Postado em 01/01/2002
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Entusiasmo, falências e volta por cima na aventura pontocom
OSWALDO RIBAS
Depois da euforia, seguida pelo pânico das quebradeiras, as empresas pontocom, no Brasil e no mundo, estão finalmente encontrando um período de estabilidade associado à maior maturidade estratégica dos negócios realizados na Internet e à atuação de uma nova geração de "e-xecutivos" que aparentemente aprenderam a lição: a economia pode ser nova, mas os fundamentos econômicos de qualquer empresa, virtual ou convencional, continuam os mesmos, ou seja, despesas maiores que receitas tornam qualquer empreendimento inviável a médio prazo. Mesmo quando, como ocorreu no auge das pontocom, fontes de financiamento aparentemente inesgotáveis alimentavam ilusões de enriquecimento fácil na web, as leis econômicas universais permaneceram atuantes e, apesar da potência representada pela nova mídia global online, o fim foi melancólico para boa parte das companhias instaladas na rede.
Segundo dados da Webmergers, o maior site de pesquisas corporativas na Internet, desde o começo do ano 2000, quando teve início a derrocada das ações do setor tecnológico nas bolsas de valores, cerca de 700 empresas pontocom fecharam as portas ou pediram concordata em todo o mundo. Só em 2001, o ritmo das quebradeiras, concentrado especialmente nos Estados Unidos, chegou a 50 por mês. Ainda mais dramático foi o tombo que as empresas de Internet levaram em menos de dois anos quando a medida é o valor de mercado. Muitas delas, que um dia fizeram brilhar os olhos de investidores em todo o mundo, acabaram, literalmente, virando pó. Um dos casos mais expressivos é o da falida NorthPoint Communications. A empresa, dedicada ao nicho de equipamentos de telecomunicações, que no início de 2000 chegou a valer US$ 5,6 bilhões e fazia a fortuna de pequenos e grandes investidores na bolsa eletrônica Nasdaq, foi recentemente adquirida pela American Telephone & Telegraph (AT&T) por US$ 135 milhões, cerca de 1/14 de seu preço máximo. A Psinet, que gastou milhões em campanhas publicitárias pelo mundo, inclusive no Brasil, para se tornar conhecida como "the Internet supercarrier (a superprovedora da web)", viu o preço de suas ações cair a praticamente zero, perdendo portanto 100% de seu valor, até declarar-se falida no começo do segundo semestre.
Excelente negócio
O número de quebras das empresas de Internet poderia ter sido muito maior não fosse a febril atividade de compras e incorporações que varreu a web, principalmente por parte de companhias convencionais, que viram na vertiginosa desvalorização das pontocom um excelente negócio. Em muitos casos, grandes corporações internacionais vislumbraram a oportunidade de ampliar ou complementar suas próprias estruturas e serviços de Internet comprando uma pontocom em estado pré-falimentar. A fabricante de software Peoplesoft, por exemplo, ao adquirir a Cohera Inc., que produz software de integração de conteúdo para websites de e-commerce (comércio eletrônico), conseguiu, a um custo mínimo para o benefício alcançado, preencher uma falha em sua linha de produção e ainda incorporar mão-de-obra altamente especializada da companhia anexada. Casos semelhantes ocorrem todos os meses no mundo corporativo da Internet.
Nos três primeiros trimestres de 2001 foram realizadas 969 operações de compra de empresas pontocom no mundo. Companhias de telecomunicações, pelo menos até os trágicos acontecimentos de 11 de setembro nos Estados Unidos, estiveram entre as grandes compradoras de pontocom para ampliar seus serviços interativos.
Casos no sentido inverso, ou seja, de empresas de Internet comprando companhias da chamada economia convencional, foram, enquanto isso, muito poucos. O mais notável no decorrer de 2001 foi a aquisição da Time Warner pela America Online (AOL), que acabou formando a maior estrutura global de comunicações e entretenimento. Diferentemente das compras na net, contudo, a aquisição da Time Warner ficou bem longe de ser uma pechincha. Custou ao jovem e próspero magnata Steve Case, da AOL, o equivalente a US$ 160 bilhões, o mais espetacular negócio da história empresarial em todos os tempos e ícone da força empreendedora da Internet.
No Brasil, para ficarem à tona no supercompetitivo mercado de serviços online, as pontocom nacionais também passaram por processo de fusões e aquisições, e a maioria enxergou na diversificação de produtos e serviços uma saída para superar a crise e esperar que tempos melhores voltem a atrair capital para financiar novas expansões. Na busca pela rentabilidade, numa época em que a captação de recursos no mercado financeiro foi praticamente abolida, as pontocom foram induzidas a procurar clientes no mercado corporativo, um filão que ficou conhecido como Business to Business, ou B2B. Outras ofensivas têm levado as pontocom a colocar o pé em segmentos da economia real, deixando um pouco de lado o estigma da empresa virtual.
"Acredito hoje que a alternativa de oferecer serviços para o mercado corporativo (B2B) e reduzir a exposição ao consumidor final (Business to Consumer, ou B2C) é a única saída de sobrevivência deixada para as pontocom voltadas para o e-commerce", afirma o especialista em Internet Felipe Mello, professor convidado da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e responsável pela área de marketing da WebGenesis, companhia de telecomunicações que atua como provedora de acesso à Internet para grandes corporações. "Na verdade", acrescenta Mello, "as empresas perceberam que, por enquanto, o mercado corporativo é o que apresenta resultados mais favoráveis na utilização da Internet, aqui entendida como ferramenta de trabalho e de redução de custos."
O Submarino, por exemplo, maior varejista da Internet brasileira segundo o ranking do Ibope Nielsen/NetRatings, depois de ver frustrada boa parte de seu planejamento estratégico pela inesperada resistência dos consumidores, decidiu ampliar suas atividades centrais de atendimento B2C para oferecer novos serviços ao setor corporativo. Recentemente, o Submarino passou a oferecer às empresas o que chama de infra-estrutura logística e tecnológica. A estratégia consiste em tirar proveito de sua capacidade ociosa. Desde que se instalou no país, o Submarino investiu R$ 1 milhão em seu centro de distribuição, projetado para atender cerca de 30 mil pedidos diários. Na prática, contudo, apenas 10% desse volume vem sendo utilizado. Para reativar os 90% inoperantes, a empresa vem desenvolvendo outros fronts de atuação, como análise de crédito, uma das novas vedetes no mercado financeiro, que demanda grande base de dados, rastreamento de pedidos e comparação de produtos, sempre com o objetivo de barateamento de custos para os clientes.
O diretor-geral do portal de vendas, Murillo Tavares, acha que o caminho é esse. Embora ainda não tenha uma noção do retorno que essas atividades trarão, ele acredita que o Submarino poderá voltar ao azul já no primeiro trimestre de 2002, virando uma página de prejuízos que percorreu o balanço da pontocom durante todo o ano de 2001.
Parceria automotiva
O WebMotors, considerado o site preferido dos internautas brasileiros interessados em obter informações sobre o mercado automotivo, como compra e venda de automóveis, serviços mecânicos ou de seguros, é outra pontocom que está deixando de ter uma atividade voltada exclusivamente ao consumidor final e se aventurando a oferecer novos serviços para grandes montadoras. Recente pesquisa divulgada pelo instituto norte-americano Jupiter Media Metrix revela uma tendência mundial que começa a acontecer no Brasil: a parceria de montadoras com sites independentes. Os dados mostram que mesmo marcas renomadas, como Ford, GM, Fiat e VW, precisam se unir a outros sites para conseguir sobreviver à era das vendas pela Internet. Diante desse cenário, o WebMotors gastou o equivalente a R$ 10 milhões em tecnologia e infra-estrutura para oferecer pacotes completos de soluções integradas ao setor automotivo.
No cadastro de gestão de relacionamento com o cliente, que atende pela sigla em inglês CRM (Client Relationship Management), o site vem usando a estratégia do caso a caso, que inclui newsletters personalizadas, para atrair os clientes das principais montadoras. Para hospedar duas grandes marcas, Ford e Toyota, o site contou com seis anos de prática de relacionamento com o público, contabilizando 1,5 milhão de usuários cadastrados no banco de dados. Destes, o WebMotors conhece bem os hábitos de consumo de cerca de 400 mil. Pensando nisso, o site lançou um pacote comercial de marketing para as companhias automotivas no qual espera garantir um retorno mínimo das promoções realizadas. Segundo Sylvio de Barros, presidente do WebMotors, "as montadoras poderão avaliar o retorno, e se os negócios não forem realizados poderão até receber o dinheiro de volta". Por cliente que recebe a mala direta, a fábrica paga R$ 2,50 ao site.
A campanha já trouxe um retorno de cerca de 20% para a Ford sobre o total de consumidores atingidos. Um em cada cinco internautas, escolhidos a partir de uma base qualificada, que receberam o banner personalizado optou pelas promoções oferecidas. Segundo dados do instituto Ibope Nielsen/NetRatings, 90% dos internautas que acessam a web para pesquisar temas relacionados ao mercado automotivo entram pela home page do WebMotors. Para se ter uma idéia da dinâmica que o site impõe ao mercado, em 2000 o WebMotors registrou US$ 150 milhões em transações.
Pacotes de marketing por meio de e-CRM também são a aposta do guia interativo Via Global, do site Invent, acessado por cerca de 150 mil visitantes por mês e vinculado a 73 estabelecimentos comerciais. Para sair do vermelho, o site acredita que a receita extra com informações de clientes para companhias de telecomunicações sem fio poderá ser a fórmula mais eficiente e à mão.
Em outra demonstração da atração sinérgica entre empresas pontocom e convencionais, a Intelig, operadora de telefonia de longa distância que compete com a Embratel, lançou um serviço de recompensa para clientes pela Internet, o Dotz Corporate. O Dotz, pontocom que oferece uma moeda virtual para programas de fidelidade em ambiente seguro, já tem parcerias com outras empresas convencionais, como o banco HSBC, e vem apostando que o atendimento voltado às corporações chegue a representar até 40% de seu faturamento em 2002, estimado para alcançar a casa dos R$ 20 milhões.
Receita via web
Um dado divulgado recentemente pelo instituto de pesquisas International Data Corporation (IDC) mostra por que o comércio corporativo, no estágio atual da Internet brasileira, é a forma mais viável de negócios na web: 59% das empresas nacionais já têm seu site. Melhor ainda: dos 41% ausentes, mais da metade tem planos de montar sua home page até meados de 2002. A pesquisa da IDC, num estudo que envolveu um levantamento sobre a Internet em 26 países e recebeu o nome de eWorld, identificou também que as companhias pretendem aumentar a participação de seus projetos de Internet nos orçamentos anuais. Liderando o crescimento estão os órgãos do governo, que em 2001 direcionaram 19,8% de sua verba voltada à tecnologia da informação para a web. Nas grandes empresas brasileiras, o investimento médio inicial na Internet superou os US$ 500 mil e, para os que ainda não acreditam na rede mundial de computadores como fonte de renda, a IDC apurou que, em 2001, cerca de 4% do total de receitas geradas vieram de suas iniciativas na web. Para 2002, a expectativa é dobrar esse percentual.
A pontocom Comércio Eletrônico, especializada em oferecer serviços de gerenciamento de compras para a comunidade corporativa, considera que, atualmente, empresas que ainda não incorporaram a Internet como ferramenta de trabalho estão condenadas a se tornar inviáveis. "A equação é simples", argumenta Marcos Nader, diretor da Comércio Eletrônico: "quem utiliza nossos serviços na web consegue reduzir os custos nos processos de compras em até 90% e, portanto, liquida a concorrência." No mercado corporativo desde 1994, a Comércio Eletrônico foi se tornar uma pontocom genuína somente em 1999. Com uma injeção de recursos do GP Investimentos e do Grupo Opportunity, a companhia, apesar das fortes oscilações na web, tem conseguido transpor com certa tranqüilidade a turbulência nas pontocom. Nader atribui esse sucesso ao fato de o foco dos negócios estar no B2B. "Ajudou muito", diz ele, acrescentando que ainda no ramo corporativo a Comércio Eletrônico tem planos de ampliar atividades abrindo uma área de gerenciamento de vendas, as e-sales, e também de terceirização de criação e operação de portais para grandes clientes.
Novidade na rede
No que pode ser um renascimento das pontocom, agora com os pés mais no chão e a cabeça menos nas nuvens, uma nova safra de empresas de Internet, chamadas de startups, está surgindo. Descobrindo negócios mais rentáveis com base em pesquisas de mercado confiáveis, a segunda geração de pontocom, criada após o estouro da bolha, está mostrando que veio para ficar e prosperar. Na contramão dos catastrofistas de plantão, empresas com modelos de negócios sólidos continuam atraindo investidores. Sites como o LatinArte, que negocia obras de arte na web, a Extracta, companhia de biotecnologia com sede no Rio de Janeiro que recebeu uma injeção de US$ 1 milhão no início de 2001, e a .comDomínio, empresa de tecnologia que constrói e opera data centers, estão se tornando as novas referências das pontocom. A .comDomínio, por exemplo, por intermédio do braço de investimentos do banco americano JP Morgan, obteve um aporte financeiro nada desprezível de US$ 50 milhões para se expandir no B2B. Startups que produzem software de automação empresarial para controlar rotinas como contas a receber e folhas de pagamento também estão entre as pontocom consideradas mais atraentes pelos investidores.
Em ritmo de estréia, a pontocom ZoomBrasil tem pretensões de ser o banco de imagens brasileiro mais ágil da web. Com seu acervo totalmente digitalizado, a mais nova pontocom dedicada a oferecer serviços de fotos a clientes corporativos do mercado editorial e publicitário buscou seu diferencial na tecnologia de ponta. Com investimentos iniciais que superam meio milhão de reais, a empresa deverá agitar a concorrência nacional. "Estamos chegando para suprir uma lacuna do mercado de imagens no Brasil", afirma Sérgio Tognato Maggini, diretor executivo da companhia. Primeira pontocom do país a disponibilizar um acervo com mais de 50 mil imagens pela web em sistema totalmente automatizado de busca, compra e download em alta resolução, a ZoomBrasil possibilita que o próprio cliente um jornal, editora ou agência de publicidade escolha a foto desejada em micro conectado ao site, capture a imagem para o veículo de comunicação e, eletronicamente, realize o pagamento pelo serviço em ambiente de alta segurança. À procura de investidores interessados em expandir o banco de imagens, Maggini, associado a um grupo de fotógrafos profissionais de São Paulo, não tem dúvidas quanto ao êxito do seu empreendimento: "A imagem digital é o futuro, e nós saímos na frente".
Uma questão de cultura
Na onda varejista online, a rede C&A está investindo pesado em um projeto considerado revolucionário pelos analistas em comércio pela Internet. A partir de 2002 deverá começar a funcionar a rede de lojas virtuais que a C&A acredita que ajudará a mudar a cultura brasileira de resistência ao uso da Internet para realizar suas compras. A estratégia consiste em montar pequenas unidades físicas em cidades de porte médio o que interromperá a tendência de concentração da C&A apenas em grandes centros urbanos , nas quais o consumidor fará suas compras pela Internet. A loja terá somente mostruário, sem estoque. "O cliente escolherá o artigo e fará a encomenda pela web", afirma um dos especialistas envolvidos no projeto. A idéia é criar no consumidor, principalmente das camadas mais populares, o hábito de comprar pela rede de computadores. Para o estabelecimento de varejo, a possibilidade de vender seus produtos diretamente pelo site representará uma enorme redução de custos para manter grandes lojas de departamentos, especialmente nos shopping centers.
Segundo Felipe Mello, especialista em Internet, as dificuldades para o e-commerce deslanchar no Brasil serão definitivamente superadas quando os consumidores estiverem mais confiantes nos sistemas de segurança para as operações financeiras em ambiente eletrônico.