Postado em 19/01/2017
Frente a frente com o público do projeto Comer é Mais, no Sesc Belezinho, que tem curadoria de Neide Rigo, Paola Carosella é - quem diria? – tímida. Antes de começar a oficina, a chef de cozinha se desculpa pela falta de jeito e diz que vai tentar não se atrapalhar durante a noite.
Que isso, Paola! O público já é fã e ninguém repara, não.
Do lado de fora das telas de TV, onde atua como jurada do reality gastronômico Masterchef, ela descarta as formalidades para cozinhar como num encontro de amigos: põe a mão na massa, fechando bem cada empanada; experimenta as PANCs (Plantas alimentícias não convencionais) recém-colhidas e corta os legumes nas pontas dos dedos, deixando-os tingidos com o vermelho da beterraba. Antes de as panelas esquentarem, conversamos com Paola sobre ser cozinheira, profissional e militante de uma alimentação “de verdade”. Confira o bate-papo e as receitas preparadas pela chef logo abaixo!
Gosto que a comida seja gostosa
Cozinho em casa coisas extremamente simples e não me cobro regras, nem me cobro perfeição. Gosto que a comida seja gostosa. Como pessoa, me importo com o impacto social que significa cozinhar, escolher o que comer, escolher a quem beneficiar com meu poder de compra, qual o impacto na sociedade daquilo que eu cozinho, do que eu incentivo a cozinhar e do que se faz no meu restaurante.
Legal, justo, fresco, simples
Eu sou cozinheira profissional faz 25 anos, então já passei por muitos desafios, metas e desejos diferentes. Hoje, o desafio é fechar esse ciclo de oferecer no meu restaurante um trabalho muito legal para quem trabalha comigo, muito justo, com possibilidade de crescimento e aprendizado; que nesse ambiente a gente receba os melhores ingredientes, das pessoas mais legais possíveis, e, nessa harmonia, cozinhar coisas gostosas, frescas e simples, que os meus cozinheiros gostem de cozinhar e os meus clientes gostem de comer e possam pagar.
Por que orgânicos?
(Vídeo: Renata Dantas)
A comida não tem espaço porque há coisas que enchem a barriga de um jeito muito fácil e barato. Por isso você vê pessoas tomando refrigerante e salgadinho no café da manhã.
O que acontece com uma mãe que sai de casa às 6 da manhã, pra chegar no trabalho às 8h, deixa o filho na creche às 7h, sai do emprego às 6 da tarde, pega o filho às 7 e chega em casa às 8 da noite e mora sozinha?
Ela vai passar duas horas em casa preparando almoço, jantar e lanche pro filho levar na creche? Não, ela tem que tomar banho, dar banho no filho, limpar, passar roupa... Nós vivemos numa sociedade em que a comida não tem espaço importante porque há coisas que te enchem a barriga de um jeito muito fácil e barato. Por isso você vê pessoas tomando refrigerante e salgadinho no café da manhã, no ponto de ônibus. Mas essas pessoas não podem ser culpadas. Elas precisam aprender e alguém precisa ensinar.
Quando eu visitei a escola Fernão Dias [uma das escolas ocupadas pelos secundaristas em protesto ao projeto de reorganização escolar proposto pelo governo estadual], a comida da escola era muito ruim. Não dava nem pra comer.
Por isso é tão importante voltar à comida boa nas escolas. Para que as merendeiras sejam valorizadas, para que as crianças comam comida fresca, feita por alguém que gosta de cozinhar, tenham hortas nas escolas para entender de onde vem a comida. Uma vez que você aprende isso na escola, você nunca mais vai escolher comer um salgadinho com refrigerante no café da manhã. Essa escolha existe por vários motivos. Porque você nasceu comendo isso, porque hoje tem crianças tomando refrigerante na mamadeira, porque tem mães que dão sacos de 5 kg de salgadinhos porque é barato e porque elas podem acessar isso, e por que é “gostoso”.
Quando eu visitei a escola Fernão Dias, a comida da escola era muito ruim. Não dava nem pra comer. Era uma comida que vinha embalada no vácuo já cozida: feijão, bolinho de frango, cozidos em óleo de soja, com sal, fécula de milho, açúcar. Se você come isso, um hambúrguer de multinacional é uma delícia, é saboroso. Mas se você come comida gostosa, um arroz e feijão bem feitos, um ovo, uma couve refogada, um bife, uma mandioca, o que seja que você possa comer, você não vai gostar da outra coisa. Por isso é tão importante ensinar a comer comida normal, fresca, sem gourmetizaçoes. E as escolas são o berço de milhões de pessoas.
Confira as receitas prepradas durante a oficina:
Hummus de beterraba
Passe no liquidificador as beterrabas cozidas (podem ser cozidas na água com sal ou assadas inteiras no forno com casca sobre uma caminha de sal grosso) com tahine, alho fresco, suco de limão, sal marinho e azeite de oliva.
Piccolo frito
Pode ser feito com Peixinho, couve-flor, folhas de couve-flor, folhas de cenoura, folhas de erva-doce, folhas de brócolis, brócolis, couve, tomates verdes etc.
Para o preparo da massa:
- 4 xícaras de farinha de trigo
- 2 xícaras de soro de leite, ou colocar 1 colher de sopa de suco de limao no leite e usar
- sal a gosto
- 1 xícara de semolina ou de farinha de milho.
-Aproximadamente 4 xícaras de óleo para fritar.
Misture a farinha de trigo com o leite e sal e deixe descansar por alguns minutos.
Aqueça o óleo, prepare um prato com papel secante, papel de cozinha ou guardanapos de papel, e prepare uma escumadera.
Passe as verduras escolhidas na mistura com um garfo e depois apoie delicadamente sobre a semolina ou a polenta.
Frite em óleo quente, seque no papel e sirva de imediato.
Empanada de taioba
Para o recheio:
- 800 g de cebola brunoise
- 10 dentes de alho picado
- 200 g manteiga
- Azeite
- 500 g de taioba chiffonade
- 250 g de escarola chiffonade ou ora-pro-nóbis ou folha de brócolis
- 1 colher de chá de pepperoncino
- 1 colher de sopa de noz moscada
- 1 xícara de creme de leite
- 600 g de ricota peneirada sem espremer
- 300 g de muçarela ralada grossa
- Para finalizar, ovos cozidos de 8 minutos.
Em uma panela grande de fundo grosso, coloque a manteiga e um fio gordo de azeite. Cozinhe a cebola e o alho até ficarem transparentes. Acrescente a taioba e a escarola e cozinhe até ficarem murchas, tomando cuidado pra não cozinhar demais e deixar as folhas pretas. Tempere com pepperoncino e noz moscada.
Incorpore o creme de leite. Deixe cozinhar na panela até engrossar. Despeje em uma assadeira e deixe esfriar.
Uma vez que a preparação estiver fria, acrescente a ricota e a muçarela ralada. Para montar, acrescente o ovo picado.
Recheie as empanadas, faça o repulgue. Espete com um garfo e leve a forno quente, a 180 graus, até ficarem bem douradas, como na foto.
Se quiser, pincele com uma mistura de gema e leite antes de ir para o forno e polvilhe com açúcar.
Comer é Mais
O Projeto trouxe ao público do Sesc Belenzinho, ao longo de 3 anos, reflexões e conhecimentos sobre o mundo da comida para além do ato de comer. Personagens que praticam, que estudam, que escrevem, que ensinam, que colecionam, que compram, que fazem, que cultivam, que vendem ou que lidam com o tema comida sob algum aspecto, participaram de oficinas, bate-papos e vivências ao longo do projeto.
Neide Rigo - Curadora
Neide Rigo é nutricionista formada pela USP e sempre foi interessada por ingredientes pouco conhecidos, esquecidos ou desvalorizados. Pesquisa não só esses produtos, mas também o cultivo e a maneira como podem ser preparados. Foi colaboradora da coluna Cozinha da revista Caras. Junto das chefs Mara Salles e Ana Soares, ministrou várias oficinas de gastronomia no evento Paladar – Cozinha do Brasil e no encontro Terra Madre, em Turim (Itália). É membro do Slow Food, já deu oficinas sobre cereais locais em duas viagens ao Senegal e participou recentemente de um projeto de alimentação coletiva na faculdade de nutrição da USP, com oficinas de culinária em Acrelândia (AC), ensinando o preparo de plantas comestíveis encontradas no espaço urbano. Participa atualmente de um projeto de oficinas para merendeiras no sertão da Bahia. Suas descobertas são compartilhadas em seu blog, o Come-se e também em sua coluna Nhac, no caderno Paladar do jornal O Estado de São Paulo.