Postado em 28/07/2017
Manifestações de cunho político e de gênero são matéria-prima para criadores ampliarem o diálogo entre arte e sociedade
No prefácio do livro Art and Power: Europe Under the Dictators (1995), o historiador britânico Eric Hobsbawm é enfático ao afirmar que a arte é usada para reforçar o poder político e de Estados desde o Egito antigo. Segundo o pensador, a equação entre arte e poder se faz na alternância de poucos momentos serenos entre muitos de ebulição.
Exemplos recentes de momentos efervescestes não faltam. As manifestações de junho de 2013 no Brasil fermentaram discussões e alimentaram artistas e suas criações. As inquietações tornaram-se tema de mostras de pequenas galerias e espaços independentes e não saiu das ruas, onde o conceito de Artivismo ganhou força. O termo diz respeito a ações políticas e sociais realizadas por pessoas ou coletivos por meio de estratégias artísticas com objetivo de sensibilizar a sociedade e problematizar suas reivindicações. Plural em linguagens e meios, toma forma em performances, vídeos, intervenções urbanas, charges.
Veracidade e incerteza
Desdobramentos dessa vertente também foram vistos no consolidado espaço da mais recente edição da Bienal de Artes de São Paulo, ocorrida em 2016 sob o título Incerteza Viva, composta de trabalhos inspirados em questões urgentes: meio ambiente, migrações, crise política e social.
A manifestação da incerteza questiona a própria arte, exemplificada na relativização da verdade. A historiadora e crítica de arte Daniela Labra, curadora geral da 2ª edição da Frestas – Trienal de Artes (veja abaixo em Experiência crítica), diz que a noção de pós-verdade se relaciona ao momento em que vivemos. “Temos uma epidemia de fake news (notícias falsas), que nos meios de comunicação e redes digitais ganham voz mais rápido”, explica. “Nesse fluxo as opiniões são tomadas como verdades de fato e, por sua vez, o que se torna verdade socialmente está ligado aos grupos de poder, quem está na bola da vez dita o que é verdade.” Ela acrescenta que a discussão sobre arte contemporânea rompe com a ideia de verdade, e lança as perguntas: “Qual seria a verdade na arte?” e “Existem muitas verdades na arte?”.
Sem nichos
Tais questionamentos fazem parte da expansão do diálogo artístico e social. Um exemplo são abordagens sobre gênero e sexualidade no contexto da arte política, as quais dão visibilidade a realizadores que fazem uso de linguagens e plataformas diversas na intersecção entre arte, gênero e sexualidade. Na visão do antropólogo Tulio Bucchioni, não se trata de questões de nicho, mas “pautas que precisam ser trabalhadas de modo a gerar reflexividades amplas, relacionadas aos mais variados temas”. Segundo o pesquisador, cabe à arte contemporânea e aos artistas não só tematizar essas questões, “mas se debruçarem sobre elas, interrogando-as para produzirem saberes e insights complexos e provocativos”.
Experiência crítica
Mostra apresenta o trabalho de 60 artistas sobre o tema Entre Pós-Verdades e Acontecimentos
A 2ª Edição de Frestas – Trienal de Artes: Entre Pós-Verdades e Acontecimentos, que acontece de 12 de agosto a 3 de dezembro no Sesc Sorocaba, no interior de São Paulo, também se desdobrará pela região, por meio de instalações em prédios históricos, comércios e espaços públicos da cidade.
O evento reúne propostas de 60 artistas brasileiros e estrangeiros e apresentará cerca de 160 obras, entre projetos comissionados, performances, obras para a internet, residências artísticas e intervenções urbanas. Completam a programação conferências, debates, oficinas, vivências, espetáculo de teatro e show musical.
Para a pesquisadora e crítica de arte Daniela Labra, responsável pela curadoria da trienal, a exposição trata da impossibilidade de definição da verdade nos discursos artísticos e em setores da sociedade. “A exposição se pretende viva, sendo um experimento para a educação, construção de novos olhares e formação de público. Queremos oferecer às pessoas experiências críticas, de pensamento e sensoriais”, enumera Daniela.
Os selecionados para esta edição apresentam trabalhos que representam a soma criativa e questionadora de artistas brasileiros e estrangeiros vindos da Alemanha, Argentina, Áustria, Cuba, Espanha, Estados Unidos, França, Grã-Bretanha, Guatemala, Japão, México e Peru. Entre os participantes estão o coletivo Guerrilla Girls, Francesca Woodman, Wanda Pimentel, Daniel Senise, André Komatsu e Héctor Zamora.
A programação educativa será tão diversa quanto a própria Trienal, oferecendo biblioteca com livros relacionados ao tema da exposição, formação com professores da rede pública e visitas mediadas.
Mais informações sobre o Frestas em sescsp.org.br/frestas