Postado em 23/12/2016
Concretude poética
Ensaísta norte-americana comenta aspectos da produção de uma geração de autores brasileiros que revolucionou a arte da escrita e sua recepção no exterior
Professora de Humanidades da Universidade Stanford, na Califórnia, Marjorie Perloff direciona seu trabalho acadêmico e crítica literária na busca por novos referenciais para a poesia e seus autores.
Marjorie esteve no Centro de Pesquisa e Formação traçando um mapa comparativo entre a poesia concreta experimental produzida nos Estados Unidos e a produzida no Brasil. Durante o encontro, enfatizou sua alegria em retornar ao Brasil, país que visitou há mais de 30 anos.
A autora destaca que o seu interesse pela poesia concreta se intensificou a partir da publicação do livro O Momento Futurista (Edusp, 1993). Também publicou A Escada de Wittgenstein: A Linguagem Poética e o Estranhamento do Cotidiano (Edusp, 2008), entre outros títulos que a tornaram conhecida nos estudos culturais e reforçaram sua voz como pensadora da produção contemporânea.
A seguir, os principais trechos de sua análise sobre a poesia concreta brasileira.
Visão de fora
No final do século 20 nos Estados Unidos e na Inglaterra (onde a poesia concreta nunca se enraizou), o experimento brasileiro era visto como ideologicamente incorreto.
Os conceitualistas norte-americanos dos anos 1960-1970 ignoraram o concretismo por o considerarem um movimento com tendência europeia. Achavam que o poema tipicamente concreto fazia o pior tipo de conexão comercial possível. Se pegarmos Viva Vaia [poema de Augusto de Campos escrito em 1971], eles pensariam: é muito bonito, inteligente, mas qual a mensagem política expressa? Acho que levaram algumas décadas para se acostumar com o fato de que a poesia prescindia desse tipo de mensagem.
A poesia concreta gerou muito interesse no Brasil, na Suíça. Fez muito sucesso onde a língua matriz não era a inglesa. Era muito diferente, pois se tratava de uma espécie de poesia global na época, a qual poderia ser lida como uma declaração e ser compreendida não somente na sua própria língua. Por sua vez, o conhecimento da língua é importante para entender o contexto. O poema Viva Vaia é muito político. Foi um pensamento explicitado em forma de monumento.
No entanto, poesias de caráter visual se comprometeram a explorar o espaço da página tipográfica. Temos que basear o concretismo na história para entender a sua relação com as duas guerras mundiais e também as culturas produzidas a partir desse movimento.
Em 1953 o poeta sueco-brasileiro Öyvind Fahlström publicou o “Manifesto da Poesia Concreta”, impresso num panfleto em francês e italiano. De caráter técnico, defendia o fim da sintaxe, das formas verbais – exceto o infinitivo – e da pontuação em favor das imagens. O conteúdo é pensado como elemento unificador do texto poético.
O som do poema é enfatizado pela cor e aparência visual da página. Logo, a dança do intelecto pela palavra ocorre por todo o poema.
Experiência digital
Augusto de Campos disse que a tecnologia digital introduzida no século passado valida as especulações literárias dos anos 1950, bem como as nossas experiências com a poesia visual. Ele contou que desde os anos 1990 produziu poemas e animações poéticas no computador. Os poemas em cores que fez nos anos 1950 digitando horas e horas em cópias de carbono era um processo quase impossível. Hoje em dia sua produção é facilmente digitalizada.
No meio dos anos 1960, Augusto de Campos fez poemas gramáticos importantíssimos, como Luxo / Lixo, no qual a palavra luxo é transformada perante nossos olhos. Tivemos a oportunidade de ver isso na exposição retrospectiva REVER – Augusto Campos [em cartaz no Sesc Pompeia no primeiro semestre de 2016]. Antigamente isso era escrito em uma página e hoje é reproduzido num vídeo do poeta e seu filho Cid Campos, em que você pode ver realmente essa transformação do luxo para o lixo.
No sentido metafórico, há a transcriação, ou seja, a tradução criativa do trabalho.
Augusto de Campos procurou textos não traduzíveis para esclarecer o ponto que somente está acessível ao autor do poema. O poeta traduzido então se torna ou título ou objeto, em vez do próprio poeta. A tradução de Augusto para William Blake, O Tigre, demostra isso. A poesia como arte da linguagem serve de instrumento para avaliar a ordem social e é necessária para reavivarmos nossa capacidade de pensar e de produzir sentidos.
Com as ferramentas digitais, as possibilidades são infinitas para esse tipo de arte. Coisas maravilhosas foram feitas, Augusto tem digitalizado obras antigas que eram originalmente analógicas. De forma geral, quem pensou que a poesia concreta teria esse potencial, uma vez que não sabíamos que a era digital de fato chegaria?
::