Postado em 28/07/2017
por Luís Mauro Sá Martino
Ao disponibilizar informações 24 horas por dia, as novas mídias, aparelhos e ferramentas digitais estão melhorando ou atravancando nossa comunicação? Por sua vez, isso interfere nas relações humanas? Quem reflete sobre esse cenário é o doutor em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) Luís Mauro Sá Martino, também professor e pesquisador de Comunicação na Faculdade Cásper Líbero. Autor de Comunicação: Troca Cultural (Paulus, 2005) e Comunicação e Identidade (Paulus, 2010), Martino acredita que não é necessariamente a quantidade de informações que nos torna melhores ou piores, mas o modo como conectamos essas informações com a nossa vida. A seguir, trechos do depoimento em que reflete sobre intolerância, a era da pós-verdade e desafios.
Luís Mauro Sá Martino esteve presente na reunião do Conselho Editorial da Revista E no dia 9 de junho de 2017.
Mídia digital como ambiente
A tecnologia veio para ficar. Não só pelas facilidades que ela nos provê, mas por outra questão: quanto mais novas as gerações, mais familiarizadas com a tecnologia elas estão. Ou seja, a mídia digital é um ambiente: palavra que vem do sânscrito e significa aquilo que está ao redor. Então, antes a gente podia falar de conexão e desconexão. Também podia falar de mundo virtual como algo à parte. Mas, agora, a rede está no seu bolso e forma um ambiente. O que significa que não nos livramos de um excesso de mensagens que chegam até nós todos os dias. E, com isso, perdemos algo fundamental para a condição humana: introspecção e silêncio.
Adictos em informação
Em alguns casos, chegamos à patologia do vício em informação. A gente diz: “Aquela pessoa está viciada em redes sociais”. Mas não é bem isso. Ela é viciada em informação. Porque a rede social é um meio técnico e amanhã ela muda, mas a velocidade da informação não voltará atrás. [A pesquisadora] Sherry Turkle define isso como a cultura do always on (sempre ligado). Isso significa que somos atingíveis o tempo todo. Vamos ter que nos adaptar e dar limites. Devemos lembrar que não é necessariamente a quantidade de informações que nos torna melhores ou piores, mas o modo como conectamos essas informações com nossa vida.
Conectados e separados
Lidar com o ambiente das mídias digitais é o desafio que está fechando jornais no mundo e que também está deixando youtubers milionários. Vivemos hoje um grande paradoxo: temos muita mídia e pouca comunicação; muita informação e pouca comunicação; muitos aparelhos e poucas relações humanas. Por isso, a ideia é lembrar que a comunicação é feita, em primeiro lugar, entre humanos. Mas, muitas vezes, estamos tão conectados que não nos comunicamos. Temos que pensar a sociedade e dentro desse ambiente, uma vez que só percebemos o quanto estamos conectados quando a gente esquece o celular em casa, por exemplo.
Intolerância em rede
As redes sociais são veículos de conexão, mas também acabam servindo como veículos de intolerância devido à grande dificuldade de nos comunicarmos com o outro. Da mesma forma como encontramos o que há de melhor na humanidade, encontramos o que há de pior. As redes sociais nos colocam diante da diferença e a comunicação tem por desafio dialogar com o diferente. Observamos em várias pesquisas que o excesso de informação acaba nos deixando surdos para o outro.
Cenário pós-verdade
O excesso de informações mudou nossa relação com a verdade. Antes, acontecia o fato e minha representação escrita, fotográfica ou por vídeo teria alguma coisa a ver com aquela verdade. O ambiente digital mudou nossa relação com a verdade fazendo com que muitas vezes não tenhamos nenhuma âncora na realidade para saber qual será nosso critério de edição. Isso ganhou o nome, no final de 2016, de pós-verdade. Ou seja, agora trabalhamos com representações dos fatos sem necessariamente ter algo sólido e real para verificar. Hoje, se você inventar uma notícia e conseguir divulgá-la, isso é mais importante do que comprová-la.
Conexão e alteridade
O ato de transformar informação em conhecimento é justamente a parte mais bonita da comunicação. Porque é nessa hora que eu encontro o outro. Isso pode acontecer nas redes. Lembrando que a comunicação é uma tentativa. Ou seja, ela pode funcionar ou falhar. Descarto um otimismo ingênuo que acredita na comunicação com quem quiser, embora a gente saiba que nem em relações íntimas conseguimos sempre nos comunicar. E esse é o barato: a comunicação tem um grau de imprevisibilidade que nenhuma fórmula é capaz de explicar. Ela é fundamentalmente diálogo. E o conhecimento só acontece no diálogo.
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