dussimon
Jogatório: Laboratório de Desenvolvimento de Jogos Digitais
Sesc 24 de Maio
Nesta maratona de desenvolvimento de jogos digitais, mediada por quatro profissionais de diferentes áreas do desenvolvimento de games do Rev Studio, os participantes vão se reunir em grupos de no máximo quatro. Eles terão como desafio desenvolver um jogo do zero, de 13 a 16 de março. A atividade é voltada tanto para o público que já desenvolve jogos (profissionalmente ou de brincadeira) quanto para o público leigo que tem interesse na criação de games.
JogoeArteTudojunto: A Potência Estética do Jogo
Sesc Belenzinho
Ministrado pelo educador e artista Alberto Duvivier, o curso propõe estreitar as relações entre Jogo e Arte por meio de exercícios de criação lúdica, vivência de jogos estéticos e bate-papo. Durante quatro dias, de 27/2 a 2/3, os participantes são desafiados a se tornarem artistas do jogo.
Domingames
Sesc Bom Retiro
Esta atividade, realizada entre 4 e 25 de março, envolve participantes em diversos jogos e plataformas eletrônicas. Além de games na rede para computadores, os participantes também poderão experimentar outros que usam sensores de movimento como tecnologia de interação, proporcionando várias jogabilidades para os jogos eletrônicos.
NerdCon
Sesc Interlagos
No bate-papo Fair Play – Combatendo Ambientes Tóxicos nos Games, em 18 de março, será discutida a desconstrução dos papeis de jogadores de videogames, para que o ambiente virtual seja cada vez mais democrático. Já no debate O Que Aprendi Jogando – Experiências Que Não Teria Tido sem os Games, também no dia 18, entram em pauta os diversos aprendizados provenientes da experiência com os jogos.
Mini-Games em Scratch
Sesc Jundiaí
A partir do software Scratch, criado pelo Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) para ensinar linguagem de programação básica a crianças, nesta oficina ministrada pelo professor Alexandre Ikuhara, os participantes aprenderão a desenvolver um minigame diferente a cada encontro – dias 24 e 31 de março, além de 7 e 14 de abril.
Game Jam
Sesc Presidente Prudente
Neste encontro, no dia 2 de março, desenvolvedores para o planejamento e concepção de jogos vão debater a importância desse tipo de ação para o fortalecimento da cena independente dos games. Também haverá uma conversa sobre os desafios da profissão e uma oficina de concepção de jogos, com base nos métodos do Game Jam, com o desenvolvedor de jogos Danilo Filito.
Gamevolução e Arcade Arduíno
Sesc Araraquara
Nos dias 3 e 4 de março, o coletivo Unsquepensa Arte mediará a vivência Gamevolução, uma viagem pela história dos games em que será possível aprender o desenvolvimento narrativo e estético dos games, além de jogar e se divertir. Já no dia 3 de março, haverá a oficina Arcade Arduino – Jogo da Cobrinha, ministrada por Diogo Cunha, na qual os participantes vão construir um game de mão, partindo da montagem do hardware até a criação do código de programação.