Postado em 23/05/2017
E se o Programa Curumim fosse uma pessoa?
Com 30 anos completados em 2017, ele já não seria tão Curumim. Partindo apenas de sua presença na Unidade Bertioga, tampouco, pois, ao contrário, não teria nem a idade mínima necessária para poder participar do programa - são só 3 anos e pouquinho por aqui.
A pergunta é: que recorte a gente pode fazer diante dessa disparidade de tempo? São 3 dos 30 dedicados a ação de educar meninas e meninos, dos 7 aos 12 anos, partindo do pressuposto que o que fazemos é parte, não o todo. Fazemos parte da história de cerca de 160 crianças ao ano, divididas em 4 turmas nos períodos manhã e tarde.
Sendo uma fração de suas histórias, sabemos que devemos agir integralmente no tempo que temos com eles, permitindo que esse tempo seja aproveitado da melhor maneira possível, que suas vivências e experiências de aprendizado e convivência no programa sejam proveitosas o suficiente, a ponto de influenciar em suas ações, mesmo fora do Curumim, somando-nos a outros agentes como sua família, sua vizinhança, sua escola, aos programas de televisão que assistem ou conteúdo que acessam pela internet, o quanto interagem nas mídias sociais e seus relacionamento presencial com amigos... todos partes, contribuindo, cada um a sua medida, na formação das vidas desses pequenos.
À parte que cabemos, vale destacar como foi sua chegada em Bertioga, tão diferente das demais do Sesc. Como inserirmos um programa voltado para educação não formal de crianças em um centro de férias? Seria algo muito mais difícil, não tivesse no cerne desse centro de férias, muito além do entretenimento e lazer, o objetivo comum a todas as outras Unidades: através de sua estrutura e de sua programação, oferecer bem-estar social, desenvolvimento cultural e melhoria da qualidade de vida através das artes, dos esportes, da promoção da saúde e da valorização do socioeducativo.
E, ainda tratando das partes, cuidamos do indivíduo. A cada atualização de matrículas, são realidades diferentes que nos chegam, demandando e despendendo atenções também distintas. Compreender a importância do trato pessoal é base fundamental e de constante atenção do programa. É o que Fernanda Monteiro, instrutora do programa, nos lembra sempre:
“Cada criança tem em si um universo de significados e referências internalizados nas relações familiares e sociais que possui. Sua maneira de expor isso em comum também ocorre com significativa particularidade”.
A valorização dessa individualidade ocorre, por exemplo, quando, em parceria com a área de alimentação, realizamos festas para a comemoração dos aniversariantes do mês. Estes eventos são executados de maneira colaborativa, com a participação de todos, mas corroboram para o estímulo da autoestima dos homenageados da vez.
Os pequenos montam seus próprios lanches, se envolvem na preparação de sucos, com direito a colher frutas, ainda desconhecidas por eles, nos pés espalhados pela Unidade, além de algumas ervas no viveiro. Nestas ocasiões, com o acompanhamento de uma nutricionista, tivemos a oportunidade de sensibilizá-los para a importância da higiene e do cuidado no preparo dos alimentos, mostrarmos diferentes formas de apresentação, além do estímulo para o consumo de alimentos mais saudáveis.
A importância do trato pessoal em promoção da saúde também é representada pelo acolhimento dos dentistas presentes no Sesc Bertioga, quando receberam os participantes do programa para explicar-lhes a importância de uma boa higienização bucal, bem como apresentar as sensações gustativas, relacionando-as com as regiões da língua em que são mais percebidas. As experimentações dessa atividade fizeram a alegria da galerinha, que, muitas vezes, acertou qual era a área da língua mais sentida por determinado alimento.
E se criássemos um personagem?
Buscando o desenvolvimento criativo individual das crianças, esta provocação foi o start para que, com papel, cola colorida, lápis, giz de cera e muita imaginação, inventassem um personagem com nome, personalidade e história. A valorização do tempo que passam junto de seus pais e/ou cuidadores também serviu como tema de uma das constantes rodas de conversas propostas pelos instrutores.
Entendida cada parte também como um todo, partimos para a interação entre essas partes que acaba por formar um coletivo. Muitas das ações do programa são pensadas e aplicadas de maneira coletiva e a troca de percepções entre todos é propulsora das mais inimagináveis possibilidades de desenvolvimento e aprendizado em grupo.
Não se espera que o grupo seja homogêneo, pelo contrário. Tomamos as diferenças e os conflitos de personalidade como estímulos para o crescimento, agora individual e coletivo. Essas diferenças passam por gênero, raça, classe social, faixa etária, religião, enfim, uma série de fatores reconhecidamente comuns que agregam a formação da nossa cultura. Isso torna o grupo dinâmico e bastante ativo, sobretudo quando é colocado em ação, através de brincadeiras e atividades esportivas.
Aproveitando a Copa do Mundo no Brasil, e se a gente reinventasse as regras e as formas de se jogar Futebol, esporte mais conhecido e praticado no país?
Primeiro: divididos em grupos, criamos as novas regras do jogo. Tudo pode, desde que fique claro para todos. Depois disso, partimos para a ação. Práticas como essa rendem, além de boas risadas, um despertar para possibilidades, antes impensadas, para algo que era conduzido quase que automaticamente.
Bóra jogar bola?
Não, hoje o jogo é taco, proposta do estagiário do programa. Pronto, mais uma possibilidade descoberta, tal como foi o Stand Up praticado no lago, o bodyboard no mar, e assim, vão experimentando e encontrando no esporte, além de simples práticas esportivas, um terreno fértil, no qual o individualismo tende muitas vezes que lidar com necessidade de uma parceria, bem como a competitividade abre espaço para vitória, tanto quanto para a derrota. E tudo bem.
E se a integração do indivíduo com o coletivo viesse a partir do ambiente no qual estão inseridos?
Impossível ser diferente. Não dá para viver em Bertioga e não se sentir imerso à biodiversidade local. O ecossistema da região é fonte e fim de muitas das ações do programa e, para ajudar, podemos dizer que essa também é a praia dos curumins. Comparados com crianças nascidas nas grandes cidades, natural que tenham um olhar mais sensível para o meio em que vivem, observando com mais detalhes as flores, os frutos e os animais que os circundam. O ambiente lhes é favorável para que corram livremente, sem barreiras, subir em árvores enquanto imaginam escalar montanhas, nadando nos rios de Bertioga, sempre sob a vigilância dos guardiões, como ocorrido em novembro passado na visita a Itaguaré, quando, enquanto atravessavam a trilha, foram provocados a se atentarem apenas ao momento presente, esquecendo todo o resto. Isso fez com que exercitassem e expandissem suas capacidades de concentração, aguçando todos os sentidos, como o tato ao se segurarem em alguma pedra, o olfato quando sentiam o cheiro da mata molhada...
- Professora, como vai ser o nome da sua filha mesmo?
- O nome dela será Linda Luz.
- Nossa! E como é o significado em guarani? Parece que você fez o contrário. Lembra quando fomos na aldeia e o nome de uma menina significava “protetora das flores”, mas não me lembro o nome em guarani. Parece que você fez o contrário...
Diálogo entre a instrutora Gisele de Araújo e Vinícius Putrini, curumim em agosto de 2014.
Bate-papo antes de entrarem no Rio Guaratuba. Foto: Amanda Prado.
Na volta de cada saída, em respeito ao processo socioeducativo proposto pelo programa, há sempre uma conversa para entendermos o que de fato puderam captar e como lidaram com as novidades absorvidas no dia. Com o apoio dos agentes ambientais, esses debates também ocorrem no Centro de Educação Ambiental, o CEA, no viveiro, em aproximação do mundo das ervas aromáticas, bem como nos muitos outros locais da Unidade. Estes locais são conhecidos pelos familiares dos curumins, pois neles realizamos nossos encontros. Além de estreitar os laços entre a instituição e as famílias das crianças, o objetivo é apresentar um pouco das vivências delas no programa.
Esses lugares fazem parte do meio ambiente dos atendidos pelo programa, portanto, mais que seu reconhecimento, é preciso que se sintam pertencentes a ele, que encontrem suas identidades nesse território. Foi o que ocorreu no projeto Revela Curumim, em relação com o Revela Bertioga, mostra fotográfica que ocorre anualmente na cidade. Investimos no olhar para a cidade, para a unidade, tudo que nos envolve e registramos esse olhar através de uma câmera fotográfica artesanal, a Pinhole, construída pelos próprios curumins. Esse material, junto com outras fotos digitais tiradas por eles, virou uma mostra exposta na Unidade no final do ano passado.
"Para que a educação seja transformadora e afinada com as demandas, cada vez mais complexas da sociedade, ela precisa estar a todo tempo se redescobrindo, se redesenhando. Por isso, neste ano em que o Programa Curumim completa 30 anos, estamos num momento de escuta e muita reflexão, revendo o kwon how desenvolvido
ao longo deste tempo e buscando outras inspirações para tornar cada vez mais significativa a vivência de nossas crianças”.
Guta Araújo, assistente da Gerência de Estudos e Programas Sociais do Sesc São Paulo.
Pois é, vamos brincar muito ainda... Há muito mais por aprender e ensinar.
Vamos começar? E se...
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Por Claudio Eduardo, Editor Web do Sesc Bertioga