Postado em 24/10/2016
Em sua 3ª edição, para quem passa pela rua do Sesc São Caetano, o painel de ilustrações na fachada apresenta artistas convidados e uma mostra de seus trabalhos. Olhando de perto, detalhes são revelados e provocam novas percepções, uma aproximação à quem Desce pra ver!
Nesta edição as ilustrações do artista Eduardo Nunes chamam a atenção de todos que passam pela rua e no entra e sai da unidade. Eduardo de Amorim Nunes nasceu no Rio de Janeiro - RJ, cresceu em Mauá - SP e desde 2010 vive e trabalha em São Caetano do Sul. Estudou Design Gráfico na Belas Artes, escolheu a Ilustração e as Artes Visuais como áreas de atuação profissional. Atende clientes como Editora Abril, Editora Globo, Rolling Stone Brasil, O2 Filmes, Almap BBDO, HP Brasil e Folha de São Paulo. Além das ilustrações sob encomenda, produz trabalho autoral de desenho e pintura, participando de exposições e vendendo para clientes particulares.
"Da maior empreitada profissional à mais despretensiosa página de caderninho, viver e compartilhar a experiência do desenho continua sendo uma de minhas maiores motivações, e um de meus maiores prazeres."
EOnline: É a primeira vez que faz um trabalho ao ar livre? Qual foi a sensação com a escolha das músicas por exemplo. Como você poderia nos descrever essa experiência?
Eduardo: Não foi a primeira vez. Em 2010, na ocasião de uma exposição, desenhei em um muro na área externa do Alpharrabio, livraria e centro cultural em Santo André - SP. Mas posso dizer que este trabalho para o Sesc foi o maior que já fiz ao ar livre, e também com maior investimento de tempo. A equipe do Sesc me pediu que fizesse uma seleção de músicas para ser tocada durante o trabalho, para criar uma atmosfera para mim e para os visitantes. Escolhi música instrumental, principalmente jazz e heavy metal. A música foi importante, porque me ajudou na concentração e também na motivação, no entusiasmo em procurar criar algo com capricho, que pudesse inspirar as pessoas. Curiosamente, o próprio processo de trabalho pode ser comparado a uma sessão de improvisação musical. Há algumas ideias pré-estabelecidas, alguns temas e alguns instrumentos disponíveis, mas gosto de deixar que o desenho flua com liberdade, para que eu possa descobrir formas e seres interessantes pelo caminho.
EOnline: Suas figuras são bem marcantes e intensas. Alguém já perguntou se você é tatuador? Já fez algum trabalho desse tipo?
Eduardo: Sim, já me perguntaram. Gosto muito de tatuagem, e concordo que meu trabalho poderia funcionar bem nesse contexto.
Gostaria muito de experimentar algo assim, mas ainda não criei oportunidade.
EOnline: Qual foi a sua maior inspiração para se tornar ilustrador?
Eduardo: Começou na infância, com forte influência da família, da televisão e dos video games.
Meus pais sempre me estimularam a me expressar através do desenho, e sempre deixaram materiais à minha disposição, desde que era bem criança. Além disso, meu pai também trabalhava com design gráfico e ilustração, e era um desenhista sensacional, que me transmitiu muito da sensação de entusiasmo e diversão que conseguia extrair do desenho. Como desenhava desde cedo, eu acabava interpretando à minha maneira as coisas que assistia na televisão, ou jogava nos video games. Alguns dos desenhos mais antigos que ainda tenho guardados fazem referência às corridas de Fórmula-1 com o Ayrton Senna, aos super-heróis de seriados japoneses que passavam na extinta Rede Manchete, ou aos primeiros jogos eletrônicos com que tive contato, no início dos anos noventa. Desenhar era um jeito de incorporar esses mundos e personagens que eu curtia ao meu próprio universo. Escolher a ilustração como profissão foi uma maneira de me manter de alguma forma conectado a esse universo de entusiasmo e imaginação. Trabalho e “responsabilidades adultas” podem ter um lado bem árido às vezes. Trabalhar com algo que esteja ligado ao prazer e à fantasia é um bom contraponto, para manter a sanidade mental, a curiosidade e a motivação.
EOnline: Você é muito detalhista. Existe algum artista que tem o traço parecido com o seu? Quais artistas você se inspira ou admira?
Eduardo: Acredito que a maior parte dos desenhistas está sempre se influenciando mutuamente. Então, com certeza, dá pra reconhecer alguns laços de ‘parentesco gráfico’ entre meu trabalho e o de outros artistas. Quanto à inspiração, a lista de artistas favoritos é longa, mas algumas referências próximas e constantes para mim são Kako, Samuel Casal, Eduardo Schaal, Marcos Garuti, Weberson Santiago, Orlando Pedroso, Montalvo Machado, Gonzalo Cárcamo, Chico Nunes (meu pai), entre muitos outros. Devo citar também o Luiz Bagno, que foi meu professor na faculdade, e foi uma forte inspiração para que eu e alguns colegas seguíssemos no campo da ilustração.
EOnline: Quando você faz trabalhos sob encomenda para editoras por exemplo, consegue ter a liberdade de fazer o trabalho como gosta?
Eduardo: O nível de liberdade varia bastante. Há casos em que o cliente já tem uma ideia bem fechada do que deve ser ilustrado, e me contrata para que eu execute essa ideia graficamente. Em outros casos, o cliente está interessado não apenas na execução, mas também em minha capacidade de conceber uma ideia que funcione bem naquele contexto. Em geral, prefiro os trabalhos que me dão maior liberdade criativa, porque consigo criar algo usando meu próprio repertório de ideias, então parece que acontece uma harmonia maior entre forma e conteúdo, uma fluência maior na execução do projeto. Por outro lado, existe um aprendizado diferente quando sou desafiado a desenhar ideias de outras pessoas, ou mesmo quando tenho que modificar meu estilo de desenho, mesmo que isso não seja tão confortável no início.
EOnline: Como funciona o seu processo de criação dos desenhos? Quando você começa a ilustrar já sabe o que vai fazer ou normalmente muda de ideia?
Eduardo: Depende bastante do trabalho. Quando ilustro para revistas ou livros, por exemplo, normalmente rabisco várias ideias, escolho uma que mais me agrade, faço um esboço mais inteligível, e apresento ao cliente. Esse esboço funciona como um norte, que deverá ser seguido na produção da arte-final. Ainda que aconteçam improvisos pelo caminho, é um tipo de trabalho bem planejado e, de certa forma, precisa ser previsível. Mas quando desenho em meus cadernos, gosto de exercitar justamente o oposto. Muitas vezes, começo um desenho sem ter a menor ideia de qual será o resultado final. Vou descobrindo conforme adiciono linhas e formas. Pode sair um personagem, um cenário ou algo abstrato. Fazendo uma analogia com a música, eu compararia à improvisação no jazz, ou a uma jam session. Você tem à disposição todo o seu repertório de ideias e técnicas, e tem também todas as suas falhas e limitações. A partir dessa mistura, você improvisa seguindo uma linha mais ou menos lógica, e tenta atingir um resultado interessante e novo. Acho legal que é um tipo de abordagem que não faz grande distinção entre o erro e o acerto. Ambos são incorporados ao resultado. No caso do mural para o Sesc, como era uma área grande, eu fiz um esboço para me orientar em relação à composição da imagem, ao arranjo básico dos elementos, como se fosse um esqueleto para o desenho. Armada essa estrutura, me permiti improvisar bastante nos detalhes.
EOnline: Você já trabalhou com cinema?
Eduardo: Trabalhei. Em 2015, tive a oportunidade de integrar a equipe de animação para o longa-metragem “Zoom”, dirigido pelo Pedro Morelli. O trabalho foi desenvolvido na O2 Filmes, e usamos a técnica da rotoscopia, que consiste em produzir animação desenhada quadro a quadro usando como referência imagens filmadas, com atores reais.
EOnline: Qual foi o trabalho mais diferente que você já fez ou teria vontade de fazer?
Eduardo: Tenho me interessado cada vez mais pelos trabalhos que me oferecem mais liberdade criativa, inclusive trabalhos que dispensam um ‘briefing’. A sensação de liberdade e de ‘exploração errante’ é uma das minhas maiores motivações para desenhar. Por mais que eu também goste de ilustrar a partir de um texto ou de instruções específicas, acho que nada se compara à oportunidade de pegar uma folha em branco, uma tela ou uma parede e desenhar de maneira livre e intuitiva, explorando as formas que vão brotando, e descobrindo coisas que não teriam como ser descobertas se houvesse um ‘plano de voo’ muito definido. O próprio projeto “Desce pra ver!” foi um ótimo exemplo nessa direção. Meus limites eram o espaço (uma lona de cerca de dezesseis metros quadrados) e o tempo (cinco dias para executar o trabalho). Dentro dessas balizas, eu pude deixar o desenho e a imaginação correrem soltos. Espero fazer cada vez mais trabalhos que tenham esse espírito livre, sejam autorais ou encomendados, no papel, no computador, nas paredes, ou em suportes a serem inventados.