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Ficção
O Diário do Gerente Geraldo

José Roberto Torero

26 de fevereiro de 1986
Hoje é o dia mais feliz da minha vida!
Fui promovido. Mal posso esperar para me apresentar: "Bom dia, sou Geraldo, o gerente". Finalmente, depois de doze anos como caixa, reconheceram meu valor! Começo amanhã. Comprei uma bela gravata, um terno novo e uma caríssima camisa de linho.

27 de fevereiro de 1986
As primeiras pessoas que vieram pedir empréstimo foram um homem, Oliveira, que queria dinheiro para montar uma funilaria, e uma mulher, Deyse, que pretendia abrir uma loja de muletas e bengalas. Como era meu primeiro dia e estava de bom humor, atendi os dois.

28 de fevereiro de 1986
Hoje é o dia mais infeliz da minha vida!
Manchei minha camisa de linho. E não foi com café. Foi com suor. Também o Sarney tinha que lançar esse Plano Cruzado justo no meu segundo dia como gerente?! A agência ficou lotada! Os clientes não entendiam as medidas, pensavam que tinham perdido dinheiro com o corte dos três zeros. Um deles ficou tão bravo que puxou minha gravata até rasgá-la.
Eu odeio planos econômicos, odeio!

1º de março de 1986
Eu adoro planos econômicos, adoro!
Isso porque uma bela moça ficou confusa com o novo plano e veio me pedir ajuda (como é bom ser gerente!). O nome dela é Geralda. O mundo é cheio de coincidências! Geralda tem olhos verdes, seios generosos e um metro e oitenta. Uma grande mulher. Literalmente. Ela fez muitas perguntas sobre o banco: a que horas abre, quando fecha, como funciona a porta giratória etc... Não quero parecer convencido, mas acho que nos veremos de novo.

11 de março de 1986
Hoje é o dia mais infeliz da minha vida!
O banco foi assaltado. Para minha surpresa, a chefe da quadrilha era Geralda. Ela foi muito eficiente. E fica muito bem de preto.

20 de março de 1988
Deyse atropelou Oliveira. O carro dela ficou bem amassado e a perna dele também. Deyse vai consertar seu carro na funilaria de Oliveira, e Oliveira vai comprar uma muleta na loja de Deyse. O mundo é cheio de coincidências!

16 de março de 1990
Hoje é o dia mais infeliz da minha vida! E da vida de muita gente.
O Collor deixou todo o mundo com apenas 50 paus na conta! Um roubo! A agência ficou um inferno! E, para piorar, esqueci de trazer uma gravata extra. Eu odeio planos econômicos, odeio!

22 de março de 1990
Aconteceu! Depois de quatro anos, revi Geralda. Ela assaltou mais uma vez a minha agência. Mas hoje a coisa foi complicada. Nossos seguranças agiram e a quadrilha dela ficou acuada. Sabe o que aconteceu então? Ela me fez de refém. Morri de medo. Mas foram momentos inesquecíveis. Ela me deu uma gravata e minhas costas ficaram apertadas contra seus seios, que continuam generosos. Os cabelos dela roçavam no meu rosto. Eu podia sentir o seu hálito...
Depois os ladrões conseguiram fugir. Todos eles, menos Geralda. Ela ficou presa na porta giratória.Vai pegar dois anos.

31 de março de 1990
O mundo é cheio de coincidências. Hoje estiveram na agência Deyse e Oliveira. Vieram atrás de empréstimos. Oliveira vai abrir uma igreja e Deyse quer montar um sex-shop. E o pior é que eles serão vizinhos. Acho que isso não vai acabar bem.

13 de junho de 1992
As coisas vão muito bem para Oliveira e Deyse. Como o sex-shop de um fica do lado da igreja do outro, as pessoas pecam e vão rapidinho pedir perdão. E quem já pediu perdão, acha que pode pecar de novo.
Falando em perdão, fiquei sabendo que Geralda saiu da cadeia.

1º de julho de 1994
Hoje foi o dia mais feliz da minha vida! Não porque entrou em vigor o Plano Real. Mas porque vi Geralda outra vez.
Quando ela passou pela porta giratória, comecei a suar imaginando um novo assalto. Enquanto ela vinha andando em minha direção, pensei em me oferecer como refém (vai que ela escolhe outro).
Mas ela só queria abrir uma conta. Está regenerada.

29 de janeiro de 1999
Hoje é o dia mais feliz da minha vida!
Depois de quase três anos de namoro e dois de noivado, finalmente casei com Geralda. Nossa daminha de honra foi Maria Madalena, a filha de Deyse e Oliveira. Aliás, a cerimônia foi na igreja do Oliveira. E antes da lua-de-mel passamos na loja da Deyse.
O mundo é cheio de coincidências!

José Roberto Torero é escritor e autor de Inveja, entre outros