Postado em 02/09/2016
Nas margens da cidade, grupos e coletivos artísticos expandem a cultura paulistana
Em meio à efervescente vida cultural paulistana, algumas regiões no mapa da metrópole têm chamado a atenção pela profusão de ações culturais e artísticas: as bordas. É nas margens da cidade, em lugares como Grajaú, Campo Limpo, São Mateus e Itaquera, que tem nascido um novo olhar sobre a cultura da periferia – e, consequentemente, da própria capital paulista.
Nos muros, o grafite transforma bairros em galerias de arte a céu aberto. Em espaços públicos, um teatro feito em contato direto com as comunidades se expande. No audiovisual, ganha força uma autorrepresentação por quem antes só recebia olhares externos. Na literatura, saraus fortalecem a cena e se misturam a outras manifestações de poesia falada, como os slams. Na música, ritmos como samba e rap ganham roupagens conectadas com a atualidade. Na dança, afirma-se uma vertente contemporânea de expressões consolidadas, como street dance, danças afro e hip hop.
“Houve uma época em que se falava que era preciso ‘levar arte e cultura’ para a periferia. Hoje a gente percebe que a periferia exporta cultura, tem movimentos de vanguarda e uma produção intensa”, observa o artista plástico Mauro Neri, idealizador dos projetos Cartograffiti e Imargem. Isso reflete também uma nova dinâmica na relação centro-periferia: “Tanto a periferia tem vazado e acessado o centro, quanto o centro também vem pesquisar e buscar referências na periferia. Do movimento de grafite do Grajaú, por exemplo, despontaram grandes artistas que foram descobertos pelo centro. Essa troca faz semear muita coisa”.
Essa cena cultural da periferia paulistana se fortaleceu principalmente nos últimos 15 anos, avalia o mestre em Estudos Culturais pela Universidade de São Paulo Eleilson Leite, coordenador do Encontro Estéticas das Periferias, realizado em agosto no Centro de Pesquisa e Formação do Sesc. “É um fenômeno do século 21, mas que tem raízes anteriores. O hip hop nos anos 1990, por exemplo, abriu essa chave de pertencimento e um sentido de afirmação de ‘ser da periferia’”, explica Eleilson. Segundo o pesquisador, as políticas públicas também tiveram um papel importante nesse processo, como o edital municipal de Valorização de Iniciativas Culturais, de 2004, o projeto federal dos Pontos de Cultura, do mesmo ano, e a lei estadual que instituiu o Programa de Ação Cultural (ProAc), em 2006. Recentemente, em julho deste ano, foi aprovada também a lei municipal de Fomento à Periferia, após intensa mobilização de coletivos culturais periféricos. “Esse conjunto de políticas públicas tem fortalecido a cultura nas bordas da cidade. O discurso dos artistas da periferia do ‘nós por nós’ continua valendo, mas o apoio das políticas públicas também tem sido fundamental para a expansão da cena”, acrescenta.
Ressignificação
A articulação coletiva costuma ser a força que move essas ações culturais, ressalta o doutorando em Planejamento e Gestão do Território pela Universidade Federal do ABC (UFABC) Aluizio Marino, participante da rede de coletivos São Mateus em Movimento. “A trajetória da periferia é de autoconstrução coletiva, em que as pessoas precisavam construir suas próprias moradas a partir do seu esforço e da solidariedade de seus pares, em um território onde não havia quase nenhuma estrutura. Isso se traduz em movimentos e atores coletivos, o que também repercutiu nos movimentos culturais”, explica. “No bairro de São Mateus, por exemplo, os quintais de samba da década de 1960 e 1970 eram espaços de resistência ao regime militar. Os coletivos atuais trazem esse acúmulo dos movimentos anteriores, e tudo isso fica mais em evidência pelo acesso à produção de informação com as redes sociais e a internet.”
Para Mauro Neri, o grafite é um exemplo de como as manifestações culturais da periferia trazem à tona a questão do direito à cidade. “O grafite explicita isso muito bem quando trata do acesso, onde pode e onde não pode grafitar, quem pode ver. O grafite costura essa questão do direito à cidade, permeia o legal, o ilegal, tem a legitimidade e o apoio de parte da sociedade, mas muitas vezes é marginalizado e em outras é valorizado”, comenta.
Todas essas ações culturais, lembra Aluizio, são também políticas. “Por ser um grupo que vem de um território excluído, que não tem grandes investimentos, o fato de essa juventude se organizar em torno de uma movimentação cultural é uma ação política muito potente, que mostra outras possibilidades de pensarmos a cidade, a gestão dos equipamentos e da política cultural”, diz. Para o especialista, a discussão transborda para regiões não periféricas. “A cidade é conectada. Falar de periferia é falar da cidade, mas é também questionar uma das lógicas mais perversas de São Paulo, que é a lógica da segregação espacial. Quando você coloca a periferia em pauta, você está tratando da cidade como um todo”, completa.
Conheça alguns dos projetos, iniciativas e programações que movimentam a periferia paulistana
Sarau do Binho
Festival Nacional de Teatro do Campo Limpo
Criado em 2006, recebe grupos de várias cidades do país em diversos espaços da região, como CEUs e o Sesc Campo Limpo. A última edição ocorreu em outubro do ano passado.
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Feira Literária da Zona Sul (FELIZS)
Em parceria com o Sesc Campo Limpo, apresenta reflexões sobre o panorama atual da produção literária da cidade e suas relações nos diferentes territórios. Em setembro, a programação conta com oficina, palestra e bate-papo.
Conheça mais sobre a feira.
Festival Percurso
Realizado há três anos, o festival, do qual o Sesc Campo Limpo é parceiro, tem como proposta dialogar com a sociedade sobre economia solidária, cultura periférica e povos tradicionais, além de ter uma programação de shows gratuitos.
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Sacolão das Artes
Espaço sociocultural localizado no bairro Parque Santo Antônio e que é coordenado por um coletivo gestor formado por grupos culturais e moradores da região.
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Sarau Cooperifa
Movimento cultural que transformou um bar em um centro cultural. Há também edições realizadas em outros locais, como algumas já feitas em unidades do Sesc.
Conheça a fanpage do Sarau da Cooperifa.
Circuito Vozes do Corpo – Sesc Santo Amaro
Mostra anual de dança realizada em parceria entre o Sesc e o grupo Ninho Sansacroma. Em sua quarta edição, de 27 de setembro a 1º de outubro, traz um intercâmbio entre os artistas da zona sul e de outros pontos da cidade.
Conheça a programação no Portal Sesc em São Paulo.
Sarau Fala Guerreira
Realizado no dia 3 de setembro no Sesc Interlagos, no sarau o Coletivo Fala Guerreira convida poetas, cantoras da zona sul e participantes de diversos grupos, saraus e coletivos da região, como Sarau do Vinil, Carolinas Soltam Suas Vozes, Sarau Pretas Peri e Sarau da Ademar.
No Portal Sesc em São Paulo tem mais informações.
Slam do 13
Batalha de poesia falada com edição mensal realizada na plataforma do Terminal Santo Amaro (metrô Largo Treze), toda última segunda-feira do mês. Nas edições, há um artista convidado, lançando um livro ou CD e se apresentando para divulgar o próprio trabalho.
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Cartograffiti e Coletivo Imargem
Projeto de ocupação artística de muros e fachadas de Santana e região. Até 3 de dezembro, como parte do projeto, o Sesc Santana realiza a exposição ZN Lovers, que convida artistas do coletivo ZN Lovers a ocupar dois muros próximos à unidade.
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MAPA – Música Autoral Paulistana na ZN
No dia 1º de setembro, às 19h, ocorre apresentação de pré-abertura e divulgação da ação cultural “Eu, Tu, Eles, Nozes & Vozes 2016”, realizada anualmente pelo Cena Norte – Fórum de Cultura. A apresentação MAPA abre espaço para autores, compositores e músicos da zona norte e convidados, em clima de jam session.
Acesse a programação no Portal Sesc em São Paulo.
Ocupação Casarão
Localizada na praça ao lado da Estação Jardim Helena (CPTM), recebe atividades culturais diversas em uma gestão compartilhada do espaço por coletivos da região.
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Slam da Ponta e Slam Marginálias
O Slam da Ponta é uma batalha de poesia falada que acontece toda primeira sexta-feira de cada mês no Instituto Reação Arte e Cultura, localizado na Cohab 2, em Itaquera. Nas oficinas Slam Marginálias, realizadas pelo Sesc Itaquera às quartas e sextas, os participantes podem experimentar e conhecer melhor a poesia falada.
Acompanhe a programação no Portal Sesc em São Paulo.
A Zona Leste é o Centro
Programação do Sesc Itaquera com ações representativas de grupos e artistas da zona leste da cidade.
Pombas Urbanas
Localizado na Cidade Tiradentes, o centro cultural foi criado em 2002 pelo Grupo de Teatro Pombas Urbanas, que existe desde 1989 e é referência no trabalho de teatro em comunidade.
Conheça a página do instituto.
Slam da Guilhermina
Batalha de poesias faladas que acontece toda última sexta-feira de cada mês ao lado da estação de metrô Guilhermina-Esperança.
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Coletivo Coletores
Coletivo do bairro São Mateus que realiza intervenções urbanas com projeções de videomapping e outras linguagens, como estêncil, fotografia e arte digital.
Saiba mais sobre o coletivo.
Grupo Opni
Coletivo de grafiteiros da zona leste formado em 1997 que articula projetos de arte urbana na região, como a Galeria a Céu Aberto, que já reúne mais de 200 intervenções no bairro Vila Flávia.
Conheça mais sobre o grupo.
Capulanas Cia. de Arte Negra
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