Postado em 01/07/2016
As experiências contemporâneas de produção audiovisual na educação são tantas que seria impossível abordá-las neste breve relato. Tema abrangente e quase inesgotável, o boom que vivemos de imersão digital promove o que Michel Maffesoli define como saturação, um fenômeno desencadeado recentemente com o desenvolvimento da microeletrônica, das tecnologias da informação e a popularização dos meios comunicacionais. O resultado disso é que estamos imersos em uma sociedade cada vez mais midiática, seduzidos por imagens em movimento, sons e apelos espetaculares em cada canto de nossa vida. Nas últimas décadas a internet e os dispositivos móveis passaram a fazer parte da socialização da geração dos chamados nativos digitais. A redes socais digitais ampliaram ad infinitum o pátio do colégio como espaço de trocas entre os jovens. A escola não haveria de escapar disso.
Claro que o fascínio pela potencialidade do uso direto do rádio, do cinema e mais tarde da TV tocaram educadores como Roquette-Pinto e Anísio Teixeira, preocupados com o Brasil profundo, com pouco acesso à informação e tolhidos em sua cidadania desde o início do século XX. Muitas experiências com programas de rádio ou com filmes de rolo, projetados em espaços especiais, foram produzidos no Brasil desde os anos 1930. Ainda caros e restritos a alguns circuitos escolares, eram produzidos por especialistas que levavam para a escola a produção documental sobre temas e situações específicas. Assistia-se ao ritual do Kuarup – homenagem aos mortos ilustres celebrado pelos povos indígenas da região do Xingu, no Brasil – em uma escola de São Paulo. Transmitia-se uma aula para alunos em Monte Santo, no sertão baiano. O movimento Escola Nova e mais tarde as pastorais pela educação no campo se utilizaram destas e outras modalidades, como os slides, imagens expostas quadro a quadro, que ofereciam uma portabilidade maior, com projetores mais leves. Associados aos gravadores com fita magnética, permitiam a junção imagem e som e diversos programas de educação apostaram nesta tecnologia animadora das práticas educacionais. A fita magnética levou a TV e os vídeos para a rotina de alguns professores. Alguns programas de rádio, de inspiração no educomunicador, radialista e escritor argentino Mario Kaplun tinham produções locais, replicadas em fitas k7 e que circulavam em escolas improvisadas pelos interiores do Brasil e da América do Sul.
Contudo, a produção do audiovisual educacional ainda tinha uma mão única e, com raras exceções, vinha pronta. Serviam de apoio ao professor, eram ilustrativas e na maioria das vezes produzidas por especialistas. Com o cineasta e etnólogo francês Jean Rouch, aprendemos a pensar a produção audiovisual de forma compartilhada. No Brasil, o exemplo vinha da UNE – Volante, produzindo documentários que faziam denúncias da realidade brasileira da fome e da miséria espalhadas pelas periferias e sertões, e desconhecida pela maioria da população.
Embora saturada pela informação e pela tecnologia, a qualificação dos processos pedagógicos para esta nova realidade nas redes públicas de ensino segue como um desafio. A formação de professores capazes de lidar com a produção de audiovisual na escola como fator de promoção da cidadania ganhou força em meados dos anos 1980, principalmente com uma modalidade especial no campo do conhecimento: a educomunicação. Foi ainda nesta década que a Lei de Diretrizes e Bases e em seguida os novos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) afirmaram a necessidade da reorganização curricular levando em conta os saberes locais, lançando mão das tecnologias disponíveis.
O Observatório das Culturas Populares, projeto da Agência Experimental e a Atividade Curricular em Comunidade Memória e Audiovisual, ambos da Faculdade de Comunicação da UFBA, vêm desenvolvendo a formação e reflexão crítica sobre a mídia e incentivo à criação e uso cidadão da comunicação em comunidades escolares. São projetos de formação em audiovisual em unidades de ensino público do Estado da Bahia, com o objetivo da capacitação de professores, lideranças e adolescentes das comunidades em torno de escolas em distritos e municípios da Bahia. Desde 2010, é possível vislumbrar a dimensão de cultura na perspectiva de seus múltiplos agentes, bem como os aspectos complexos nas dimensões simbólica, econômica e institucional presentes na produção do audiovisual educacional.
Ferramenta de dizer de si, promove algo semelhante a um novo letramento, ou uma nova escrita. Inscrição de si – indivíduos e coletivos – na dinâmica de produção de conhecimento. Não como cineastas, documentaristas profissionais, mas como atores e copartícipes destas narrativas locais, antes ausentes nas meta-narrativas da nação. As oficinas propiciam atuar em espaços de comunicação, cultura e educação, e desenvolvem a possibilidade de (re)conhecer valores culturais da comunidade através das ferramentas da comunicação. Isso é possível através da participação desses professores, crianças e jovens em oficinas que promovem o ensino de técnicas que permitem a produção de conteúdos midiáticos para as novas mídias.
O uso de material audiovisual e de comunicação comunitária permite a formação de acervos importantes para diagnósticos e ações focadas em cada comunidade eleita, operacionalizando um Programa de Formação Continuada e qualificação nas práticas educacionais inovadoras dos professores da rede pública baiana. As ações de pesquisa já desenvolvidas apontam para materiais didático-pedagógicos voltados para o ensino a partir da diversidade cultural (artes visuais, fotografia, audiovisual) e ambiental (água, biodiversidade, impactos antrópicos) na escola de ensino básico. Mas não apenas. Artes dramáticas, música, memória, ciência no cotidiano. O uso de celulares, cada vez mais versáteis e convergentes em suas mídias, demonstra a potência nas mãos de cada estudante, plenos de habilidade no uso destas ferramentas. O papel do educador aqui é entender este novo letramento, e replicar o ativismo cidadão. Software livre, códigos abertos, creative commons, direitos ao acesso, redes sociais como espaço de trocas solidárias, enfim, interações positivas na ambiência web. Conexão e cidadania. Produtores de conhecimento em âmbito local. E se a escola não poderá escapar da saturação contemporânea, poderá ao menos dar condições para trincheiras de resistência de nossas identidades.