Postado em 30/03/2017
O movimento como início de tudo. No momento do nascimento, antes da palavra, é o corpo que se move tentando comunicar ao mundo o urro da existência. Movimento é vida. E também arte, poesia, quando transformado em dança. “Ela libera o homem / do peso das coisas materiais / para formar a sociedade. / Louvada seja a dança / que exige tudo e fortalece / a saúde, uma mente serena e uma alma encantada”, escreveu Santo Agostinho (354-430 d.C.). Apesar da relação intrínseca com o movimento, foi apenas aos 21 anos de idade que Luis Arrieta descobriu a dança. Bailarino, coreógrafo e diretor artístico, o argentino é um dos mais conhecidos nomes da dança contemporânea brasileira. Aos 65 anos, traz a experiência de já ter criado mais de 150 coreografias em companhias do Brasil, Estados Unidos, Argentina e Cuba, entre outros países. É a respeito dessa sensibilidade e de sua visão sobre a dança contemporânea que Arrieta fala neste depoimento.
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Descoberta de uma vida
Eu comecei a dançar com 21 anos, o que para quem busca ser profissional é um pouco tarde. Como ponto negativo eu tinha o fato de ter 21 anos e um corpo nada treinado para o movimento, e a favor um corpo novo nada treinado para o movimento, já que não tinha vício físico de nenhum esporte. Isso, de alguma maneira, era um lado positivo.
O descobrimento da dança afetou toda a minha existência. A descoberta do movimento foi impactante. Eu não era uma pessoa física, como muitos jovens são, e a dança foi algo que me deixou muito tocado e deu início a uma nova etapa da minha vida como pessoa. É algo que trago até hoje. I ndependentemente de ter dançado bem, coreografado bem, de ter feito sucesso, nada disso tem importância.
Esse descobrimento físico na verdade é algo muito mais do que físico, é algo de que não sei se as pessoas que administram, patrocinam e pagam a dança têm consciência. Uso a palavra porque tenho que usá-la, mas acho que ela foi inventada para mentir. Já o movimento me delata. Em qualquer contato com outra pessoa, você observa o movimento para ver a verdade. Em uma discussão com outra pessoa, quando você diz “olha nos meus olhos”, está apontando para um movimento que traz verdades não ditas. Assim, considero que toda evolução que a dança possa ter é um caminho mais para dentro do que para fora.
Participação do público
Dança se assiste com todo o corpo. Por isso, em espetáculos de dança, muitas vezes você vai ver muitas pessoas do público que saem e tentam se mexer, pois sentem que há algo no corpo que pode reproduzir aquilo. É uma empatia do corpo. Quando a gente percebe que o espetáculo de dança estimula esse centro de percepção, é fantástico.
Os ensaios, em companhias, são a melhor parte. Infelizmente, o público perde essa melhor parte. É triste, porque o ensaio é fantástico. É no ensaio que acontecem os erros, os acertos, o suor, as coisas viscerais.
Poder da dança
Não sinto que exagero quando digo que o mundo só poderá melhorar se dançarmos. Aliás, essa frase não é minha. Nietzsche falava que só acreditava em um Deus que fosse bailarino. Santo Agostinho escreveu a oração da dança, que resumidamente diz: “Vocês, seres humanos, aprendam a dançar, ou os anjos não saberão o que fazer com vocês”. A importância do movimento é vital, temos muitos exemplos em muitas linhas de pensamento. A dança sempre está muito presente como uma manifestação profunda do ser humano. O movimento é a primeira manifestação do ser humano. Quando nasce o bebê, antes mesmo de chorar ele se movimenta, e alguns bebês parecem que dançam na barriga.
Todos os movimentos têm uma motivação. Mesmo que eu decida ficar bem parado, o que aparentemente é não se mexer, acaba também sendo um tipo de movimento, assim como frear um carro é um movimento. Todos os movimentos que realizamos têm motivação.
Prazer do movimento
É importante deixar que as pessoas dancem em casa sem necessidade de dançar bem. Eu, por exemplo, gosto muito de dançar em casa, no escuro. Primeiro porque sou extremamente tímido, então em casa me sinto à vontade, danço nos corredores, me acho lindo dançando, e é algo muito prazeroso.
Estar no palco é uma experiência fantástica. Tudo é marcado, levamos à risca, mas ao mesmo tempo é como uma abertura de liberdades que ainda tenho a descobrir. Gosto de ver as pessoas se aproximando da dança, mas gostaria que, ao se aproximarem, as pessoas descobrissem nelas a importância da dança, do movimento, de usar o corpo. O corpo é a nossa única testemunha física enquanto estamos aqui na Terra.
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