Postado em 01/12/2016
Assim que foi sacramentada a vitória de Donald Trump nas eleições presidenciais dos Estados Unidos, o Twitter da cultuada série "Black Mirror" - da Netflix - publicou um post que, como não poderia deixar de ser, viralizou rapidamente nas redes sociais: "Isto não é um episódio. Isto não é marketing. Isto é realidade".
Célebre por seus deploráveis comentários machistas e xenófobos, diametralmente opostos a qualquer princípio identificado com a causa dos direitos humanos, Trump não poderia passar batido aos realizadores desta série que problematiza, com qualidade bem acima da média, o impacto da tecnologia sobre nossas vidas.
A ascendência de "Black Mirror" - e de outras produções do gênero - sobre seus fieis públicos permite afirmar, sem medo de ser feliz, que o audiovisual é a expressão cultural e artística por excelência do nosso tempo. Ele não marca presença apenas na internet, seu habitat preferido, mas também está nos museus, nas salas de aula, nos eventos esportivos.
Em outras palavras, o espírito da nossa época está completamente impregnado da necessidade de construir e veicular imagens que, não raro, nascem e se exaurem num piscar de olhos. Não por acaso, o pensador italiano Giovanni Sartori brinca com a existência de uma nova espécie humana na linha evolutiva: passamos do Homo Sapiens para o Homo Videns. Ou seja, nos metamorfoseamos do "ser que sabe" para o "ser que vê". Hoje, é impossível conceber qualquer transmissão de conteúdo eficaz e massiva que não contenha um suporte em vídeo.
Localizemos, então, essa discussão no Brasil, onde os anos mais recentes (e pra lá de conturbados!) mostram como as políticas de promoção dos direitos humanos andam de mãos dadas com a popularização da tecnologia audiovisual - uma relação que também desperta intensos conflitos de interesses.
Um dos casos mais emblemáticos é o do programa "Escola Sem Homofobia", nascido e abortado no ano de 2011, ainda no governo de Dilma Roussef. Para quem não se lembra dos detalhes, o projeto consistia na distribuição de materiais didáticos e de uma série de vídeos, coordenados pelo Ministério da Educação, com o objetivo de combater preconceitos contra a comunidade LGBT nas escolas brasileiras.
O programa foi injustamente acusado de fazer "apologia à homossexualidade" nas salas de aula e despertou forte reação da bancada religiosa e conservadora que já naquela época avançava a passos largos no Congresso Nacional. Dessa maneira, uma promissora política de respeito a minorias foi sumariamente interrompida com base em dogmas cristãos obscurantistas.
Mas esse foi apenas o começo de um dos capítulos mais turbulentos da nossa história. De 2011 para cá, uma verdadeira primavera de movimentos - não só da comunidade LGBT, mas também de negros e de mulheres - se consolidou na luta por direitos humanos básicos no Brasil, ao mesmo tempo em que também se fortaleciam grupos políticos que se autointitulavam conservadores.
O resultado é conhecido por todos: o país virou de cabeça para baixo, com manifestações e conflitos explodindo nas ruas e nas redes sociais. Na esteira destes tempos tão belicosos, inúmeras campanhas nasceram - pelo direito ao casamento entre pessoas do mesmo sexo, pelo fim do machismo e da cultura do estupro, pelo combate ao racismo e pelo respeito às religiões africanas. Numa velocidade jamais vista na história da humanidade, timelines foram inundadas com vídeos e animações contendo todo tipo de informação: de denúncias de abusos policiais a pedidos de colaborações para filmes identificados com a causa LGBT.
Sem sombra de dúvida, não há nada mais contemporâneo do que a relação umbilical entre os direitos humanos e o mundo do audiovisual. Evidentemente, este não é um fenômeno que acontece apenas no Brasil. A profusão de vídeos dedicados a rebater as barbaridades ditas por Donald Trump, por exemplo, mostra que o principal cavalo de batalha contra as ideias medievais que ainda teimam em assombrar a humanidade é mesmo o audiovisual. Até porque, mais do que expressão cultural e artística, ele também é a fonte de informação primordial dos nossos tempos. E, tendo em vista o nebuloso futuro próximo que aguarda o planeta, só nos resta torcer para que sejamos hábeis na edição de sons e imagens que abram a cabeça das pessoas.