Postado em 11/11/2016
Uma jovem negra. Pobre. Filha de mãe solteira que a teve com apenas 13 anos. Vítima de abuso sexual na infância. Percorreu o doloroso caminho da prostituição e das drogas.
Um retrato atual, realidade de muitas jovens jogadas nas esquinas da desigualdade social pelos subúrbios do mundo. Mas essa história tem uma trilha sonora especial, o Jazz, e tem como pano de fundo a Nova Iorque dos anos 30 e 40.
O cenário de desilusão e sofrimento é reforçado por uma sociedade segregada, onde todo o tipo de discriminação e humilhação era imposta a seres humanos, pelo simples fato de terem nascido negros. A protagonista desta história é a jovem Eleanora Fagan, mas este nome poucos conhecem.
Certo dia desesperada por conseguir alguns trocados para tentar sobreviver junto com a sua mãe, na dificuldade de uma existência que até então, não parecia ter razão de ser, ela adentra um bar: precisavam de dançarinas. Não sabia dançar, mas a ela esse fato pouco importava. Seus primeiros passos desengonçados e completamente sem ritmo não a levariam a lugar nenhum, não fosse pelo fato de que ao cantarolar a letra, chamou a atenção do pianista do bar, que acabou a contratando pelo preço das gorjetas. Foi assim que ela conheceu Billie Holiday, o nome que deu a si mesma para apresentar-se publicamente. Foi assim que o mundo teve a chance de conhecer a mais bela voz feminina do jazz de todos os tempos.
Ela não entendia de música, não sabia ler partituras, apenas cantarolava Bessie Smith e dançava Louis Armstrong, quando queria fugir da solidão de um mundo que não tinha lugar para ela.
Não demorou muito para tornar-se uma grande estrela da música, frequentar os melhores palcos do jazz da época e tocar com todos os grandes artistas do seu tempo, inclusive, quem diria, Louis Armstrong.
Uma vida glamourosa, uma garota jovem, negra e bem sucedida nos Estados Unidos pré Martin Luther King, Jr. Parece um pouco demais não? E realmente era. A realidade é que apesar do talento inconfundível, da voz marcante, do timbre rasgado como um instrumento de jazz, da forma sútil como articulava as palavras e dava a elas um significado especial. Ela gravava demais, cantava demais, porém pouco recebia em direitos autorais, era explorada pelas gravadoras, mas continuava cantando, era o que ela podia fazer para sobreviver.
Nunca foi feliz no amor, foi espancada, traída, abandonada, e essa dor que carregava engrandecia ainda mais suas canções, ela transformava em melodia a melancolia que habitava a sua alma.
A dor mais profunda era uma fruta de sabor amargo: o racismo que assolava a sociedade levando ao linchamento brutal negros, por motivos torpes (como não dar lugar a um branco em um ônibus). Cenas de negros mortos pendurados em árvores eram vistas com prazer pela plateia branca e reproduzida amplamente pela mídia, até mesmo em cartões postais. Chegou um momento em que essa dor, virou canção, “Strange Fruit” escrita por Lewis Allan, denunciava uma ferida que muitos fingiam não enxergar. A canção mais polêmica, mas a de mais sucesso de sua carreira, cantada até hoje, símbolo da luta contra a discriminação racial.
Billie não conseguiu aplacar sua dor e aos 44 anos viu-se numa cama de hospital, consumida pelas drogas, que nunca deixou de usar, presa por tráfico de drogas, sem dinheiro, com cirrose hepática, respirando o último acorde da canção de sua vida.