Postado em 21/07/2017
O Sesc, em parceria com a britânica Central Saint Martins, convocou artistas brasileiros interessados em participar da residência artística em performance, no período de 15 de janeiro a 09 de fevereiro de 2018, em Londres. As inscrições foram encerradas em 20 de agosto/17.
A Central Saint Martins (CSM) é parte da University of the Arts London (UAL) e uma das principais referências mundiais no ensino de arte e design. Por se tratarem de instituições com missões distintas e complementares, as cooperações entre a CSM e o Sesc São Paulo têm se estabelecido em um campo bastante fértil para a construção de novos conhecimentos com base em ações práticas que se reinventam.
Assim foi no projeto Campos de Preposições (2016), realizado com o coletivo O Grupo Inteiro, no Sesc Ipiranga, e na primeira edição da residência artística, ocorrida em janeiro de 2017, da qual participou a performer Elen Braga. Após quatro semanas entre os estudantes e professores da Central Saint Martins, a artista maranhense mostrou o resultado de sua criação no Sesc Belenzinho, em São Paulo.
A conversa com Elen Braga
Direto da Bélgica, onde vive hoje, Elen conversou conosco para relatar sua experiência em Londres e inspirar futuros participantes:
Eu nunca tinha visitado Londres antes. E confesso que quando cheguei lá, nas primeiras duas semanas eu estava um tanto perdida. Tem a coisa da língua, do clima, do mapa e da cultura que, querendo ou não, acabam afetando diretamente o processo artístico. [...] Sentia-me um tanto limitada por não poder falar na minha língua e também pela falta de um território, do meu lar. No entanto, ao mesmo tempo eu me sentia bastante livre e espaçosa para criar, por conta de todo o suporte e espaço que me foram oferecidos pela CSM. Fui muito acolhida pelos novos amigos e isso fez muita diferença.
Comecei a pensar essa sensação de limite do meu corpo lá como um limite de borda e não de barreira. Na borda, você se encontra num lugar onde uma coisa termina e outra começa. Existe a possibilidade de novos encontros, caminhos e direções. E foi essa borda - o sentimento de uma diferença entre eu e o outro - que me levou a mudar radicalmente o meu trabalho lá.
Foi quando decidi viajar para Land’s End, no extremo sudoeste da Inglaterra. Eu estava pensando como seria uma tentativa de alargar esse limite do meu ponto de vista. Falo agora da relação física mesmo. Sabemos que existe um limite da nossa visão. E parece que num horizonte, esse limite pode variar de uns 3 a 4 quilômetros de distância, dependendo da altura da pessoa e de onde ela está. Na cidade, o ponto de vista é atravessado por prédios, pessoas, carros e objetos e eu queria ter essa visão ampla de quando não consigo enxergar o fim do horizonte.
Levei dois estudantes comigo. E para grande surpresa, quando chegamos lá, existia uma forte neblina por todo lugar. Eu não conseguia enxergar quase um passo além dos meus olhos. Para minha frustração era como se fosse uma grande parede branca. Não existia horizonte e nem paisagem.
Foi quando pensei que na verdade a “grande parede branca” era um espaço de uma nova paisagem, que poderia ser criada por cada um de nós.
O efeito da neblina no espaço me fez lembrar do Chroma key, que é uma técnica de efeito visual pra permite você colocar uma imagem sobre uma outra através do anulamento de uma cor padrão, como por exemplo o verde. Por isso o nome “Green Screen”. O trabalho então começou a surgir.
Naquela altura eu também fiz outros trabalhos com participação dos alunos, onde eu pensava estruturas fixas e o comportamento do nosso corpo mediante tais regras impostas. Qual é o limite da regra? Em que momento a regra tem exceção?
[Green Screen] era um convite que eu fazia para as pessoas olharem a parede verde. Existe um fator físico que acontece quando olhamos por muito tempo uma cor. Ela meio que se torna uma sombra de sua cor oposta - no caso da cor verde, era o vermelho que você começava a ver depois de um tempo. Mas essa é uma experiência minha. Pra cada um foi uma experiência diferente. Enquanto para um era uma situação de punição e penitência, para outro, era uma meditação. O convite era o mesmo para todos: olhe a parede verde o quanto de tempo que desejar. E pra minha surpresa, a performance durou 2h30, aproximadamente (quando a última pessoa desistiu).
Na volta, a conclusão da residência envolveu a realização de uma performance no Brasil: Plataforma, no Sesc Belenzinho.
O trabalho “Plataforma” veio num desdobramento de dois trabalhos anteriores: o “Green screen” e o “Sala de exercícios”. No trabalho Sala de exercícios, eu realizo uma série de aulas abertas ao público nas quais proponho um conjunto de atividades individuais e em dupla onde as regras derivam do padrão de forma, força e resistência do meu próprio corpo ou da minha relação com outro corpo e objeto. Ou seja, a regra do exercício é o quanto eu posso fazer e como faço (movimentos, gestos, tempo etc).
E em um dos exercícios que proponho, eu fico na ponta dos pés. Certo dia, uma pessoa me disse que eu deveria suportar mais tempo na ponta dos pés. A pessoa disse que eu, como artista de performance, deveria resistir mais e que eu não dava o meu “sangue” na ação. Achei isso um tanto curioso.
Resolvi fazer um teste para saber qual era a diferença entre o meu tempo de resistência e o tempo de resistência de outro corpo. Foi quando fiz esse trabalho com outras amigas:
Nele eu pude ver que, na verdade, o meu tempo de resistência não era assim, tão preguiçoso. E que é impossível estabelecer uma expectativa nossa do que o outro pode alcançar. Temos corpos completamente diferentes.
Foi quando minha mãe disse:
- Mas, Elen, pra ter uma competição justa, você teria que chamar meninas com o meu padrão do seu corpo. Veja, uma mais magrinha, outra é mais cheinha.. não é justo! tem menina com as pernas mais fortinhas que você!
A observação da minha mãe me fez pensar: como seria uma competição justa então? A curiosidade foi tanta, que resolvi tentar. Mas ainda não sabia como seria esse trabalho. Foi quando pensei na estrutura da performance como uma grande competição com direito a premiação e regras. Sim, uma simples regra e sem nenhum juiz. Eu uso o padrão visual de meu corpo como critério de seleção de minhas próprias concorrentes numa competição de força e resistência teoricamente “justa”.
Na performance, eu tento vencer 41 mulheres realizando a simples ação de permanecer o maior tempo possível na ponta dos pés sobre uma pequena plataforma de madeira (com descansos de cinco segundos cada). Ao desistir da ação, a participante se dirige ao estúdio de fotografia onde escolhe – a partir de um menu de 8 poses disponíveis- a pose que melhor lhe agrada e tira a foto. A grande vencedora recebe um book com 10 poses.
A questão era: as meninas são modelos pagas e contratadas por um período de 4 horas. [...] No entanto, antes de começar a performance, eu disse que o tempo de “trabalho” de cada uma correspondia ao tempo de resistência na posição na ponta dos pés. E uma grande dúvida pairou no ar sobre qual seria o tempo da performance. E eu particularmente não tinha a menor ideia. O tempo da performance cabia ao tempo de cada participante e a decisão de cada uma do quanto de tempo queria permanecer naquela posição.
Pra minha surpresa, a performance durou mais 5 horas. Por livre e espontânea vontade das participantes. O que levou elas a ficarem tanto tempo? O prêmio do book? O lugar? O show? Eu confesso que a sensação de estar lá na plataforma é boa. Tem uma coisa meio de destaque… tá todo mundo olhando. Talvez por isso fiquei minhas 2 horas e alguma coisa. Eu queria vencê-las, claro. Mas não consegui, e desisti.
Existe também a vaidade da resistência e superação na performance… Não é fácil dobrar-se ao fracasso.
Saldo da experiência
Voltei confiante nos meus interesses e intuições. Eu fiquei bastante contente com o trabalho na CSM e isso me deu mais energia pra tentar coisas ainda maiores. Saber que existem duas grandes instituições apostando no seu trabalho, ao mesmo tempo que dá um medinho, dá uma confiança grande de apostar no trabalho. E preciso dizer, isso mudou muito mesmo depois dos trabalhos já realizados. Acho que sim, continuo com as mesmas inseguranças de sempre no meu trabalho, mas mais segura em poder errar. E errar é tudo bem.
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