Postado em 02/09/2016
por Camila Hirotsu
Camila Hirotsu esteve presente na reunião do Conselho Editorial da Revista E no dia 13 de julho de 2016.
Doutora em Psicobiologia, na área de Medicina e Biologia do Sono, e especialista em Medicina Farmacêutica pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Camila Hirotsu coordena no Instituto do Sono da mesma universidade um estudo sobre a Epidemiologia do sono na Cidade de São Paulo (Episono). Iniciada em 2007, a pesquisa avaliou durante oito anos os hábitos de sono de 1042 pessoas pertencentes a diversas classes sociais e faixas etárias, dos 20 aos 80 anos. A seguir, os melhores trechos do depoimento de Camila, no qual ela fala sobre a importância de dormir bem para a saúde e como a rotina de sono pode ser avaliada na cidade de São Paulo.
Episono
Cerca de um terço da população que acompanhamos ao longo dos oito anos foi diagnosticada com apneia obstrutiva do sono, que é um distúrbio que afeta todo o organismo se não for tratado. A insônia também é uma queixa elevada, e 15% dos participantes foram diagnosticados com insônia crônica, distúrbio muito associado aos transtornos mentais. Traçamos o perfil e vimos que as pessoas que tinham apneia obstrutiva do sono eram mais velhas, geralmente homens, e que, independentemente de idade, classe, etnia e sexo, quem tem apneia tem associado um maior risco de diabetes e de sofrer infarto.
Ao longo desses oito anos, em geral, a população reduziu o tempo de sono em aproximadamente 30 minutos. O principal fator associado a isso foi o ganho de peso, que aumentou 15% nesse período. A população passou a dormir menos durante a semana e mais nos fins de semana. Isso mostra o indivíduo não respeitando o relógio biológico, o que é prejudicial. Isso acaba gerando o chamado jetleg social, já que a gente precisa seguir um ritmo.
Causas
O sono é regulado pelo ritmo circadiano, ou seja, temos alguns hormônios e algumas pistas ambientais que nos ajudam a dormir à noite. Um dos principais fatores é a temperatura corporal. Por isso, quando temos febre, dormimos mal. Temos uma redução do sono REM, ou seja, do sono profundo.
Quando dormimos, temos uma queda da temperatura corporal perto do horário de dormir. Se a gente fizer exercício, aumenta a temperatura do corpo, por isso fazer exercícios de manhã eleva a temperatura corporal e ajuda o corpo a despertar. Outro fator é o cortisol, hormônio do estresse, que nos faz ficar alerta. Se a gente não dorme, aumenta o cortisol.
O cortisol é um hormônio que tem um ritmo. Pessoas mais vespertinas, que dormem tarde e acordam tarde, têm o cortisol mais elevado em horários mais próximos ao meio-dia, e por isso o ritmo delas é mais tardio.
Um terceiro fator bastante afetado pela temperatura é a melatonina, um hormônio que produzimos no sistema nervoso central na glândula pineal. A glândula pineal fica bem próxima do hipotálamo, que rege o nosso sono e os nossos ritmos. A melatonina tem ação antioxidante no nosso corpo e só é produzida à noite. Além disso, é um hormônio que também induz o sono e sofre influência da luz. Na nossa retina temos neurônios sensíveis à luz ligados à glândula pineal, que só libera a produção de melatonina se tiver ausência de luz. Se estamos expostos à luz, aos aparelhos tecnológicos, não produzimos essa melatonina. Isso faz com que a pessoa durma mais tarde do que deveria e acumule aquele débito de sono.
Doenças neurodegenerativas
A gente manifesta essa privação de sono de diversas formas. O sono é uma forma de drenarmos, digamos assim, as toxinas que o nosso cérebro produz. É como se o sono fizesse uma faxina no nosso cérebro. Isso tem muito a ver com doenças neurodegenerativas, como o Alzheimer, que tem como causa o acúmulo de uma toxina chamada beta-amiloide. Quando a gente não dorme, há acúmulo de beta-amiloide, e se a gente tem um sono de pior qualidade, fragmentado, de qualidade reduzida e sem ritmo, estamos acumulando toxinas e aumentando o risco de desenvolvermos precocemente essas doenças neurodegenerativas.
Aprendizagem
Há dados mostrando como o sono pode afetar a aprendizagem de crianças. Em um estudo realizado com crianças em uma faixa pré-escolar, um grupo poderia ter a soneca da tarde e o outro não. Todas as crianças, antes da soneca, iriam aprender uma tarefa de linguagem e de memória. O grupo que não teve a soneca foi 50% pior do que o outro grupo.
Isso mostra que precisamos dormir para consolidar a memória. Não podemos ficar 100% ligados porque os neurônios vão produzindo toxinas e esse acúmulo precisa ser drenado. Quando dormimos, reforçamos as sinapses, ou seja, reforçamos a comunicação entre os neurônios.
Excesso e privação
No começo, os estudos sempre se focavam em mostrar os efeitos da privação de sono, já que dormir pouco e menos que seis horas seria maléfico. Recentemente, os estudos mostram que há risco tanto para quem dorme pouco quanto para quem dorme muito.
Uma metanálise, em que você pega todos os estudos sobre o tema, chegou à conclusão de que tanto quem dorme pouco quanto quem dorme muito tem risco de ter AVC e doenças cardiovasculares. Entre dormir pouco e muito, dormir muito aumenta o risco em cerca de 70%, enquanto dormir pouco aumenta o risco em 49%.
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