Postado em 30/09/2016
por Carlos Augusto Monteiro
Carlos Augusto Monteiro tem graduação em medicina, mestrado em medicina preventiva e doutorado em saúde pública pela Universidade de São Paulo (USP), e pós-doutorado pelo Instituto de Nutrição Humana da Columbia University. Desde 1989, é professor do Departamento de Nutrição da Faculdade de Saúde Pública da USP e desde 1992 coordena o Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde. O núcleo foi responsável pela assessoria técnica do novo Guia Alimentar para a População Brasileira, disponível no portal do Sesc em São Paulo, lançado pelo Ministério da Saúde no ano passado. A seguir, os melhores trechos do depoimento do professor, no qual ele fala sobre hábitos alimentares e saúde.
Carlos Augusto Monteiro esteve presente na reunião do Conselho Editorial da Revista E no dia 12 de agosto de 2016.
Autonomia
As pessoas perderam a autonomia sobre o que vão comer, seja porque há um estímulo muito grande ao consumo de alimentos ultraprocessados, seja porque a comida “de verdade”, in natura, é cada vez mais inacessível. Assim, o sistema alimentar tradicional foi sendo substituído por alimentos industrializados, ultraprocessados, a chamada “comida pronta”.
Esse mercado avança ano a ano, acompanhando a tendência que vemos de diabetes e obesidade. Os nossos estudos na área de epidemiologia têm mostrado essa relação. A proposta do Guia Alimentar não é que as pessoas voltem a plantar seus próprios alimentos. A indústria alimentícia tem um importante papel, sobretudo na produção de alimentos com duração maior e no acesso aos alimentos. O problema é que temos substituído o alimento de verdade por outros ultraprocessados, em que não é possível nem saber quais são os ingredientes.
Recomendações
A maior recomendação é uma alimentação à base de alimentos naturais ou minimamente processados e preparações culinárias, ou seja, alimentos que tenham sido preparados por você ou por outro ser humano. Claro que uma vez ou outra podemos consumir alimentos ultraprocessados, mas não podemos basear a nossa alimentação neles.
Além da saúde, existem outras perdas para uma sociedade que abdica de sua cultura alimentar. Perde saúde, em primeiro lugar, perde cultura, autonomia e o ambiente físico sofre. Esse sistema alimentar baseado em ultraprocessados depende da agricultura intensiva, agredindo a natureza e buscando uma homogeneização, já que esses alimentos em geral são feitos basicamente de soja, milho, açúcar e trigo.
Saúde Pública
A ideia, em termos de saúde pública, é pensar soluções que abarquem a maior quantidade de pessoas e então tratar os casos individualmente. As recomendações do Guia Alimentar não garantem que 100% das pessoas não tenham nenhum problema, mas garante que a maioria terá atendido as suas necessidades e aí, em casos específicos, são necessários nutricionistas e médicos.
Culturas Alimentares
O ser humano precisa da variedade. Um alimento vai fornecer fibra, outro proteína, outro cálcio, e precisamos dessa combinação. As culturas alimentares foram se desenvolvendo por seleção natural, e de acordo com o que é viável e o que existe em determinado local. Na natureza, em geral, quando você tem um alimento com proteína, ele também costuma ter fibra, então você tem apetite para alimentos-chave que vão compondo a sua alimentação. Com o alimento ultraprocessado, esse aprendizado não funciona mais.
A recomendação básica, portanto, é a diversificação dos alimentos e tentar acompanhar alguma cultura alimentar e usufruir desse patrimônio de conhecimento que foi acumulado. Quando começo a ter uma alimentação totalmente dependente de alimentos ultraprocessados, paro de ter esse aprendizado e dependo inteiramente do engenheiro de alimentos que criou aquela fórmula.
Falar de cultura alimentar não é falar apenas sobre o que você come, mas como você come e em qual contexto. Na Europa, por exemplo, principalmente na Itália, que tem uma cultura alimentar muito forte, as pessoas ainda vão almoçar em casa, param para almoçar. Isso faz parte da manutenção da cultura alimentar.
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