Postado em 13/12/2017
Encerrando o Especial Negrura, que desde 1º de novembro evidenciou a presença do negro nas mais diversas expressões, o Sesc Rio Preto realizou, entre 1 e 3 de dezembro, duas atividades com foco na moda afro-brasileira. Ambas foram desenvolvidas pela designer de moda autoral Carol Barreto e pela designer de moda e especialista em moullage Cllaudia Soares. As profissionais atuam em Salvador (BA) e já produziram várias coleções em parceria.
O bate-papo “Moda Afro-brasileira, Racismo e Criação” abordou os aspectos da moda afro-brasileira. Nele, as estilistas também relataram os processos criativos das coleções que construíram em parceria e a metodologia por elas desenvolvida. A atividade embasou a construção da oficina “Afrolab: Laboratório Criativo de Moda Afro-brasileira”, que envolveu a criação e confecção de looks completos, realizada nos dias subsequentes.
Divididos em grupos, no Afrolab, os participantes criaram três looks dentro do tema “Maria Felipa e a Capoeira”, escolhido a partir das pesquisas sobre referências da cultura afro-brasileira feitas como parte da atividade. Maria Felipa de Oliveira foi uma lendária guerreira, com importante papel na luta pela Independência do Brasil na Bahia do século 19.
Os looks receberam os nomes de Iuna, Ginga e Idalina. Para quem quiser conferir de perto, as peças estão expostas em manequins, junto com seus croquis, no Espaço de Tecnologias e Artes do Sesc Rio Preto, onde ficam até o final de dezembro.
Carol Barreto é designer de moda, pesquisadora e moda ativista, professora de Estudos de Gênero e Diversidade na UFBA - Universidade Federal da Bahia. Ela foi a primeira estilista brasileira a desfilar uma coleção na Black Fashion Week Paris, em 2015, e já levou suas criações para diversos eventos internacionais. Cllaudia Soares é designer de moda, professora, consultora e pesquisadora, mestre em artes visuais pela UFBA. Ela é parceira de Carol em várias coleções, inclusive a mais recente, chamada Asè.
As coleções de Carol Barreto têm sido criadas com base nos fazeres artesanais do Nordeste do Brasil, transformando a passarela e a fotografia de moda num espaço de expressão de discurso identitário e de ativismo político.
“Tenho pensado uma relação entre moda e ativismo político desde os temas que pesquiso para uma coleção, mas especialmente a partir dos processos que a compõem. Os laboratórios criativos são construídos numa perspectiva horizontal, desconstruindo a hierarquia da estilista como grande criadora, como grande detentora do capital intelectual. Na última coleção, que é a coleção Asè, experimentei abrir meu processo criativo desde o croqui. Então, eu também me coloco em risco como autoria e como criadora da coleção, e o resultado disso é uma potencialização daquilo que sozinha eu jamais poderia fazer”, afirma a estilista sobre seu processo criativo.
Segundo Carol, o ativismo também está presente nos materiais que ela utiliza. “A coleção Asè foi toda produzida com materiais vistos como inferiores, porque são usados para decorar casas do Nordeste do Brasil, geralmente casas de pessoas negras e pobres, conexão que desvaloriza os materiais que estão conectados a esse contexto”, observa.
“A gente pode ver, sim, que um vestido feito de renda é alta costura, mas, se isso é uma toalha de mesa, uma cortina, a gente já subvaloriza. Então, foi exatamente a partir desses materiais: toalhas de mesa, porta-copos, pano de cobrir pão, a colcha de cama que foi do enxoval de casamento dos meus avós - que hoje têm 90 anos e ainda vivem juntos em Santo Amaro -, a partir desses materiais e vários outros elementos que foram doações e representam muito a memória afetiva das pessoas que compuseram a equipe, que a coleção Asè foi criada. Essa provocação sobre pensar moda como ativismo político está em cada detalhe, especialmente na valorização dos saberes e fazeres artesanais tradicionais do Nordeste do Brasil”, diz Carol.