Postado em 10/02/2017
Eu que costumo dizer, entre um tom jocoso, sério, divertido, filosófico, que só o teatro salva, insinuando que a arte pode ser o ambiente mais propício à elevação do espírito humano em seu sentido mais amplo; pergunto-me o tempo todo como isso pode ser possível a cada vez que entro no espaço teatral contemporâneo.
Este fazer teatral que, em suas manifestações mais arrojadas, indica-nos cada vez mais faltas de saídas, lugares sombrios, desestruturações de todo tipo, desconstruções formais, lógicas, sociais, emocionais, racionais, que nos trazem muito mais um desconforto geral sobre o ser do homem atual, que visões positivas e alvissareiras.
O teatro, desde os Gregos, e agora ainda mais, tem nos apontado destinos possíveis, muito mais pelas contradições e paradoxos humanos, do que propriamente receitas para o devir, que de resto é sempre incerto, nebuloso, desconhecido.
Acredito, inclusive, que o teatro mais comprometido, deve sim dirigir-se para o desconhecido, deve ter um tom incognoscível, deve embrenhar-se por lugares que não são ainda cultura, não foram cultivados, nem semeados. O desconhecido tem que ser, a meu ver, a principal matéria prima do teatro.
Entretanto, apesar disto e junto com isso, o teatro e a arte em geral, por mais estranhos que nos pareçam, por mais desconfortáveis que nos deixem, são veredas da salvação, as quais nos trazem não só novos pontos de vista e de partidas mas são em si mesmas ações que deflagram outros saberes e fazeres sobre o mundo, diferentes mundos, plurimundos.
O conceito de constelações que Nick Payne nos aponta em seu texto, ora montado com direção de Ulisses Cruz, com atuações de Marília Gabriela, Caco Ciocler e Sergio Mastropacua - que se revezam na temporada no Sesc Santana-, coloca em pauta justamente esta pluralidade de mundos; o ser enquanto plural se esparrama por planícies, morros, rios, ares, casas, quartos, bares, vivos, mortos, devires, tramas. Ainda por nascerem vão se autoinseminando, provocando a experiência de dimensões outras, como sonhos estranhos, esquisitos, sem realidade verossímil, mas que sabemos ser nossos, profundamente nossos, mas que relutamos, tergiversamos e, as vezes, ficamos à deriva.
O teatro, como linguagem imagética, como resistência, como ação essencialmente política vem, no compasso de nossos tempos, confirmando as constelações de outras épocas, conjuntos de astros e formas aprendidas com antigos povos, mas vem também nos indicando paralelas, curvas, tramas, conexões, dimensões ainda não completamente digeridas sobre nossas possibilidades como seres aí no mundo, lançados para um futuro repleto de passados.
Sergio Luis de Oliveira
Assistente da Gerência de Ação Cultural do Sesc para Teatro