Postado em 30/08/2017
Em constante transformação, região que abarca o marco inicial da cidade de São Paulo é polo de cultura e expressão
Não é de hoje que o centro de São Paulo concentra espaços culturais e atividades artísticas para públicos diversos. A relação remonta à Proclamação da República, em 1889, período no qual a entrada de imigrantes europeus cresceu em larga escala, com a chegada de profissionais liberais e trabalhadores especializados.
Anos mais tarde, no governo Washington Luís (1926-1930), houve uma cisão urbanística na área. De um lado, o centro antigo (atual distrito da Sé), com influência arquitetônica europeia; de outro, o centro novo, identificado com a modernidade e os arranha-céus (atual República).
No entanto, a região nunca deixou de pulsar culturalmente. “Na metade do século 20, o centro está configurado como um espaço que congrega uma série de atividades culturais e artísticas, concentrando um conjunto de espaços dedicados a essas atividades”, diz a professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP) Joana Mello, consultora da exposição São Paulo Não É uma Cidade – Invenções do Centro (veja abaixo em Urbanidade em questão).
“A própria USP, fundada em 1934, junto às já existentes Faculdade de Direito (no Largo São Francisco) e Escola Politécnica (na Avenida Tiradentes), atraiu alunos e professores, fazendo do centro novo o epicentro dessa sociabilidade intelectual, onde se concentraram as principais livrarias, as novas galerias”, acrescenta a professora. “Tudo isso dá ao centro a característica de um espaço de atração de agentes culturais.”
Como marcos dessa efervescência também é possível citar os cinemas, que ocuparam as avenidas São João e Ipiranga, o Museu de Arte de São Paulo (Masp) e o Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM), ambos instalados na sede dos Diários Associados, na Rua Sete de Abril.
Pauliceia
Ícone do Modernismo brasileiro, Oswald de Andrade graduou-se na Faculdade de Direito do Largo São Francisco e acompanhou a ebulição que ali despontava. E, além de embates culturais, filosóficos e políticos, o centro também foi espaço de paixões. Para uns e outros, nos anos 1917-1918, Oswald alugou uma garçonnière (apartamento em geral usado para encontros amorosos), na Rua Líbero Badaró, frequentada pelos escritores Guilherme de Almeida, Menotti del Picchia e Monteiro Lobato. Outra presença constante era a da normalista Maria de Lourdes, de 18 anos, amante de Oswald, apelidada de Miss Cyclone – como registra o álbum de visitas mantido pelo grupo: O Perfeito Cozinheiro das Almas deste Mundo.
Segundo o historiador e jornalista José Roberto Walker, autor do romance Neve na Manhã de São Paulo (Companhia das Letras, 2017), o crescimento da cidade e a explosão demográfica dificultaram a preservação daquelas experiências. Para dar uma ideia do cenário, no ano de nascimento de Oswald (1890) a cidade somava 67 mil habitantes. “Quando [Oswald] completou 28 anos de idade e os eventos narrados no livro ocorreram, São Paulo tinha bem mais de 500 mil”, detalha. Walker lembra ainda que o prédio onde a garçonnière estava localizada chegou a ser considerado demolido no processo de intensa urbanização. “No entanto, para a nossa surpresa, durante as pesquisas realizadas para a elaboração do romance, acabamos por descobrir que o prédio não só ainda existe, como está quase intacto”, afirma.
Outro polo artístico no centro foi o Palacete Santa Helena, construído nos anos 1920, que abrigou diversos ateliês. Em 1934, surgiu o grupo Santa Helena, fruto da união de alguns artistas instalados no local, como Francisco Rebolo, Mário Zanini, Manoel Martins, Fulvio Pennacchi, Bonadei, Clóvis Graciano e Alfredo Volpi. O prédio foi demolido em 1971 para dar lugar à estação Sé do metrô.
Urbanidade em questão
Exposição reúne obras, objetos e documentos que retratam o centro de São Paulo sob diferentes olhares e chama a atenção para a dinâmica social contemporânea
Para marcar a inauguração do Sesc 24 de Maio, a exposição São Paulo Não É uma Cidade - Invenções do Centro está aberta à visitação até 28 janeiro de 2018. O centro da cidade e suas ramificações são o foco da atenção, em contexto que se multiplica nas manifestações artísticas, arquitetura, comércio e no cotidiano das pessoas que por lá se movimentam.
São 400 obras, objetos e documentos de mais de 150 artistas que retrataram o centro de São Paulo sob diferentes olhares e formas, repensando o conceito das palavras centro e cidade. A curadoria é de Paulo Herkenhoff, com cocuradoria de Leno Veras. “A mostra também põe foco no questionamento sobre a cidadania como uma condição ameaçada pela dinâmica social da urbanidade contemporânea, distanciada de uma ética do comum e impregnada pela desigualdade”, diz Herkenhoff.
Quem visitar a exposição perceberá que a organização foi feita como um almanaque recheado de dados, curiosidades e leituras críticas sobre o centro. Leno Veras explica que ao explorar essa dinâmica o objetivo da curadoria não é favorecer um olhar panorâmico, mas um recorte. “O formato almanaque nos possibilita engendrar uma costura sobre temas, uma tessitura de fluxos de culturas, épocas, geografias, uma constelação de indícios dessas ocupações que formam o território”, acrescenta. “Acredito que essa experiência vai ser muito rica não só para dar lugar à pesquisa na sua amplitude, mas para concatenar e articular possibilidades de leitura. É a maneira mais democrática de pensar o centro como polo cultural que atravessa a história da cidade contemplando uma gama maior de pessoas e maneiras de pensar essa identidade.”
Consulte os detalhes da programação da nova unidade no sescsp.org.br/24demaio