Postado em 30/03/2017
O grito das ruas é sintetizado pelo talento em obras que revelam o poder da imagem nas lutas por direitos civis ao longo da história
A imagem demonstra sua força como rito social e instrumento de poder, tanto na vida privada quanto na esfera pública e nos meios de comunicação. Quando a arte abraça a política e dá forma às reivindicações pelos direitos civis, o resultado são obras que retratam a sociedade e podem ampliar a visão de mundo de um dado momento da história.
Ativista e crítica de arte, Susan Sontag é uma pensadora contemporânea que se tornou referência para o estudo da fotografia e do impacto da imagem em perspectiva histórica. Em seus ensaios, defendia a ideia de que uma das atividades fundamentais da sociedade moderna se baseava num processo constante de produção e consumo de imagens. No livro Sobre Fotografia (Companhia das Letras, 2004), lançado em 1977, lemos: “uma sociedade é tornada moderna quando o consumo e a produção de imagens se tornam um dos seus principais rituais”.
Nesse sentido, a evolução do diálogo entre artes gráficas e militância se dá de diversas formas e, hoje, pode compor um grande arco de produções, que vão do cartaz impresso às inúmeras possibilidades digitais.
Artista visual e professora adjunta de Teoria da Arte da Universidade Regional do Cariri (Urca), Renata Felinto atribui o vigor dessa relação ao emprego do símbolo gráfico como marcador dos movimentos e reivindicações sociais. “Essa conjunção com as artes gráficas é a forma mais veloz de identificar uma bandeira”, diz. A professora cita como exemplo atual “o uso de hashtags nas redes sociais, acompanhadas de imagens que são, portanto, símbolos gráficos desenvolvidos com base na causa pela qual se luta. O alcance é impactante e essa ferramenta arregimenta adeptos com uma rapidez inédita”.
Momentos emblemáticos
Um dos movimentos que reconhecidamente potencializaram a interface entre as artes e a luta por uma causa são os Panteras Negras, organização política atuante nos bairros negros das cidades norte-americanas desde 1966 (ano de sua criação, em Oakland, Califórnia) até sua dissolução, em 1982. Estruturados, produziam o periódico The Black Panther, ilustrado por Emory Douglas – artista gráfico e ministro da Cultura do Partido dos Panteras Negras.
Sean Purdy, professor de História dos Estados Unidos na Universidade de São Paulo (USP), identifica pontos responsáveis por essa popularidade, como a política de orgulho negro, somada à propaganda militante e programas de assistência social voltados à comunidade, o que para ele se comprova, também, em números. “Um relatório do FBI (Federal Bureau of Investigation), elaborado em 1970, relata que 25% da população negra tem grande respeito pelos Panteras Negras, incluindo 43% de negros com menos de 21 anos de idade”, relata. “Justamente por causa dessa ampla popularidade, a organização foi esmagada brutalmente, entre 1969 e 1971, pelo FBI, com muitos dos seus líderes assassinados ou presos em ações policiais.”
Dois momentos importantes da história brasileira são lembrados por Renata Felinto: durante o movimento pelas “Diretas Já” um dos símbolos gráficos utilizados pelo grupo foi a representação do ano em que ocorreriam as eleições para presidente da República, 1984, na cor vermelha, em referência ao sangue dos mortos durante o período da ditadura; e a ressignificação do rosto de V (dos quadrinhos de Alan Moore), que foi usado pelo grupo ativista Anonymous e serviu de máscara para simpatizantes das “Manifestações de Julho de 2013”.
Sean Purdy destaca que períodos de intensos questionamentos da estrutura da sociedade e relações existentes, do passado e do presente, “são acompanhados por inovações culturais”, tendo como um de seus instrumentos a arte e seus realizadores.
Exposição traz recorte da produção do artista Emory Douglas, criador da identidade visual do grupo Panteras Negras
O Sesc Pinheiros recebe até 4 de junho a exposição Todo Poder ao Povo! Emory Douglas e os Panteras Negras, com curadoria do coletivo colombiano La Silueta, representado por Juan Pablo Fajardo. A mostra apresenta obras criadas pelo artista Emory Douglas no período em que era diretor artístico, designer e ilustrador do periódico The Black Panther e ostentava o título de ministro da Cultura do Partido dos Panteras Negras.
Emory Douglas esteve em São Paulo para a abertura do evento e fez um bate-papo com o público sobre seu trabalho. Na ocasião, explicou os cartazes um a um, detalhando seu processo criativo e as circunstâncias históricas nas quais cada ilustração foi produzida. A exposição foi complementada por palestras e oficinas com assuntos relacionados à história do grupo ativista norte-americano.
Sean Purdy, professor de História dos Estados Unidos na Universidade de São Paulo, cita o que considera parte do legado dos Panteras Negras, com foco nas lições e memórias da luta travada por eles. “É necessária uma análise estrutural do racismo como os Panteras tinham, tomando em conta, claro, o contexto de sua época; só organização e mobilização independente podem avançar o movimento”, resume. “As formas de luta e o contexto têm mudado desde o fim dos Panteras, mas as mesmas questões estão sendo enfrentadas.”
A exposição pode ser vista de terça a sábado, das 10h30 às 21h30. Domingos, das 10h30 às 18h30. A entrada é gratuita.
Confira mais informações no Portal Sesc em São Paulo.
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