Postado em 25/08/2016
Califórnia, o primeiro longa de ficção dirigido por Marina Person, estreou em 2015. No próximo dia 3 de setembro, ele será exibido no Sesc Santo Amaro e, na sequência, a diretora bate um papo com os participantes.
O filme, que se passa no início dos anos 1980, é protagonizado por Estela (Clara Gallo), uma adolescente que vive os conflitos típicos da idade, de identidade, amizade e amor. Ela tem um ídolo, o tio Carlos (Caio Blat), jornalista musical que vive nos Estados Unidos, e seu maior sonho é visitá-lo na Califórnia, durante as férias. No entanto, é ele quem está voltando para o Brasil, magro, debilitado por consequência de uma doença sobre a qual a medicina apenas começava a se debruçar. Confira o trailer a seguir:
Antes do encontro, em entrevista à Eonline, a cineasta falou sobre o atual cenário da produção audiovisual brasileira e os assuntos e reflexões acerca do filme.
EOline: Como você vê a produção cinematográfica brasileira atualmente? Como os recentes acontecimentos da política e na economia do Brasil afetam esse mercado?
Marina Person: Temos hoje uma boa produção, bastante heterogênea e diversificada. O grande problema do cinema brasileiro ainda é a distribuição. Ainda é cedo para dizer quais serão as consequências dos recentes acontecimentos da política com o governo interino, mas o pouco que se viu (como por exemplo a tentativa de extinguir o Ministério da Cultura e o cancelamento dos eventos culturais durante os Jogos Olímpicos no Rio) não é muito animador.
EOnline: Em seu canal no YouTube, Marinando, podemos ver uma Marina bem à vontade. A plataforma e outros canais de distribuição de vídeo mudaram o modo que as pessoas têm consumido conteúdos; alguns destes nem veríamos sem essas novas oportunidades. O que isso influencia na produção audiovisual hoje, principalmente entre os jovens?
Marina Person: A produção se democratizou com as câmeras digitais e a exibição também está ao alcance de todos com a internet. O lado bom é que as pessoas estão botando a mão na massa e não dependem de um canal de TV pra dizer o que você pode ou não pode fazer. O exemplo mais bem-sucedido desse fenômeno é o coletivo Porta dos Fundos. O lado ruim é que houve uma pulverização de conteúdos e fica cada dia mais difícil para quem está começando aparecer, ser visto, crescer... O que fazer para se destacar? É uma questão...
EOnline: Muitos estudantes de cinema e produção audiovisual, motivados por novas oportunidades de produção, não sabem exatamente como viabilizar comercialmente os seus trabalhos. Quais dicas você daria para quem está começando uma carreira na área?
Marina Person: Hoje a lei que exige que os canais por assinatura exibam conteúdo brasileiro qualificado serve justamente para estimular que as produtoras de audiovisual concretizem projetos, gerem emprego, criem conteúdo brasileiro, façam a economia girar. É um grande avanço, uma conquista que temos que valorizar.
EOnline: Califórnia foi seu primeiro filme como diretora. O que significou essa realização na sua carreira depois do documentário Person?
Marina Person: O Person é um documentário muito pessoal, que eu precisava fazer, tinha a necessidade de falar sobre a minha história e da descoberta de quem foi o meu pai. Quando ele morreu eu era muito pequena. Depois que fiz a faculdade de cinema, entendi a importância da obra dele para a cinematografia brasileira. Senti que deveria fazer um filme sobre essa jornada de busca de uma filha que conhece melhor o pai através dos filmes que ele deixou. Sou muito grata ao cinema por isso. O Califórnia nasceu da minha vontade de falar sobre minha geração, sobre como foi ser adolescente em São Paulo nos anos 80. Era um país que se abria politicamente depois de 20 anos de ditadura, um país onde florescia o rock brasileiro com bandas como Legião Urbana e Titãs, e uma geração que teve as primeiras experiências sexuais exatamente quando uma nova doença, fatal e que estava ligada ao sexo, foi descoberta. Muitas situações que estão no filme aconteceram comigo. Existem muitas coisas na Estela que são idênticas a mim. Eu era fanática pelo David Bowie como ela, comprava discos numa loja que se chamava Wop Bop, tinha uma queda pelo surfistinha da escola e me apaixonei por garotos tipo JM, o esquisito. Outro exemplo: Eu li O Estrangeiro, livro do Albert Camus, porque queria impressionar um cara que adorava The Cure, igual ao filme!
EOnline: O filme trata de diversos temas: a adolescência e suas descobertas, o sexo com a eclosão da Aids, o rock nacional e internacional como parte da nossa cultura; e tudo acontecendo em um Brasil da década de 1980. O que mudou deste cenário do filme para o que vemos hoje entre os jovens?
Marina Person: As questões essenciais são as mesmas. A construção da identidade, as perguntas que todos se fazem como “quem sou eu, qual o meu lugar nesse mundo, para onde eu vou, que desafios eu topo encarar..?” Isso é comum a jovens de qualquer época, em qualquer lugar. Claro que a tecnologia transformou a forma como as pessoas se comunicam. Nós tínhamos outras maneiras de procurar nossa turma, e isso provoca curiosidade nos jovens de hoje, é muito legal de ver.
EOnline: "A vida é o que te acontece enquanto você está ocupado fazendo outros planos", John Lennon. Qual é a relação desta frase com o filme?
Marina Person: Muitas vezes ficamos obcecados com nossos planos, e nos frustamos quando as coisas não saem exatamente como planejamos. Mas a beleza da vida é essa. Ela é imperfeita e nos traz também muitas coisas lindas que não estávamos esperando. É muito legal não saber exatamente o que a vida nos trará de bom. Esse é um pensamento guia do filme, e o que leva Estela, a personagem principal, fazer o que faz na última cena do filme.
Marina Person, diretora, apresentadora e atriz, é formada em cinema pela ECA-USP. Dirigiu o documentário Person (2007), sobre seu pai, Luís Sérgio, diretor do clássico São Paulo S/A, e com Jorge Espírito-Santo, o curta-metragem Almoço Executivo (1996). Na televisão, trabalhou por 18 anos na MTV Brasil. Apresentou os programas Metrópolis, na TV Cultura, e O Papel da Vida, no Canal Brasil. Hoje apresenta Cinedrops na Rádio Eldorado e Marinando no YouTube. Ao lado de João Miguel, é protagonista de Canção da Volta, longa-metragem dirigido por Gustavo Rosa de Moura, em pós-produção, a ser lançado em 2016.
Confira aqui outra matéria sobre o filme.