Postado em 01/08/2001
Maior festival de curtas das Américas começa no fim do mês no CineSesc e em outros espaços e provoca a discussãosobre os rumos do formato que melhor caracteriza a diversidade do país
O curta-metragem carrega consigo um estigma de que seria apenas um formato utilizado pelos aspirantes a cineastas para desenvolver sua técnica. Em parte, não deixa de ser verdade. As escolas de cinema vêm apresentando uma grande produção de curtas, e diretores já consagrados no cinema nacional aprenderam seu ofício se valendo dos baixos custos de produção e da liberdade proporcionada pelo formato.
Lais Bodanzky, diretora do premiado longa Bicho de Sete Cabeças, afirma que o curta realmente funcionou para ela como uma escola. "Aprendi a fazer cinema através deles. Fiz assistência de direção, direção de arte, montagem, fotografia. Por meio do curta, eu tive a oportunidade de estar em muitos sets de filmagem. E cada filme tem sua história e uma nova experiência para adquirir."
Foi também a experiência na produção de curtas que proporcionou à cineasta desenvolver uma linguagem própria em seu trabalho. "Um amigo meu, assistindo ao Bicho, enxergou um pouco do Cartão Vermelho, curta que fiz há um tempo. O Cartão também tem uma linguagem de câmera solta, uma interpretação e uma direção de arte naturalistas."
Apesar do sucesso em sua primeira incursão no longa-metragem, Lais pretende continuar fazendo o antigo formato. "Não tenho um projeto no momento, mas vejo o curta como mais um espaço importante de expressão para o meu trabalho", explica. "É um desafio contar uma história em uma hora e meia, é um desafio contar uma história em quinze minutos. Tudo é difícil, tudo é gostoso. O prazer está em contar uma história", conclui.
Outro lado
Mas há também uma série de realizadores que estão produzindo curtas apenas como portfólio. É o que opina a professora de cinema da USP, Vânia Debs. "Há uma fórmula. São pequenos longuinhas, muito produzidos, com atores 'globais' e que no fundo não experimentam nada. Servem só para mostrar aos financiadores o que os realizadores sabem fazer, e que eles já estão habilitados para os longas."
Por outro lado, há diretores bastante experientes, que não têm a menor dificuldade em fazer longas, que optam pelo formato do curta para experimentar suas idéias, a exemplo de Jean-Luc Godard, que na última edição do festival exibiu um curta digital. "O Godard sempre usou o curta para fazer suas experiências mais radicais em termos de linguagem. Sem dúvida, ele aproveitou isso em seus longas posteriormente", diz Vânia.
Para Zita Carvalhosa, diretora do Festival Internacional de Curtas de São Paulo, não existe uma linearidade na produção dos cineastas. "Não dá para dizer que no começo você faz curtas, depois faz longas. Não é um passo necessário, é um passo interessante", afirma. Ela cita também outros exemplos, como o de Walter Salles, que depois de ter filmado seu primeiro longa produziu alguns curtas. "Hoje o trabalho dele tem mais identificação com o curta Socorro Nobre do que com o longa A Grande Arte", opina.
Há também exemplos de cineastas que se especializaram no pequeno formato, como o paulista Wilson Barros, grande promessa do cinema brasileiro que morreu precocemente. "Wilson deu um novo status para o curta no país. Ele era um expert. Todos os curtas dele, como o Tigresa e o Maria da Luz, são maravilhosos. Ele era a grande promessa do cinema paulista dos anos 1980, e apesar disso não produziu um longa tão bem-sucedido. Ele é um exemplo do cineasta que se deu bem fazendo curtas que exploram todos os recursos narrativos do formato", afirma a professora Vânia Debs.
Segundo Zita, a grande preocupação do Festival Internacional de Curtas não são os nomes importantes, mas sim a qualidade dos trabalhos apresentados. "No fundo, é mais interessante você conferir um filme aqui e ver o que acontece com as pessoas depois, do que esperar que as pessoas aconteçam e depois trazê-las para o festival." Dentro dessa lógica, vários realizadores então desconhecidos passaram pelo festival antes de realizar trabalhos que os tornariam célebres. "Quando a gente assistiu Magnólia foi sensacional, o diretor tinha vindo para cá com o primeiro curta dele. Outro exemplo é o Mathew Harrison, que veio duas vezes com curtas e que no ano passado estava em Cannes. Passar por aqui com certeza foi um passo importante para a carreira deles."
Um país de curtas
A grande força do curta para a cinematografia brasileira é a identificação do público com o que está na tela. Por ser um dos países que mais produzem curtas no mundo, há a possibilidade de um retrato mais amplo da realidade do país. Apesar da retomada do cinema nacional, o longa ainda representa uma pequena parcela do que é produzido. Nesse cenário, a produção de cerca de cem curtas anuais é bastante significativa.
Para Vânia, o formato é fundamental para o cinema do Brasil. "Existe uma importância lingüística e cultural. Já que somos um país subdesenvolvido, é através do curta que o realizador consegue fazer suas maiores experiências."
A organizadora do Panorama Brasil do Festival de Curtas, Moema Müller, acredita que o curta é um formato democrático. "No Brasil ele representa o país inteiro. Nesse ano, há um número recorde de inscrições no Panorama. Há filmes de muitos estados, como Maranhão, Pará, Pernambuco, e de todo o Sul."
O curta nacional segue buscando o espaço que lhe é devido na cinematografia. Uma lei, da década de 1970, prevê sua exibição antes dos longas estrangeiros. Porém a própria legislação abre brechas para o seu descumprimento, e desde o final dos anos 80 é regularmente ignorada. Para a conscientização dos exibidores de todo o país, Moema faz questão de apontar que a vocação do curta é a tela grande. "Claro que é interessante para a televisão, para a Internet. Mas é importante reivindicar o espaço do curta nas salas de cinema do Brasil", defende.
12º Festival Internacional de curtas metragens de São Paulo Evento traz Cronnenberg, Varda e Contos Eróticos Do dia 23 de agosto ao dia 1o de setembro, São Paulo se tornará o mais importante centro de divulgação da produção de curtas-metragens do mundo. Considerado um dos cinco mais importantes festivais do gênero, o Festival Internacional de Curtas de São Paulo tem a intenção de traçar um panorama de toda a produção mundial do último ano, além de apresentar programas especiais trazendo filmes de grandes realizadores. O maior destaque dessa edição, que acontece no CineSesc e em outros espaços, é um ciclo que celebra o olhar feminino. Dentro dessa programação, há uma retrospectiva inédita de quinze curtas da cineasta belga Agnès Varda, a diretora mais famosa do cinema francês, precursora da Nouvelle Vague. O festival apresenta ainda Camera, uma homenagem ao ator Les Carlson dirigida pelo inquietante David Cronnenberg, e um programa especial intitulado Contos Eróticos, que inclui O Mestre Holandês, dirigido pela norte-americana Susan Seidelman. |