Postado em 29/12/2017
Um passo à frente na história das artes cênicas, o grupo norte-americano Living Theatre ficou conhecido pela ousadia e por representar o teatro da contracultura
Parar de recriar. Criar. Parar de imitar a vida. Viver. Frases como essas orientaram Judith Malina (1926-2015) e Julian Beck (1925-1985) na condução do Living Theatre. Fundada em 1947, nos Estados Unidos, a companhia de teatro uniu-se a outros grupos e suscitou novos caminhos para as artes dramáticas, participando do circuito off-Broadway – que nadava contra a corrente da grande produção teatral vigente na época no país.
Para Andrea Caruso Saturnino, uma das curadoras da exposição LIVING THEATRE, Presente! (veja boxe Para ler e ver), o grupo foi precursor do teatro performático. “Judith Malina levou a cabo o ideal do diretor Erwin Piscator de ter o espectador como objetivo do ato teatral e foi além – as experiências se abriram de forma radical à participação do público em cena, quebrando a separação entre palco e plateia”, explica. A revolução não se limitava à arte, o casal Judith e Julian eram ativistas e acoplavam o caráter experimental do jazz às suas montagens. Como resultado, o mais visceral da performance era visto nos palcos.
O grupo dizia não a práticas fixas, ao já estabelecido: preferiam viver em comunidade em vez de núcleos familiares tradicionais e eram nômades teatrais, percorrendo festivais e apresentando-se em diferentes países, “recusando convites para se estabelecer e se institucionalizar, pois comportaria a aceitação de aparatos de controle e pertencimento de uma ou outra nação”, explica Alessandra Vannucci, professora da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (ECO-UFRJ) e pesquisadora da exposição sobre o Living Theatre.
Mesmo à revelia das tradições em todo seu processo e constituição, o Living Theatre não escapou de ser considerado influente. Nos anos 1970, a companhia esteve no Brasil a convite de Zé Celso Martinez Corrêa. Excursionaram pelo estado de São Paulo com a montagem O Legado de Caim. Na passagem por Belo Horizonte, caíram na rede do então presidente Emílio Garrastazu Médici, e foram presos por dois meses sob a acusação de comportamento subversivo. A viagem proporcionou “a descoberta de novos caminhos na arte, nas ideias e nos comportamentos cotidianos, por meio de experiências em realidades de extrema opressão (as favelas de São Paulo e depois as comunidades mais exploradas de Ouro Preto). Aqui os caminhos se traduziram na experimentação de táticas de resistência que questionariam frontalmente o Estado”, completa Alessandra.
O ator e diretor Sérgio Mamberti conviveu com o grupo e chegou a hospedar os artistas. “Minha casa passou a ser um centro da contracultura em São Paulo. A minha internet era o movimento hippie, pois meu endereço estava espalhado pelas agendas da contracultura no mundo”, conta. Na opinião de Andrea, “todos os grupos de teatro de pesquisa que estavam em atividade nos anos 1970, a partir de então, foram, de alguma forma, influenciados pelo Living”.
Livro e exposição recontam trajetória do Living Theatre
Com os sentidos devidamente aguçados pelo Living Theatre, há mais uma oportunidade de mergulhar na experimentação trazida pela companhia. Além da exposição LIVING THEATRE, Presente!, que encerra sua temporada no Sesc Consolação em 27 de janeiro, há o lançamento de Notas sobre Piscator: Teatro Político e Arte Inclusiva (Edições Sesc, 2017), de Judith Malina, uma das fundadoras do grupo.
A obra traz as impressões de Malina sobre as aulas e a influência do dramaturgo alemão Erwin Piscator, relacionando-o com o Living Theatre. O evento de lançamento será no dia 23 de janeiro, com a presença do tradutor do livro, Ilion Troya. Essa foi uma das atividades que complementaram a exposição, composta de leituras, workshops e oficinas, que tomam o Sesc Consolação até este mês.