Postado em 28/07/2017
O ato de compartilhar uma refeição ajuda a tecer a rede de relações pessoais e promove a troca entre diferentes culturas
Comer não é um ato solitário. Pelo contrário. A prática de compartilhar um café da manhã, almoço ou jantar é tão antiga quanto o ser humano. Uma ação feita até mesmo por outras espécies animais, de acordo com o historiador Henrique Carneiro, autor de Comida e Sociedade – Uma História da Alimentação (Ed. Campus).
“A diferença entre a comensalidade [conviver à mesa] humana e a dos animais é que atribuímos sentidos aos atos da partilha e eles se alteram com o tempo. A comensalidade ajuda a organizar as regras da identidade e da hierarquia social [...], assim como ela serve para tecer redes de relações”, descreve.
Tendo em vista esse aspecto agregador, o simples ato de sentar à mesa e experimentar novos pratos pode ser uma experiência transformadora. Capaz, inclusive, de encurtar distâncias para aqueles que tiveram de sair de seu país de origem por serem perseguidos, seja por motivos de raça, religião, opinião política, orientação sexual, nacionalidade, seja por associação a determinado grupo social.
Segundo dados do Comitê Nacional para Refugiados (Conare), o Brasil tem, atualmente, mais de nove mil e 500 refugiados de 82 nacionalidades. A principal nacionalidade é síria, seguida pela congolesa, paquistanesa, palestina e angolana.
Para matar a saudade
Para a refugiada congolesa Sylvie Mutiene Ngkang, os quilômetros que a separam do país natal não trazem apenas saudades de amigos e parentes que ficaram por lá. Trazem, também, nostalgia de cheiros e sabores das refeições feitas em casa pela mãe. Por isso, quando Sylvie tem a oportunidade de apresentar a novos amigos de São Paulo alguns pratos típicos do Congo, ela logo se sente menos melancólica e mais integrada ao Brasil.
Na República Democrática do Congo, há pratos como o saka madesu, que leva feijão e folhas de mandioca que, por aqui, são utilizadas como alimento em pouquíssimas regiões. No Congo, essa folha é o ingrediente de muitos pratos. “Essa questão da comida, de compartilhar uma refeição, é uma maneira de acolher os refugiados. Uma maneira de integração com a cultura brasileira. Uma troca que, para mim, é muito importante”, destaca Sylvie.
Sabores de lá para cá
A programação de Sabores em Refúgio utiliza a gastronomia como ferramenta de integração com refugiados de oito países
“O que me sobra, na minha atual condição, para guardar do lugar de onde venho?” Partindo dessa questão, a atividade Sabores em Refúgio trabalha a memória afetiva de refugiados de oito países – Haiti, Guiné Bissau, Colômbia, República Democrática do Congo, Paquistão, Iraque, Síria e Angola – tendo como fio condutor a alimentação. Parceiros nesse projeto, alunos do Curso Técnico de Gastronomia do Senac Osasco vão desenvolver ações com a equipe de programação do Sesc Osasco, entre os dias 5 e 27 de agosto.
Para Denise Collus, que atua na Gerência de Estudos e Programas Sociais, no Programa Sociocultural com Refugiados do Sesc, a gastronomia nada mais é do que uma forma de se comunicar com o outro. “É a possibilidade de ir além das receitas e poder contar um pouco da sua história a partir dos pratos. E esse processo de preparo da comida traz à tona memória e oralidade, que são compartilhadas. Dessa forma, o refugiado se sente acolhido”, pondera.
Na programação, o público poderá conferir espetáculos de música e dança, além de degustações e uma oficina de culinária para as crianças que participam do Programa Curumim. As atividades têm início no dia 5 de agosto, às 16h, com a apresentação do espetáculo Yebo, do grupo Gumboot Dance Brasil no Sesc Osasco. Na sequência, entre os dias 15 e 25 de agosto, de terça a sexta-feira, cada país será representado com pratos preparados pelos alunos na praça de eventos do Senac Osasco. No dia 20, às 18h, dando continuidade à programação no Sesc Osasco, é a vez da cantora Fanta Konatê e da Troupe Djembedon convidar o público para conhecer a cultura da Guiné. Nos dias 26 e 27, às 18h, apresentam-se, respectivamente, a dupla de músicos Dois Africanos e o Grupo Mawaca.
Ainda nos dias 26 e 27, haverá um grande encontro entre alunos e refugiados no Sesc Osasco. Na ocasião, o público terá a oportunidade de degustar porções de cada um dos pratos típicos dos oito países que fazem parte da programação. Professor de gastronomia do Senac, Lúcio Roberto da Silva acredita que esse projeto seja um convite para “quebrar barreiras ao compartilhar uma refeição”.
Também está prevista para o dia 26, às 16h, uma partida de futebol entre países africanos e árabes, organizada pela ONG África do Coração. “Tentamos criar oportunidades de troca de experiência, de contato com novas culturas, instigando a curiosidade, a solidariedade e o respeito”, acrescenta Ana Paula Malteze, gerente do Sesc Osasco.