Postado em 28/10/2016
Biólogo e pesquisador fala sobre cidades globais e as possibilidades de estudo interdisciplinar da capital paulista
Professor do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP), Marcos Buckeridge é também pesquisador associado do Instituto de Estudos Avançados (IEA), onde coordena o programa Cidades Globais, da USP. Lançado em julho deste ano, o programa reúne pesquisadores que abordam o bem-estar e a qualidade de vida na metrópole paulistana. Em suas pesquisas, Marcos dedica-se à fisiologia de árvores urbanas e sua importância para as cidades. Nesta entrevista, ele fala sobre cidades globais e sobre como a capital paulista pode ser considerada um laboratório para estudos de problemas e soluções em megacidades.
O que define uma cidade global?
Uma cidade global é uma cidade influente. Existe um ranking elaborado desde 2008 por uma consultoria de Chicago chamada A.T. Kearney que cria certos parâmetros para ranquear cidades. Estar entre as cidades globais independe do tamanho. As cidades globais são as que mais influenciam o mundo por meio da produção de inovação, nível educacional, cultura, política, bem-estar e negócios. Hoje, as cinco primeiras são Londres, Nova Iorque, Paris, Tóquio e Hong Kong. Desde 2008, São Paulo tem estado entre as 35 principais cidades. Hoje, está em 34º lugar, acima de Roma, por exemplo. Na América Latina, só fica atrás de Buenos Aires. São Paulo figura fortemente como cidade global, enquanto o Rio de Janeiro, que é tão conhecido no mundo, está em 50º. A USP, a Bienal de São Paulo, entre outros diferenciais, são pontos importantes para essa diferença.
Na história do mundo, nunca tantas pessoas viveram em aglomerações desse tamanho antes. O que está por trás disso?
As cidades aparecem quando o ser humano desenvolve a agricultura. É o momento em que as pessoas começam a fazer moradias mais próximas e os grupos aumentam. Com caçadores e coletores estima-se que os grupos não passavam de cem pessoas. Com a agricultura, esse número explodiu para agrupamentos de mil pessoas, que eram as grandes cidades de milhares de anos atrás. Isso vai evoluindo até chegar aos egípcios e chineses, que são os símbolos maiores desse modelo, pois eles misturam a parte da cognição com a agricultura. Na América do Sul isso acontece de maneira diferente. Formaram-se cidades muito grandes, como no Império Inca. Saltando para a idade medieval, na Europa, as cidades já cresciam de maneira diferente. A partir da Revolução Industrial, e com a chamada segunda revolução verde, aumenta muito a capacidade de aprimorar a agricultura, e a população cresce até chegar ao ponto em que estamos hoje. Espera-se que, em 2050, a urbanização atinja 90% do planeta.
Qual o objetivo do programa da USP em relação a São Paulo, como cidade global?
O nosso raciocínio é que temos na USP um grande número de pesquisadores que estudam a cidade e buscam compreender o que está acontecendo. Temos especialistas, por exemplo, em logística de distribuição de alimentos, urbanização, educação ambiental, biodiversidade, envelhecimento. O programa montou uma estrutura que funciona como um guarda-chuva para diversos projetos, criando caminhos interdisciplinares para melhorar o bem-estar. Começamos a trabalhar reunindo grupos da universidade interessados em cidades e montamos um questionário muito simples perguntando quais eram os maiores desafios para atingir o bem-estar, na opinião desses especialistas, e as soluções deque propunham. Depois, com o Instituto de Matemática criamos espécies de nuvens de palavras e mesclamos essas nuvens em redes de palavras. Assim, conseguimos saber o que esses especialistas estão pensando e como correlacionam as palavras que usam. Agora, vamos aperfeiçoando isso, para que a USP ofereça uma base científica a fim de que a cidade não continue trabalhando na forma de mosaico, mas de modo integrado.
Isso é possível, diante de um elenco de assuntos imenso?
Essas redes são hierárquicas. Ao mesmo tempo que há um elenco de assuntos enorme, há assuntos que têm o poder de alterar a rede como um todo, no sentido de melhorar a vida das pessoas. A teoria por trás do Cidades Globais é que nós, até então, não temos uma visão cientificamente embasada do que é essa rede. Muitas vezes, os executores das políticas públicas tentam resolver problemas que não são os problemas que alterariam de fato a vida na cidade. A ideia é criarmos um embasamento científico que mostre os nós importantes. É um mecanismo totalmente original de São Paulo. Hoje, as cidades globais trabalham desconectadas. Muita gente pensa a interdisciplinaridade, mas que eu saiba esse tipo de abordagem que estamos fazendo aqui é único.
O que esse olhar interdisciplinar pode trazer para a cidade?
Essas conexões interdisciplinares, quando colocadas nas redes de palavras, vão gerar o que chamamos de propriedades emergentes. A definição com que trabalho é a seguinte: “multidisciplinar” é quando disciplinas correm em paralelo e nunca se cruzam, enquanto “interdisciplinar” é quando disciplinas correm em paralelo e se cruzam, e aí geram propriedades emergentes. Transdisciplinar, por outro lado, seria quando uma pergunta parte da sociedade e os cientistas se agregam para respondê-la, por exemplo. Pouca gente sabe, mas antes de Isaac Newton a Física e a Matemática não tinham nada a ver uma com a outra. Hoje, elas são muito próximas. Ou seja, a física moderna é uma propriedade emergente da interligação. Essas junções de propriedades emergentes só podem ser feitas quando o conhecimento amadurece. Você pode, então, começar a pensar em reunir a questão da poluição, das árvores e da saúde na análise da cidade, por exemplo.
O que surgiu dessas junções de grupos de pesquisadores?
Quando montamos a primeira nuvem de palavras, aparecem palavras mais evidentes, como transporte, educação, e outras menos, como organização, melhora, piora. A partir daí, é possível traçar e montar as redes. Mais do que isso, é possível também saber, na USP, o foco de atuação de cada instituto. Assim, é possível saber aonde ir, entender melhor o que tem sido estudado e montar uma estrutura para pensar a cidade de modo interdisciplinar. Nós não vamos resolver o problema da educação ou da segurança, mas pretendemos apresentar, cientificamente, as inter-relações, mostrando que tais e tais políticas públicas teriam maior probabilidade de funcionar.
A ideia da cidade como um centro econômico, cultural e de comunicação tem propiciado que as pessoas trabalhem em São Paulo e morem no interior do estado, por exemplo. Como você vê isso?
Isso ocorreu em Londres, por exemplo. As pessoas moram fora da cidade ou porque não têm condições de pagar a habitação lá ou porque querem mais tranquilidade. Isso depende de como a cidade evolui, e passa por questões do envelhecimento populacional também. Hoje, São Paulo está moldada para pessoas mais jovens, mas, se começarmos a pensar como o idoso vai usar os aparelhos da cidade de uma forma diferente, você pode atrair o idoso para cá. Existem bairros que são literalmente como cidades pequenas, em que você pode fazer tudo a pé. Esse mosaico de viver é que vai precisar ser pensado. Recentemente, os paulistanos têm se apropriado mais da cidade. Isso é algo novo, as pessoas têm andado mais na rua. Precisamos mudar a atitude das pessoas em relação à cidade, e isso vai acontecer gradativamente nos próximos anos.
Hoje se fala nas chamadas smart cities, as cidades inteligentes. Você acredita que essa ideia pode ser desenvolvida em São Paulo?
Há problemas, como o trânsito, que são questões logísticas que podem ser melhoradas a partir dessa ideia. São Paulo pode usar computação, como as smart cities têm feito. Londres, é um exemplo de cidade que tem usado mecanismos computacionais, e em nossas pesquisas temos tentado aprender com eles. Outra questão é como usar a internet nas coisas, ou seja, sensores em coisas que podem enviar informações. Por exemplo, se tivermos um chip em cada carro, podemos trabalhar o trânsito em um sistema computacional que dê rotas alternativas. Nós temos tido essa experiência com alguns aplicativos, mas isso poderia ser usado por prefeituras e governos para gerenciar o trânsito.
Em relação às árvores, você percebe que São Paulo tem se tornado menos ou mais arborizada?
Em relação à década de 1980, houve uma onda de plantio de árvores e preocupação de algumas prefeituras. Não se pode atribuir isso a ninguém. Hoje, segundo um mapeamento da prefeitura, há 650 mil árvores nas ruas de São Paulo. Uma empresa inglesa responsável pela criação do bairro de Higienópolis escolheu usar a árvore da espécie tipuana, que é responsável por 70% a 90% da nossa arborização hoje. As pessoas implicam porque não é uma árvore nativa, é colombiana, mas ela tem uma madeira forte o suficiente para aguentar bem as intempéries. Agora existe uma onda de usar ipês, que são nativos, mas ainda não se sabe como vai ser quando eles crescerem, e aí talvez a gente tenha que estudá-los novamente. O problema é que a população em geral despreza esses estudos sobre árvores. Seria importante ter um centro municipal de arborização que tratasse da parte científica, técnica, para estudar profundamente as árvores da cidade e entender onde colocá-las, coordenando as ações.
Como é o gerenciamento de árvores em outras cidades?
Paris tem um sistema de reposição muito interessante. Eles fazem a eutanásia da árvore, esteja doente ou não, quando ela atinge uma certa idade, porque estudaram e viram que a partir daquela idade ela vai se deteriorar, e então a substituem. Eles têm menos problemas com quedas de árvores e plantam novas árvores antes para que elas cresçam enquanto as anteriores envelhecem.
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