Postado em 26/10/2016
Em outubro, o mar da Baixada Santista se coloriu de rosa-choque. A bordo dos “dragon boats” (embarcações de origem chinesa) dezenas de sobreviventes do câncer de mama se reuniram para remar, mostrando que existe sim vida após o câncer – e ela pode ser vibrante, cheia de energia e companheirismo.
Esse foi o resultado do Festival Ka Ora Brasil, que esteve presente no Sesc Santos com a palestra do canadense Don MacKenzie, médico e professor do Departamento de Medicina Esportiva da Universidade de British Columbia. Em suas pesquisas, ele mostra como o exercício físico, sob orientação médica, pode ajudar na recuperação das mulheres durante e após o tratamento, contribuindo para evitar complicações e reduzindo as chances de reincidência do câncer: “As mulheres que praticam exercício têm menor risco de desenvolver linfedema [inchaço que aparece com frequência nas pacientes após o tratamento do câncer], e maior chance de completar as sessões de quimioterapia com sucesso, com risco 65% menor de ter câncer novamente”.
Além disso, há o ganho na questão psicológica e na saúde mental: “Ao começar a se exercitar, elas encontram outras pessoas que estão passando pela mesma situação, então recebem apoio, conselhos”, relata o professor.
Aqui simbolizada pela canoagem, a atividade física regular é um dos fatores importantes não só para o tratamento como também para a prevenção do câncer, e para a promoção da saúde como um todo. Combinada a uma alimentação saudável e à possibilidade de conviver em grupos, participando de atividades sociais que estimulem trocas e construção de laços, gera condições para um estilo de vida saudável, considerando a saúde de forma ampla.
Pensando na prevenção do câncer, como doença multifatorial, esses são elementos essenciais, como aponta o médico Gil Facina, especialista em mastologia e professor da Escola Paulista de Medicina (UNIFESP). Ele conversou com a gente e respondeu a algumas dúvidas sobre o assunto. Confira:
EOnline: Além da genética, quais fatores podem influenciar o aparecimento do câncer?
Gil Facina: O câncer de mama é considerado doença multifatorial, ou seja, é a somatória dos fatores que irão influenciar o risco. Sabe-se que uso de hormônios para o tratamento dos sintomas da menopausa, uso de contraceptivo hormonal, obesidade, ingestão de bebida alcoólica, tabagismo, sedentarismo, dieta rica em gordura de origem animal, primeira gravidez após os 35 anos de idade, são fatores clássicos associados à maior incidência da doença. Entretanto, há condições em que o benefício da terapia supera o risco, como nos casos do uso do hormônio (reposição hormonal) para o tratamento da osteoporose. A melhora do estilo de vida, dieta balanceada e exercícios físicos rotineiros pode reduzir o risco de desenvolver a doença em até 30%.
EOnline: A incidência é maior hoje do que antigamente?
Gil Facina: Sim. Devido aos fatores enumerados anteriormente, principalmente pelo estilo de vida moderno, se observa maior número de casos em todo o mundo. No Brasil, em média, temos aproximadamente um novo caso a cada nove minutos.
EOnline: Qual a importância da mamografia? Qual a indicação desse exame?
Gil Facina: A mamografia é o principal exame para o rastreamento. Deve ser feito para todas as mulheres, anualmente, a partir dos 40 anos de idade. Esse exame pode identificar a doença precocemente. Isto fará com que a paciente tenha um tratamento de menor porte (cirurgia conservadora) e com maior chance de cura. Nos países onde a grande maioria das mulheres realiza anualmente a mamografia, se observa redução de até 1/3 das mortes pelo câncer de mama.
EOnline: E o exame de toque?
Gil Facina: A importância reside no autoconhecimento da paciente e na conscientização do problema, porém sempre deve ser associada à mamografia. Isoladamente o autoexame tem pouca eficácia.
EOnline: Em sua opinião, campanhas como o Outubro Rosa contribuem para conscientizar as mulheres? Como?
Gil Facina: Esse é o verdadeiro objetivo da campanha! A conscientização para o diagnóstico precoce, a quebra do mito da doença e a difusão da informação que o câncer de mama tem cura quando diagnosticada em fase inicial.
EOnline: A amamentação é apontada como um dos fatores de proteção. Há outras formas que ajudam a prevenir o câncer de mama?
Gil Facina: A amamentação pode reduzir o risco, porém o maior impacto ocorre quando a mulher tem uma gravidez em idade jovem, ou seja, abaixo dos 30 anos. Quando não tem filhos ou a primeira gravidez é tardia (acima dos 35 anos) ocorre aumento do risco.
A prevenção para a mulher está associada à melhora do estilo de vida. Exercícios e dieta saudável, redução da ingestão de álcool e gordura saturada (de origem animal), redução do uso de hormônios (quando necessário, sempre usar na menor dose possível e pelo menor tempo). São fatores que levam à menor incidência da doença.
EOnline: O que caracteriza a pré-disposição genética para o câncer de mama? Que cuidados deve tomar quem tem essa pré-disposição?
Gil Facina: Apenas 10% dos cânceres de mama estão associados às mutações genéticas herdadas. As pessoas portadoras de gene alterado, que pode ser transmitido para os familiares, têm até 70% de risco de ter um câncer de mama. Algumas características podem fazer com que o médico suspeite que a família seja portadora de gene alterado. Isso ocorre quando há vários familiares com cânceres de mama ou outros, como os de ovários, pâncreas, melanoma, próstata, etc. Geralmente o câncer aparece em idade jovem (abaixo de 40 anos), são tumores agressivos, algumas vezes bilaterais e podem, inclusive, causar doença em homem da família. Idealmente o paciente que tem o câncer nas condições acima, deveria fazer um teste genético para identificar o gene causador da doença. A partir do achado do gene mutado, os familiares sem o câncer podem ser testados e, para os indivíduos portadores há necessidade de se realizar orientações específicas para um rastreamento mamário mais intenso com a adição da ressonância magnética além da clássica mamografia.