Postado em 06/03/2017
A produção audiovisual no Brasil vem atravessando uma boa fase. Em termos de bilheteria, o ano de 2016 foi considerado positivo para o cinema brasileiro com filmes nacionais ocupando 15% do mercado exibidor no país. Entre as produções independentes, o melhor desempenho foi de Aquarius, de Kleber Mendonça Filho. O longa pernambucano foi selecionado para a mostra principal do Festival de Cannes e conseguiu levar 358 mil espectadores às salas do país. Esse desempenho em festivais nacionais e internacionais e a boa aceitação do mercado é compartilhada com outras obras produzidas em Pernambuco como Boi Neon, de Gabriel Mascaro, e A História da Eternidade, de Camilo Cavalcanti. Atualmente, no estado, cerca de 100 projetos estão em andamento, incluindo filmes e séries para o cinema e televisão.
Pernambuco tem uma relação afetiva com as imagens em movimento desde os anos 1920 do século passado, quando filmes naturais e longas-metragens de ficção formaram o conhecido Ciclo do Recife, um dos mais importantes ciclos regionais da fase muda do cinema brasileiro. Nas décadas seguintes, a produção de documentários e curtas ficcionais, em bitolas profissionais e amadoras, manteve esse espírito pioneiro, que ganhou um novo ímpeto a partir de 1997 com a realização do longa Baile Perfumado, de Paulo Caldas e Lírio Ferreira.
Até então, todavia, a falta ou precariedade dos equipamentos disponíveis e os poucos recursos financeiros eram obstáculos para a profissionalização e fortalecimento da cadeira produtiva. O uso da película cinematográfica era limitado, e o que marcou esse período foi o autodidatismo, o "fazer aprendendo" e a "brodagem", termo usado pelos cineastas locais para definir a colaboração existente entre as pessoas envolvidas na produção de filmes, que compartilhavam entre si os projetos em execução e se revezavam nas diversas funções do set de filmagem.
Na primeira década do século 21, o amadurecimento artístico da geração da brodagem, os concursos de roteiros e o estabelecimento de uma política regular de editais para incentivar atividades ligadas ao audiovisual - filmes, festivais, cursos, etc. -, somados ao barateamento da produção por conta dos equipamentos digitais, reconfiguraram a cena local e também fizeram despontar a crescente necessidade de pessoal melhor capacitado. Hoje, com 32 projetos de longas-metragens com reais possibilidades de serem rodados ainda esse ano e tantos outros projetos na área, a formação de artistas e técnicos qualificados tem ganhado impulso.
Nesse sentido, a região conta com iniciativas que tentam acompanhar o boom produtivo. Universidades públicas e privadas tem atualmente cursos de graduação e especialização específicos para o audiovisual e uma novíssima geração de criadores e técnicos já está marcando presença nos festivais locais e nacionais. Além de diversificar os formatos das obras com produção, por exemplo, de filmes de animação, esses jovens recém-formados buscam modelos não tradicionais de circulação, destinando seus produtos para difusão em primeiro lugar na internet como tem feito os realizadores do coletivo Surto e Deslumbramento.
O Fundo Pernambucano de Incentivo à Cultura (Funcultura) é o principal mecanismo de fomento para projetos culturais e tem um edital específico para o audiovisual, onde também contempla projetos de formação. Alguns deles são voltados para outras regiões do estado, além do Recife. Um exemplo é o projeto Documentando, de Marlom Meirelles, que realiza oficinas por cidades do interior oferecendo técnicas básicas de captação e edição de imagens, além de noções de linguagem cinematográfica.
Com apoio do governo estadual, outro projeto exitoso é o CineEscola, criado em 1998 e que disponibiliza o cinema como elemento de reflexão dentro e fora da sala de aula. Coordenado por Andréa Mota, uma das suas ações é o CineCabeça voltado para jovens estudantes de escolas públicas e que inclui a formação e produção de curta-metragens pelos participantes. O Centro Audiovisual Norte-Nordeste (Canne), sediado no Recife, apoia projetos de realização e é também ponto de aprendizado. O Canne tem sido responsável pelo oferecimento de cursos de aperfeiçoamento, sobretudo visando orientar os profissionais diante da grande quantidade de novos formatos e técnicas disponíveis hoje.
Mas, sem dúvida, no momento, um dos protagonistas na consolidação do audiovisual de Pernambuco é o Porto Mídia, uma ação do Porto Digital do Recife, com um programa de qualificação de economia criativa que inclui o cinema entre suas áreas de atuação. Sua infraestrutura oferece laboratórios de animação e interatividade; de edição de imagem, com softwares para criação de efeitos especiais e de arquivos no formato DCI; de edição de áudio e pré-mixagem; e mais um laboratório de correção de cor e mixagem, um dos maiores investimentos do PortoMídia e uma das mais completas salas para pós-produção do Brasil.
Apesar dessa efervescência, ainda existem muitas lacunas na cadeia produtiva do audiovisual no Brasil, e em Pernambuco, quando passamos para as questões relacionadas ao mercado. Daí a importância para que o processo de consolidação de polos de produção pelo país continue no ritmo atual, como em Pernambuco, garantindo empregabilidade para os que estão apostando no audiovisual como atividade profissional.
Alexandre Figueirôa é pesquisador do audiovisual e professor da Universidade Católica de Pernambuco, onde coordena a especialização em Estudos Cinematográficos e ministra aulas no Mestrado Profissional em Indústrias Criativas.