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Em Pauta
Quem faz o espetáculo?
A produção de cultura é um dos deveres do Estado. Deverprescrito pela Constituição.
Infelizmente, o Poder Público, imerso em grave crise, não consegue suprir a demanda cultural da população. Na tentativa de prover esse bem tão importante as fundações e institutos tornam-se os principais agentes de fomento à cultura. Neste Em Pauta, profissionais da área e dirigentes à frente desses órgãos discutem o assunto
Jorge da Cunha Lima
John D. Rockefeller, um dos mais destacados capitalistas americanos, cuidou bastante de salvar a alma, como recomendavam os preceitos evangélicos, mas buscou, com o mesmo empenho, salvar a reputação. E o fez, criando instituições de caráter cultural, em torno da famosa fundação que mantém, até hoje, o seu sobrenome. Não foram poucos os empresários americanos que adotaram a mesma estratégia de reconhecimento da sociedade. Até o mal-humorado Paul Getty criou a sua fundação, hoje um dos patrimônios culturais da Califórnia. Universidades, museus, bibliotecas, teatros, salas de concerto, em todo o território norte-americano há os nomes dos notáveis, cujas doações, em vida ou testamentárias, possibilitaram a sua construção.
Isso se deve a três fatores complementares. No início do século, a acumulação de capital foi incivil, sem qualquer deferência especial à arrecadação de tributos. Depois da guerra, as leis de incentivo permitiram deduções compensadoras para tais doações. Por fim, o empresário americano tem o hábito de criar e ajudar instituições de caráter artístico e cultural, em benefício da sociedade. Se para salvar a alma ou a reputação, não importa. A verdade é que mais de 80% de todas as instituições dos Estados Unidos provêm de generosas doações privadas.
No Brasil, a salvação da alma e da reputação definitivamente percorrem outros caminhos. Segundo o professor Bardi, ninguém nunca doou espontaneamente nem uma gravura para o MASP, a exceção da família Segall.
Como se explica a existência de tantas instituições culturais no Brasil, com tal negligência de comportamento por parte do empresariado?
Muito simples. A maioria das instituições culturais brasileiras foram criadas e são mantidas pelo poder público: fundações, universidades, bibliotecas, centros culturais, museus, teatros, e até mesmo televisões e rádios de caráter educativo e cultural. A outra vertente floresce em instituições representativas de classes empresariais. Voltadas inicialmente para os funcionários do setor, hoje estão abertas ao uso de toda a sociedade.
Somente depois da Lei Sarney, de incentivos fiscais à produção e divulgação, e das legislações dela derivadas, pessoas físicas começaram a patrocinar eventos, produtos e atividades artísticas e culturais no Brasil. E mesmo assim, como todos os aperfeiçoamentos da legislação, não se utiliza todo o montante fixado pela lei nos referidos projetos. Como o incentivo fiscal e público, quem continua a pagar a conta é o governo.
A característica marcante do brasileiro é a criatividade. Seu povo sempre foi capaz de criar, com ou sem dinheiro, poesia, teatro, cinema, dança, pintura, gravura, instalação, escultura, música, televisão, escola de samba e todas as festas populares, do Oiapoque ao Chuí, da melhor qualidade.
Há, portanto, uma desproporção incompreensível entre o fazer cultural da sociedade brasileira e o patrocínio da cultura pela sociedade econômica no Brasil.
Hoje, as coisas estão mudando ou precisam mudar. Vivo de perto a situação da TV Cultura, da Fundação Padre Anchieta. É uma fundação de direito privado, criada pelo Estado, que se obrigou, por lei, a prover seu custeio e manutenção. Não é, portanto, nem governamental, nem comercial. É uma televisão pública voltada para a qualidade da programação, para os interesses do cidadão. Precisa ser mantida por essa sociedade.
Jorge da Cunha Lima é diretor presidente da Fundação Padre Anchieta
Luiz A. Seraphico de Assis Carvalho
Tradicionalmente, a fundação destina-se a aparelhar organizações de fins não-lucrativos. Para efeito de nossa abordagem não é preciso enveredar na discussão das características ou possibilidades de suas diferenças enquanto públicas ou privadas. Basta, para uma ligeira reflexão, ligá-la à expressão "filantropia". Acompanhando o que põe em relevo a obra Fundações e Direito, do ilustre jurista Dr. Edson José Rafael, que há anos convive com a matéria, destacado pelo Ministério Público como Curador de Fundações em São Paulo, vivemos num país debilitado pela pobreza e, conseqüentemente, por uma fraca identidade cultural. Lembra-nos ele que, num ranking de 174 países, nós nos encontramos em 58º lugar. Essa classificação é apenas uma indicação sucinta a que se somam muitos outros fatores verdadeiramente alarmantes e alerta para a óbvia necessidade de os brasileiros se unirem não apenas nas catástrofes ou empreitadas eventuais. A cidade deve ser nossa, o Estado e o país também. Daí a idéia de que devemos nos unir solidariamente, sem visar apenas o lucro e sim o bem coletivo, o que, aliás, já ocorre em outras sociedades bem mais resolvidas do que a nossa. Nesse projeto de reforço de horizontes com a criação do chamado terceiro setor, "no qual alguns velam por muitos, no qual o individual dá lugar ao coletivo", é essencial, pois é "de extrema importância que ele procure seus desígnios sem jamais auferir lucros". É aí, nesse terceiro setor, diante das tensões, das exigências e dos benefícios da globalização que se colocam as fundações. Certamente, de acordo com o que se deseja, agrupam-se na mesma área organizações não governamentais e demais entidades de diferente conformação. O bem geral une esses modelos pela mesma proposta. Não está muito claro que os grupos geradores de riqueza tenham uma boa compreensão disto que não é só uma abstração. Digo mais, disto que sobrevive e evolui como modelo desde a Idade Média ou até da Antigüidade, e que, portanto, não é um sonho. Nossa Fundação Bienal atende e deve atender, tanto na disposição quanto no conteúdo, ao que aí fica expresso. Se me dou ao trabalho de partir do que para muitos não é novidade é porque nunca é demais espancar uma surrada tradição de colonizados, que faz com que entre nós ainda se olhe com desconfiança para o trabalho que não visa lucro. Nossa fundação, a exemplo e semelhança do que ocorreu em proporções incrivelmente maiores em outros lugares, é o legado de um mecenas que deu à sociedade esse caminho de sobrevivência, nele acreditando, por ele lutando e até mesmo comprometendo boa parte de sua fortuna. Desenvolvida em caráter de iniciativa pessoal a partir do Museu de Arte Moderna que criou e dirigiu, Ciccilo Matarazzo, louvado em experiência de grande sucesso feita em Veneza, legou a São Paulo um modelo que bianualmente reunisse o que a arte contemporânea, então chamada de vanguarda, tinha de expressão em todo o mundo.
Hoje, a Bienal de São Paulo, por depoimentos insuspeitos, coloca-se entre os maiores eventos culturais do mundo. Mas, já nasceu prometendo muito. Eu mesmo, menino de classe média pobre, pude gozar de seus benefícios desde minha infância já recuada na mostra feita em 1951. Claro está que, apesar de tudo, as fundações têm problemas como todas as organizações. Quem já não ouviu falar em fundações em crise? Não vamos citá-las por reverência aos que passam dificuldades. É possível dizer que sua estrutura, mais provada do que a de certos modelos de sociedade de fins não-lucrativos, sobrevive melhor aos apetites e vaidades pessoais. Basta que se atualize o mecanismo fundacional. Mas, creio que esse é um assunto para outro artigo.
Luiz A. Seraphico de Assis Carvalho é presidente do Conselho Regional de Administração da Fundação Bienal de São Paulo
Ricardo Ribenboim
Tecer avaliações acerca do momento vivido pela cultura brasileira é deparar-se quase sempre com um emaranhado de lacunas, de imprecisões. Estamos num país jovem, que ainda está construindo sua história. E o fato de a maior parte da população desconhecer a sua identidade cultural também acaba por esconder o real valor dos bens culturais.
O Estado e parte da sociedade civil têm se preocupado em andar na contramão e tentar mudar o quadro da cultura no país. Essas iniciativas, que começam a desbravar caminhos para uma política cultural nacional, já renderam bons suportes. A criação de instituições e leis específicas é nosso primeiro momento de amadurecimento. Um estudo inicial de reconhecimento da nossa identidade.
Dirigir uma instituição de cultura no Brasil é um desafio constante. Não há modelos nacionais de gerenciamento na área para seguir. É também recente o reconhecimento de que é preciso formar profissionais que pensam em política cultural, em projetos culturais e em identidade cultural. As instituições culturais são a base para a difusão da produção, outras ocupam papéis mais ousados de também formar e fomentar esse caldo cultural. E é nesse tripé que o Itaú Cultural se apresenta.
O Itaú Cultural tem clareza para desempenhar o seu papel graças a um extenso trabalho de observação, estudo e qualificação. Desenvolvemos uma linha de ação com características e necessidades próprias do quadro atual. A nossa política cultural é valorizar e investir numa proposição educacional que atenda à real demanda brasileira e na sistematização das informações culturais através de um Banco de Dados vivo, ativo e funcional – esse aspecto vem tornando o Itaú Cultural uma das referências de destaque no cenário nacional. É a partir de um olhar educacional para o conteúdo do nosso Banco de Dados que surgem as linhas de atuação do Itaú Cultural.
Por crer na potencialização de uma política educativa e cultural, construímos uma linha de ação que atende à característica multidisciplinar da cultura. Esse direcionamento multidisciplinar nos levou a criar três pilares que sustentam nossa estrutura: difusão (realização de eventos culturais), formação (ação educacional) e fomento cultural (apoio a artistas e projetos). A partir desse sustentáculo, a organização das atividades ficou muito mais clara. Divididas entre sazonais e permanentes, todas as ações do Itaú Cultural buscam registrar atividades de caráter retrospectivo ou propositivo (prospectivo).
A programação sazonal acontece quando se define o tema que permeia e conecta – durante todo o ano – um conjunto de eventos que envolvem as áreas de expressão artística, reflexões educacionais e criação de produtos culturais inter-relacionados. É o que chamamos de Eixo Curatorial e que tem se revelado uma fórmula eficaz para mapear a arte e a cultura do país. (Este ano, o Eixo é o Cotidiano e a Arte que se desdobra em três grandes blocos: Objeto, Técnica e Consumo.)
Já as atividades permanentes estão alicerçadas na tríade formada pelo Centro de Documentação e Referência, Ação Educacional e o programa Rumos. O Centro de Documentação e Referência oferece aos visitantes uma videoteca, uma hemeroteca eletrônica, postos de acesso à Internet, além de CDs e CD-Roms – todos voltados à arte e à cultura nacionais. Aberto ao público diariamente, o Centro conta com o atendimento especializado de monitores e o Banco de Dados que, num primeiro momento, foi a razão do surgimento do Itaú Cultural e hoje é a fonte que fornece à instituição toda sua trama.
A Ação Educacional do Itaú Cultural articula trabalhos voltados a educadores e estudantes, bem como a elaboração de produtos aplicáveis ao ensino – com abrangência nacional e ainda toda a elaboração dos nossos programas. Fazer cultura é educar e isso leva à reestruturação contínua da proposta educativa, que acompanha o ritmo com que a cultura se rearranja e exige novas resoluções. Desenvolvemos ainda parcerias junto ao Ministério de Educação e ao Itamaraty em projetos educacionais.
Ainda dentro das ações permanentes temos o programa Rumos Itaú Cultural, que tem a idéia base de diagnosticar e estimular o trabalho de artistas emergentes. O incentivo se revela em diferentes formas de apoio para cada uma das áreas de expressão artística. Já lançamos Rumos Musicais, Rumos Visuais, Rumos Cinema e Vídeo, Rumos Novas Mídias e Rumos Literários e estão previstos Rumos Cênicos e Rumos Design.
Com esse arsenal de inter-relações estamos construindo nossa forma de atuação. Consideramos a cultura um sistema de produção que envolve o indivíduo, o coletivo, o processo de criação, o produto (bem cultural), a distribuição do produto e o consumo do mesmo. Tentamos participar de cada etapa. Estamos criando uma política cultural ativa, dinâmica, inovadora. É um começo. Mas temos razões para crer que é possível oxigenar a cultura e impulsionar seu desenvolvimento. E temos a certeza de que isso é essencial para o crescimento do próprio país.
Ricardo Ribenboim é diretor superintendente do Itaú Cultural
Margarida Cintra Gordinho
A presença de Segall, em São Paulo, foi muito significativa para o modernismo brasileiro e antecipou uma preocupação com os aspectos sociais, que não era costumeira entre seus contemporâneos. Lasar Segall naturalizou-se em 1927 e é um dos maiores artistas brasileiros de todos os tempos.
O Museu Lasar Segall abriga a maior parte de sua obra. Instalado na casa do artista, foi concebido e desenvolvido por Maurício Segall e tem uma proposta cultural abrangente, voltada para a formação de cidadãos.
Trata-se de uma instituição museológica que desempenha papel educativo em âmbito nacional. Preservando a obra de Segall e promovendo atividades culturais gratuitas nas áreas de gravura, fotografia e criação literária, programando atividades educativas como visitas monitoradas, cursos de capacitação para professores, exposições, videoteca do projeto Rede Arte na Escola, a atividade do Museu é intensa e eficiente. A Biblioteca Jenny Klabin Segall, especializada em fotografia e artes do espetáculo, é considerada a melhor do Brasil.
O Museu é um órgão do Ministério da Cultura. Além de recursos orçamentários próprios, viabiliza seus projetos com o apoio de diferentes instâncias do poder público (secretarias estadual e municipal de cultura, Fapesp) e de parcerias diversas com os mais variados segmentos da iniciativa privada: ações voluntárias, patrocínios, apoio de fundações.
A demonstração da competência na gestão de recursos vem canalizando parcerias nos projetos culturais do Museu, através de contribuições, com benefícios fiscais, de pessoas físicas e jurídicas. O Museu tem também parcerias externas. Para o SESC montamos, em 1998, uma exposição itinerante de gravuras, que está circulando pelo país. Cedemos também as obras (cenários e figurino) do Mandarim Maravilhoso para a exposição Fantasia Brasileira, que inaugurou o SESC Belenzinho, em 1998.
O Museu Lasar Segall é considerado uma instituição modelar, o melhor museu monográfico do país, pela proposta museológica inovadora, eficácia na gestão dos recursos e eficiente ação cultural junto à comunidade como um todo. Destacamos os seguintes projetos para 1999:
Exposição, no espaço do Museu: A Biblioteca Indisciplinada de Guita e José Mindlin. Exposição: Esculturas e Gravuras, na Fundação Jayme Câmara, Goiânia.
Exposição: Por caminhadas ainda mais distantes, as emigrações artísticas de Lasar Segall, que depois de ter sido apresentada em Chicago e Nova York seguirá para Paris e Lisboa.
O Museu vai co-sediar, este ano, dois importantes festivais internacionais: 10º Festival de Curta Metragens e 3º Festival do Cinema Judaico.
A informatização dos acervos vai abrir caminho para uma divulgação, via Internet, do Museu e de suas atividades.
Em 1988 foi criada a Associação Cultural de Amigos do Museu Lasar Segall, que vem exercendo um papel cada vez mais significativo no suporte ao funcionamento da instituição, às exposições e aos projetos propostos pela equipe técnica. Ela tem papel de destaque na viabilização do Museu Lasar Segall através da contribuição de seus 600 associados. É um espaço aberto para a participação de todos no processo de consolidação de uma proposta cultural diferenciada e de qualidade.
Margarida Cintra Gordinho é presidente da Associação Cultural de Amigos do Museu Lasar Segall (ACAMLS)
Roberto Barbosa
Nos tempos atuais de crise, quando todos apertam cintos e orçamentos, sobram farpas e faltam verbas para a cultura e para a pesquisa científica. Por outro lado, em época pós-eleitoral, quando a oposição vira situação e vice-versa, as iniciativas culturais dos governos derrotados não costumam ser respeitadas e sofrem solução de continuidade. São vários os exemplos de programas culturais importantes que foram simplesmente desativados sob pretexto de ausência de verbas ou desinteresse político, explicitamente não declarado, é claro. Cortes de incentivos, investimentos, parcerias ou patrocínios significam duros golpes nos projetos culturais e, no campo acadêmico, na investigação científica, lados mais frágeis da corda bamba. É a tal necessária (?) adequação do setor cultural ao ambiente e à realidade do país em crise, onde a falência do Estado como provedor, organizador ou até incentivador do fazer cultural é a face mais cruel e visível do processo. Quando verbas imprescindíveis à pesquisa científica desaparecem sob a justificativa do ajuste orçamentário, percebe-se a real situação do país no campo da invenção e da criação, muito e seriamente comprometida. Cortar custeio de pesquisa e investimento em cultura é o mesmo que escrever a obra-prima do teatro do absurdo.
Já em tempos "normais", quando o administrador público da coisa cultural tenta fazer caber projetos e programas nas minguadas verbas destinadas ao setor, torna-se explícita a pouca importância que se dá às artes. Patente fica o menosprezo ao imaginário do homem-artista brasileiro, esse sim, a gerar sempre, e mais, e apesar de tudo, uma cultura viva, rica, surpreendente.
Na crise, que não é a primeira e certamente não será a última, falta de dinheiro é somente a cárie que expõe o nervo da acefalia imaginativa do homem público brasileiro. Outro aspecto é a apatia da sociedade como um todo, inoperante no invento de alternativas perante o massacre da indústria da cultura de massa. Fica então, à deriva, uma produção fenomenal, expressão da criatividade regional que convive com a globalização, assimilando seus efeitos e gerando o terceiro produto, autêntico, denso, complexo, brasileiro. A falência do Estado em áreas tão fundamentais como a saúde, a educação e a segurança pública não pode servir de álibi para negligenciar seus deveres para com a cultura. É fundamental que mantenham funcionando os equipamentos e serviços básicos, como forma de estar presente para garantir a visibilidade da produção cultural.
À comunidade, o ônus da omissão: assim como o hospital público não pode ser fechado, delegacias de polícia têm de continuar atendendo e o recolhimento do lixo não pode deixar de ser feito, a cultura (entendida aqui como o "fazer artístico") não pode deixar de ser incentivada, estimulada, abrigada e divulgada. Oxigênio, fermento, enraizamento.
Um caminho alternativo, que não deixasse de cobrar a parte que cabe ao poder público e ainda pudesse viabilizar as iniciativas culturais, principalmente as oriundas dos centros periféricos menores, seria a criação de uma espécie de Fundação Cultural Comunitária. Organismo ágil e pouco burocratizado, poderia concentrar todas as iniciativas culturais da cidade, desde a produção local, passando pelo nucleamento e organização dos produtores culturais e criação de calendários, assumindo os procedimentos administrativos que permitissem acesso aos equipamentos instalados, passando pela incorporação de secretarias, diretorias, assessorias e outras "rias" de cultura, inoperantes e paquidérmicas. Instituída por lei, seria composta por uma diretoria executiva e um conselho de notáveis, formado por elementos da própria comunidade e com comprovada folha de serviços prestados na área da cultura. O diretor principal poderia ser escolhido de uma lista tríplice, por indicação da própria comunidade e referendada pelo poder público. A manutenção desse aparelho poderia ser feita por meio de dotação de x percentual do orçamento do município. Aparentemente complexa, tal estrutura seria bem razoável e economicamente mais viável que os atuais esquemas oficiais que tentam manter ou concentrar a administração cultural das cidades, cupins das poucas verbas, armários de traças e empregos. A complementação orçamentária, necessária ao custeio de si mesma e dos projetos e iniciativas culturais da cidade, seria objeto do esforço comum em gestões com empresas, de receitas oriundas da negociação e comercialização do produto cultural na própria comunidade e através da otimização do uso das leis de incentivo. Ações conjuntas e conjugadas, com planejamento e profissionalismo, talvez pudessem criar um clima de adesões sem vestígios de filantropia ou mecenato, em que o critério fosse a qualidade e o retorno medido pela participação popular.
A principal qualidade de uma Fundação Cultural Comunitária desse tipo seria uma maior garantia de efetivação dos projetos locais a médio e longo prazos. Enquanto órgão essencial na vida da cidade, a existência da fundação e a continuidade de seu trabalho estariam centradas na razão exata do reconhecimento de sua importância pela comunidade. E mais: distinguir-se-ia positivamente das atuais estruturas congêneres, atreladas ao poder público, pela força de mobilização das pessoas na defesa de sua permanência. Poderia constituir-se, em última instância, na alternativa de sobrevida das iniciativas culturais relevantes, via de regra vinculadas aos azares do processo político eleitoral ou aos humores do mandatário de plantão. Enquanto agência auxiliar importante na construção da cidadania, uma fundação, garantida por instrumento legal e com participação comunitária e popular, seria uma possível resposta à crise: criativa, como o momento exige. Concreta, como o país precisa. Viável, como o bom senso impõe.
Roberto Barbosa é assistente executivo da Revista E