Postado em 01/08/2016
Novos fluxos migratórios enriquecem caldo cultural de São Paulo e desafiam metrópole a conviver com a diversidade
Basta uma caminhada atenta pelo Centro de São Paulo para perceber um mosaico cultural em formação. Aos sotaques brasileiros, somam-se idiomas como espanhol, árabe, créole, francês e dialetos africanos, além de uma nova diversidade de rostos, vestimentas, temperos e culturas. São as marcas dos novos imigrantes e refugiados que têm desembarcado na capital nas últimas décadas e já começam a deixar influências na cena urbana paulistana.
Bolívia, Haiti, Chile e Peru são alguns dos países de origem desses povos que engrossam o caldo cultural da capital paulista. Segundo dados oficiais dos estrangeiros registrados pela Polícia Federal, a cidade possui hoje mais de 380 mil imigrantes – número que não inclui aqueles que não estão em situação regulamentada nem refugiados, como é o caso de sírios, angolanos, colombianos, congoleses e palestinos.
“São Paulo é uma cidade construída por pessoas vindas de outros lugares”, lembra a socióloga, urbanista e professora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) Maura Véras, que destaca três momentos desses processos migratórios. “Italianos, portugueses, japoneses e espanhóis foram os quatro grupos principais até o fim da segunda guerra, quando passou a haver forte migração de outras regiões brasileiras. Só recentemente, a partir dos anos 2000 e 2010, é que vemos uma volta maior das imigrações internacionais.”
Influência cultural
Da mesma forma que os imigrantes anteriores marcaram a cultura da cidade, esses novos grupos deixam suas influências. O bairro do Brás, que recebeu imigrantes italianos no início do século 20, desde então já acolheu também nordestinos, coreanos, bolivianos e haitianos. Outra antiga colônia de imigração italiana do início do século passado, o Pari, recebeu árabes, coreanos e bolivianos. As manifestações culturais também vão sendo somadas. Assim como o bairro do Bixiga recebe a tradicional festa de Nossa Senhora Achiropita e o bairro da Liberdade celebra o Ano Novo Chinês, festas das novas comunidades imigrantes já começam a fazer parte do calendário da cidade, como a Alasitas (boliviana) e a Yunza (peruana).
Maura acrescenta que as marcas culturais de imigrantes mais recentes, como os haitianos, são sutis, pois eles ainda vivem um momento de chegada. “O tempo de chegada é decisivo, pois transforma aquele imigrante, que é um outsider, em um estabelecido”, esclarece. “São Paulo é uma cidade cosmopolita, de muitos povos, e os que chegam vão criando territórios, lugares a que eles atribuem alguma identidade e que servem de ponte de adaptação ao novo país”. Segundo a professora, hoje é possível observar esses grupos se estabelecendo em áreas como o Brás e a Liberdade, no Centro, e em bairros periféricos, como o Grajaú.
Se pensarmos que a cultura não é estática, e sim continuamente construída e desconstruída, para uma metrópole como São Paulo esses fluxos migratórios são importantes para a dinâmica das relações culturais, explica a socióloga e professora da Universidade Federal do ABC (UFABC) Adriana Capuano. Ela reforça que essa relação entre os imigrantes e os habitantes da cidade funciona como uma via de mão dupla de influências: “A cidade vive uma constante mudança. Os espaços urbanos onde esses grupos estão presentes têm muito claramente uma intervenção da cultura que eles trazem, da relação com a vizinhança, e isso vai alterando a paisagem urbana e enriquecendo a vida cultural”.
Acolhimento
No Brasil há seis anos, o haitiano Marc Elie Pierre fez o mesmo caminho que muitos de seus conterrâneos que chegaram ao Brasil na época, após o terremoto que atingiu o Haiti em 2010. Desembarcou em Tabatinga, no Amazonas, e seguiu para São Paulo. “Além da questão econômica, também existe o atrativo de São Paulo demonstrar uma certa aceitação de diferentes grupos étnicos, por conta da diversidade já existente”, diz Marc, que estuda Ciências Sociais na Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP) e é professor de francês e inglês. Mesmo assim, relata que muitos imigrantes são alvo de xenofobia e racismo. “Isso tem consequência na questão da habitação e no trabalho. Muitas pessoas vêm com formação universitária e não conseguem trabalhar em suas áreas. O imigrante europeu, por exemplo, não costuma ter esse problema”, compara. No entanto, Marc observa uma abertura gradual. “Há uma movimentação que pode abrir espaço para esse novo ar cultural que está chegando. De 2010 até hoje, vi melhora na aceitação dos imigrantes e também na consciência de quem chega aqui sobre os próprios direitos, mas ainda existe muito a avançar.”
Instituições, ONGs e outras entidades como a Missão Paz e a Cáritas Brasileira são alguns dos principais braços de acolhimento desses imigrantes e refugiados em São Paulo. Outras iniciativas, como Educafro, Compassiva e Cursinho Popular Mafalda, oferecem cursos regulares de português, fundamental para o processo de integração. Recentemente, há também políticas públicas em andamento, como a Política Municipal do Imigrante (PL 142/2016), aprovada na Câmara Municipal em julho. Apesar disso, por ser marcada por desigualdades e segregações, São Paulo nem sempre é amigável com esses novos contingentes.
“Há setores da sociedade que acolhem melhor essa população, enquanto outros demonstram resistência”, avalia Adriana. “Outros fluxos migratórios anteriores também passaram por isso. A tendência é que com o tempo esses imigrantes e refugiados se tornem mais integrados ao cotidiano da cidade e passem a se tornar simplesmente ‘paulistas’, mas cada grupo tem particularidades nesse processo de integração.”
Nesse convívio com imigrantes e refugiados, vêm à tona a questão da alteridade, ressalta Maura. “Alteridade é como você considera o outro. Tudo que é diferente costuma ser visto como ‘o outro’. Essas relações entre ‘eu’ e ‘o outro’ constituem a cidade, e estamos cercados por isso o tempo inteiro”, detalha. “É preciso aprender a conviver com o diferente, e a imigração nos proporciona isso.”
Espaços e iniciativas para entrar em contato com a cultura imigrante
Na região da Luz, no Centro, é possível encontrar restaurantes peruanos, nigerianos, camaroneses, bolivianos e haitianos. Muitos desses locais ficam restritos às suas comunidades, mas outros se abrem a clientes de outras regiões.
Aos domingos, das 11h às 19h, ocorre a tradicional feira boliviana na Praça Kantuta (Pari), com música, artesanato e comidas tradicionais, como salteñas e milhos andinos. Desde 2014, também faz parte do mapa oficial das feiras da cidade a feira da Rua Coimbra (Brás), com produtos típicos bolivianos.
Em parceria com o Adus (Instituto de Reintegração do Refugiado – Brasil), oferece cursos com professores refugiados. Mais informações em abracocultural.com.br.
Criada em 2003, a Biblioteca e Centro de Pesquisa América do Sul – Países Árabes – África oferece cursos de idiomas e culturas ministrados pelos estrangeiros, além de atividades culturais e oficinas de caligrafia. Mais informações em bibliaspa.org.
Plataforma na qual imigrantes podem oferecer workshops culturais de culinária, música, dança ou arte para brasileiros. Mais informações em migraflix.com.br.
Segundo dados da Polícia Federal (PF), 117.745 estrangeiros deram entrada no país em 2015 – um aumento de 4,5 vezes em relação a 2003 (25.825). Em 2015, os haitianos lideraram o ranking de chegada ao país pelo segundo ano consecutivo, com 14.535 registros de entrada em solo brasileiro. Esse número deve aumentar, já que em novembro o governo brasileiro anunciou a concessão de visto de residência permanente a 43,7 mil haitianos que vivem no Brasil.
Refugiados são aqueles que tiveram que sair de seu país de origem por estarem sendo perseguidos por motivos de raça, religião, opinião política, orientação sexual, nacionalidade ou associação a determinado grupo social. Segundo o Comitê Nacional para Refugiados (Conare), o Brasil tem atualmente 8.863 refugiados de 79 nacionalidades distintas, além de 25 mil pedidos em análise. A principal nacionalidade é a síria, com 2.252 refugiados. Em seguida, estão angolanos, colombianos, congoleses e palestinos.
381.903 imigrantes regulamentados que habitam atualmente na cidade*
Principais nacionalidades:
Portugal 71.429
Bolívia 64.482
Japão 33.565
China 24.398
Itália 23.470
Espanha 18.998
Coreia do Sul 15.966
Argentina 13.911
Haiti 9.937
Chile 9.427
Peru 9.423
*Não considera os já falecidos ou naturalizados
Fonte: Polícia Federal
Unidades do Sesc desenvolvem atividades de acolhimento e integração de imigrantes e refugiados
Desde 1995, o Sesc possui um convênio assinado com a Cáritas – Arquidiocesana de São Paulo – e o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR). Desde então, desenvolvem atividades pioneiras de acolhimento, como o curso de Português para Refugiados, criado em 1996 no Sesc Carmo e que, atualmente, é desenvolvido também nas unidades Bom Retiro, Belenzinho, Consolação e Pompeia. Cada inscrito recebe uma apostila contendo material elaborado especificamente para atender às necessidades rápidas e básicas de comunicação na sua nova realidade e tem as unidades como espaço privilegiado para complementar o aprendizado.
Além disso, as unidades do Sesc são abertas aos públicos imigrantes e refugiados, e recebem frequentemente programações que buscam contemplar a integração. Veja alguns destaques da programação de agosto e conheça mais no portal Sesc São Paulo:
Sesc Campo Limpo | 30/8 a 1º/9, das 14h às 17h e das 18h30 às 21h30
Encontro formativo em que serão compartilhadas experiências de refugiados que deixaram seus países de origem em razão da grave violação de direitos humanos e a ausência de liberdade do pensar e manifestar, um passeio pela história e memória rompendo fronteiras. Com participação de C’ayu Hernández, colombiana, estudante residente no Brasil há 14 anos, Silvye Mutiene Ngkang, congolesa residente no Brasil há dois anos, Abdulbaset Jarour, sírio, residente no Brasil há dois anos, Marc Elie Pierre, haitiano com estudos em diplomacia e professor de francês e inglês, e Drágica Sebescen, que chegou ao Brasil em 1992 como refugiada da guerra da Bósnia.
Centro de Pesquisa e Formação | 30/8, das 15h às 17h
O Sesc São Paulo, desde 1995, realiza ações de integração para refugiados e solicitantes de refúgio. As ações têm por objetivo a inserção cultural e estimular e facilitar a troca de vivências, fator essencial para a permanência dessas pessoas no país. Essa programação integra as comemorações dos 70 anos do Sesc. Com Denise Orlandi Collus, assistente da Gerência de Estudos e Programas Sociais do Sesc.
Sesc Itaquera
De 10 a 17 de julho, foi realizado o Campeonato de futebol disputado por refugiados no Brasil, com equipes representativas dos países de origem dos jogadores. O evento, que teve como país vencedor a República Democrática do Congo, conta com o apoio da Prefeitura Municipal de São Paulo, representada pela Secretaria Municipal de Esportes, Coordenação de Políticas para Migrantes, subordinada à Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania, ACNUR, Sesc, Cáritas/SP e Ação Educativa.