Postado em 31/01/2017
por Sérgio José Battistelli
Para quase a totalidade das pessoas, o trabalho está intrinsecamente ligado à vida. É motivo de orgulho, honra e respeito, assim como de desânimo, submissão e horas de psicanálise. Há os que se largam em seus braços e se deleitam o quanto podem em suas tarefas (por mais árduas que sejam) e há os que o fazem no sentido da sobrevivência, sendo apenas uma peça a preencher as possibilidades de consumo (lembrando que, entre os extremos, a existência se dá formando novos desenhos).
Quanto a mim, aos seis anos de idade eu já tinha minha marmitinha que carregava para a lavoura na ajuda a meu pai. Aos oito, vi chegar a mecanização no campo – e não era uma máquina deslumbrante de colheita e debulho, mas um simples trator à manivela. Daí, as escolhas foram surgindo com a naturalidade forçada das sociedades. No meu caso: ou a enxada ou os livros. Por vocação, saí pela porta dos livros e das subjetividades das palavras.
Nunca tive preguiça por atividades braçais, e a escolha se deu por fatores diversos. Seja por uma visão futura de meus pais, seja pela escola, que, no meu caso, era uma pequena igreja na zona rural de Carazinho (RS). Minha opção por ser seminarista (estudar era para ricos ou para uma ascensão social possível por meio da igreja) me levou a conhecer a pobreza em profundidade, elemento que me levou à ajuda humanitária.
Em São Paulo, enquanto estudava Filosofia, Sociologia e Política, fiz vários trabalhos de ação comunitária. Em plena ditadura militar, arrojava-me em plantar consciências nas comunidades mais afastadas, em plena periferia, que se formavam com a migração constante de brasileiros vindos do Norte e Nordeste para mão de obra no progresso deste país (diga-se: construção civil). Por vontade própria, alfabetizei adultos trabalhadores das olarias ao longo da Raposo Tavares; pessoas que trabalhavam da 0h às 18h, e estudavam das 18h às 19h.
Ou seja, ainda muito novo sabia e conhecia muito bem o universo do trabalho (que sempre se configurou, para mim, como um privilégio), que me cercava feito uma seara a dirigir os passos. Foi no Sesc que tomei contato com um complemento essencial do labor: o lazer. Estudando as teorias do sociólogo francês Joffre Dumazedier – com quem tive o prazer de compartilhar conhecimentos e almoços, sendo seu aluno na Paris V (Sorbonne) –, passei a refletir sobre o assunto de forma mais sistemática e profunda.
Se posso resumir tantos anos de dedicação ao entendimento sobre o lazer, digo que ele não é um tempo somente de descanso, ou um tempo de consumo ou de felicidades forçadas; não é fuga nem abrigo. Penso que lazer, além de estar fundido ao trabalho (só há lazer se há trabalho), é um tempo de autoconhecimento, de despertar a consciência e se transformar socialmente.
Quando digo que presenciei a chegada da automação no campo, não o faço para o leitor crer que sou um idoso que merece respeito, ou um velho que se pode desprezar; digo para me assustar sempre com o poder destes tempos. As mudanças pelas quais passamos nestes segundos que configuram uma vida humana são mais rápidas do que sonhamos assimilar. E se houve uma evolução tecnológica tão potente a alterar até nossa relação com o tempo, é necessário e urgente refletir o quanto ainda trabalhamos e qual o sentido que o lazer pode dar a nossas vidas.
O lazer é o tempo em que você é; é um momento EU, em que nos desenvolvemos como cidadãos, em que repensamos a sociedade e suas diversidades. Portanto, façamos dele uma escolha para o crescimento humano, para o convívio saudável e o silêncio necessário. Não o releguemos ao canto do consumo impensável, à alienação das imagens prontas, assim como não façamos do trabalho uma tarefa sem sentido, conformando-nos em simples espíritos mecânicos.
Sérgio José Battistelli é coordenador da Assessoria Técnica e de Planejamento do Sesc São Paulo.