Postado em 01/09/2016
Eder José dos Santos Júnior nasceu em 1960, na capital mineira Belo Horizonte, e desde pequeno já mostrava talento para a arte. Começou a desenhar antes mesmo de aprender a ler. Aos seis anos de idade, logo após retornar de sua primeira sessão de cinema, pôs-se a desenhar o storyboard completo do filme; a fita era Branca de Neve e os Sete Anões e os esboços o artista guarda consigo até hoje. Cresceu e vive desde sempre na região da Pampulha, na sua cidade natal. Estudou na Escola de Belas Artes e na Fundação Mineira de Arte Aleijadinho. Foi designer gráfico e ilustrador de jornais e revistas, mas quando, na década de 1980, descobriu as possibilidades de uma câmera Super 8, começou a experimentar o vídeo como suporte em seus processos criativos. Muitas de suas obras exploraram e defendiam a união entre as artes plásticas e o audiovisual, o que fez de Eder um dos expoentes da videoarte no Brasil. São centenas de trabalhos entre videoinstalações, curtas-metragens, séries de TV e longas-metragens. Seus vídeos integram hoje os acervos permanentes do MoMA, em Nova York, e do Centre Georges Pompidou, em Paris, além de instituições nacionais, como a Associação Cultural Videobrasil.
O que o levou a trabalhar com o vídeo e como foi explorar as potencialidades desse meio no início dos anos 1980?
O amor pela imagem me levou a fazer isso, seduzido pelo cinema e pela televisão. Estava apaixonado pela imagem em movimento. Na época, eu desenhava storyboards. Tenho ate hoje uma coleção de desenhos que foram guardados por minha tia - o storyboard de Branca de Neve e os Sete Anões, de Walt Disney, por exemplo. Minas Gerais nunca teve uma produção de TV ou cinema muito extensa. Mesmo tendo um cara como Humberto Mauro, que transformou por completo nosso cinema, não temos ou não tínhamos uma tradição audiovisual. Com o vídeo, nós começamos uma história da imagem eletrônica em Minas Gerais. No Brasil, acredito que criamos um estilo mineiro de imagem.
A videoarte contribui ou influencia a produção audiovisual contemporânea seja no cinema ou na televisão? De que forma ela o faz?
Podemos dizer que, com o início do Festival Videobrasil, em 1983, e até sua terceira edição, o vídeo começou a influenciar profundamente nossa televisão. Antes, Glauber Rocha com o programa Abertura, na TV Tupi, já apontava para um jornalismo naturalista e ousado, seguido prontamente por Marcelo Tas, com seu programa Olhar Eletrônico, e Walter Silveira. Depois, acredito que o vídeo experimental – que desde os anos 1970 já era chamado de videoarte na Europa e nos Estados Unidos – vai transformando nossa cultura visual, invadindo as galerias e museus nos últimos 10 anos. Hoje nossa arte está muito digital.
Você já trabalhou com diversos formatos e tecnologias, seja no vídeo ou no cinema. Como vê os avanços tecnológicos de equipamentos e o acesso facilitado a eles?
Todos os esforços feitos pelas ditaduras militares na América do Sul contra o desenvolvimento da troca de informações entre os países através das TVs foram em vão, mesmo tendo os canais e imprensa como aliados. Com o surgimento do vídeo portátil todo o esquema de proteção e proibição da produção independente foi um “tiro pela culatra”. Pois nossa produção televisiva não acompanhou o desenvolvimento da linguagem e tecnologia dos novos equipamentos. Enquanto emissoras como a Rede Globo se resguardavam em um certo “padrão de qualidade”, o mundo mudou e nossa produção de imagem (artística e experimental) inventou um novo mundo. Nós do vídeo que sempre aceitamos todos os formatos estamos prontos para a ex-streaming TV. Nossa imagem tem estilo e é para todos.
As videoinstalações possuem um caráter presencial para contemplação do público. Nesse sentido, a internet pode ser uma forma de ampliar o acesso a obras e trabalhos em vídeo?
As videoinstalações estão mais relacionadas com as formas de ver e sentir. Estão mais próximas das salas de cinema. Proporcionam novas maneiras de ver imagem. Já a internet no avançado estado que estamos hoje, criou a nova TV. O futuro da TV chegou. E pegou de surpresa todas as redes de televisão de canal aberto. O cinema passa por profundas mudanças também. Ainda não chegamos ao mercado. Não acho que estamos perto. Acho que o mercado de distribuição é uma próxima etapa. Está aberto e em uma profunda mudança.
É preciso pensar em uma produção artística em vídeo específica e um novo tipo de fruição para as novas plataformas, como a internet?
A arte constrói plataformas; não se adapta. Ela cria novos meios. Tudo o que vemos é uma experiência já testada e construída pela experimentação. O mundo se cria e se adapta ao que é invenção do artista. Viva Santos Dumont.
Em uma de suas declarações, você disse que “cinema digital” não é cinema. Como vê hoje o avanço da produção digital nas grandes telas? O digital continua não sendo cinema?
Com certeza o cinema digital não é o cinema que eu conheço como cinema longa-metragem, com seus atores, seus papeis, suas histórias e conflitos feitos para serem vistos em um ambiente imersivo e importante para a imagem projetada. Cinema é o gigantismo da imagem em movimento. A fluidez e heteridade da imagem digital traz algo imediato que ocupa mais o lugar da TV e do “filme documental”. Não quero dizer que não se faz cinema digital. Hoje já estamos fazendo. A forma já se apropriou das máquinas. Uma nova forma sim surge à margem do rio... Digamos que temos agora a terceira margem do rio.
Quais as principais diferenças na criação em vídeo e película/cinema?
Bom, não sou especialista. Se soubesse entenderia melhor o que estou fazendo. Só sei que nunca pensei em fazer imagem para a televisão. Tenho admiração por imagens projetadas.
É possível estabelecer um diálogo mais próximo das artes plásticas com o cinema (ou até mesmo buscar um protagonismo dela na tela grande), explorando o tempo das imagens e o tempo das sensações?
Sempre foi. O cinema sempre esteve junto com a experimentação e a construção de novos universos e ressignificações da nossa realidade. E com a grande vantagem de chegar em lugares além do mundo tão exclusivo e especial das artes.
Através de sua contínua experimentação com a linguagem do vídeo e as artes visuais, você criou um filme de ficção científica. Como surgiu Deserto Azul e como foi o processo de produção?
Deserto Azul surge de uma maneira bem simples. Minha ideia era fazer um filme onde o roteiro fosse escrito por “imagens”. Eu cheguei a começar esta escrita com a Bolsa Vitae. Escrever um filme com imagens. A introdução do roteiro somente com imagens foi usada no projeto que ganhamos no Edital da Petrobras. Claro que foi abandonada esta ideia, já que os editais só aceitam roteiros escritos e devidamente formatados. O resultado desta ideia acabou nos ajudando a fazer uma história que não só foi construída pelo texto de Mônica Cerqueira, mas que teve uma narrativa visual muito forte baseada nos mundos imagéticos dos trabalhos (como instalações) de vários artistas contemporâneos brasileiros e internacionais. Esses mundos particulares e especiais dos artistas nos deram uma estrutura mágica para fazermos uma ciência da ficção brasileira.
Entre instalações, vídeos e cinema, quais são seus projetos futuros?
Espero a estreia de Deserto Azul nos cinemas e tenho um novo longa já em curso, Casa do Girassol Vermelho, baseado no conto de Murilo Rubião, um escritor do realismo fantástico brasileiro. Nossa produtora, também estou produzindo um longa documentário de Fabian Remi, o “Beyrary”, que conta a história de um menino branco criado com os índios caiapós no Xingu. Estamos também desenvolvendo uma série para TV, a 1986, que revive os anos do “plano Cruzado” no seio de uma família mineira que vive a crise do comércio de carne, pois o açougue é o ganha-pão da família. Nas instalações preparo uma exposição para 2017 no Festival de Arte Contemporânea Sesc_Videobrasil.