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A Arte e os Mistérios do Mundo

A Exposição A Ressacralização da Arte reúne 518 obras de dezoito artistas no SESC Pompéia

"Na arte nada é arbitrário. Existe aqui uma ordem oculta. O artista desvela os véus, aproxima-se dos mistérios do mundo e dos homens. Na sua atividade, ele refaz o ato cosmogônico, a criação do mundo. A arte e o artista revelam a nova tendência, a formação de um homem total, uno com o universo e a natureza." Este é um trecho do texto do crítico de arte Jacob Klintowitz na publicação A Ressacralização da arte", que acompanha a mostra com o mesmo título que o SESC Pompéia apresenta até o dia 4 de abril.

Quarenta mil pessoas, na primeira semana, entraram em contato com esta exposição que ocupa os generosos espaços construídos pela arquiteta Lina Bo Bardi, 3537 metros quadrados do centro de convivência e a alameda central, por onde todos os freqüentadores circulam. Esta exposição, sob a curadoria de Klintowitz, reúne 18 artistas e 513 obras, entre esculturas, cerâmicas, desenhos, pinturas, objetos e instalações.

Maria Bonomi, Israel Pedrosa, Yukio Suzuki, Maria Guilhermina, Carybé, Megumi Yuasa, Siron Franco, Gilberto Salvador, Bené Fonteles, Miguel dos Santos, Marcello Grassmann, Arcangelo Ianelli, Lygia Reinach, Inimá de Paula, Feres Khoury, Gilvan Samico, Mário Cravo Jr., Roberto Magalhães, são estes dezoito artistas, cada um deles com forte e individualizada linguagem, marcante na história da arte contemporânea brasileira, participantes ativos dos grandes acontecimentos da nossa história.

O que une estes artistas de linguagem tão diversas? Para o curador da mostra é a indagação sobre os limites do real, a pesquisa sobre o rosto do homem contemporâneo e a procura de um entendimento holístico do mundo: "(...) na nossa sociedade feita de personas, no sentido estrito, o gesto do artista recupera a face humana". O conceito essencial da exposição é justamente esta procura por uma visão total, a descoberta do ser humano integrado com a natureza, o cosmo e a ampliação da consciência. A idéia de sacralidade é a da união de todas as coisas.


A Nova Linguagem

É tradição recente do SESC apresentar e oferecer a população paulista as tendências renovadoras e as novas linguagens. Nos últimos anos, o SESC é personagem central e ativo produtor, na pesquisa teatral, produção de coreografias e danças modernas, acolhimento de dançarinos místicos, mostra de tecnologia da linguagem, oficinas de criatividade com importantes artistas plásticos, discussão de arte pública, mostras retrospectivas de artistas e eventos históricos valorização humanística da terceira idade.

A experiência do SESC é muito ampla e ele faz parte da vanguarda que procura soluções diferenciadas para velhas questões. Neste percurso da instituição, o Brasil viu a voz das minorias e das vanguardas ser levada para um grande público que pode, desta maneira, discutir e entender os caminhos que se abrem neste final de milênio. Neste sentido, o SESC tornou-se modelar e interlocutor das principais instituições do gênero em todo o mundo. Hoje pode ser dito que a principal atividade do SESC é a ampliação da cidadania através do ato criativo e da valorização do ser humano.

A grande mostra A Ressacralização da Arte faz parte deste esforço do SESC para proporcionar ao público paulista o que de melhor se cria no Brasil e no exterior. E de possibilitar novas abordagens e leituras do processo criativo e da produção artística. A integração do homem com a natureza e o universo, o conceito de um homem completo, profundamente vinculado ao seu planeta.

A arte da nossa época faz parte desta tendência e do esforço da construção de um novo homem, consciente de sua responsabilidade com o planeta e a preservação da vida. E a Ressacralização da Arte situa-se no centro desta discussão, pois identifica na arte brasileira o desenho de uma tendência que abrange várias disciplinas, desde a ciência até a arte, e o reconhecimento do direito a vida das minorias, da natureza e a necessidade do homem de uma existência mais completa e espiritualizada. Ao final, a busca atual centra-se na conquista de uma cidadania mundial, na qual todos são igualmente responsáveis por todos e pelo todo.

No SESC Pompéia o contato do público com a arte é direto, imediato, sem formalidades. E sem bilheteria. A Ressacralização... ocupou a alameda central com esculturas de Mário Cravo, Maria Guilhermina e Miguel dos Santos e as pessoas passeiam entre elas, alegres e em trajes esportivos.

Para os que desejam maiores informações, há um grupo de bem treinados monitores, com formação universitária em arte e que, na sua preparação para esta mostra, tiveram aulas e entrevistas com vários artistas e o curador.

Os Artistas do Nosso Século

"Cada vez mais os artistas de nossa época acreditam na importância de seu trabalho e criam obras para hipotéticos centros espirituais. Totens do novo mundo."

Essas palavras de Klintowitz iniciam o texto da exposição. Elas fazem parte do ensaio da publicação A Ressacralização da Arte que esclarece o histórico da idéia de ressacralização e dessacralização na história da arte. E, além de apresentar a tendência das novas idéias desde a Renascença, do final do feudalismo até o fim do nosso século. Nessa publicação, acompanhamos passo a passo as transformações da arte e dos conceitos artísticos, as mudanças na representação, os novos motivos e temas, e o caminho da cultura. O autor faz o paralelo entre o processo artístico e o seu contexto social, econômico, tecnológico, antropológico e filosófico.

Jacob Klintowitz faz o paralelo entre as sociedades míticas e as históricas, justamente para que fique claro as diferentes concepções de tempo e as possíveis relações com o divino: "A aura e a sacralidade da obra de arte não estão mais no consentimento tribal ou designação dos ancestrais míticos, mas no amor com que são feitas.

Os artistas sempre representam a sua tribo, ainda que, às vezes, a tribo não saiba disto.

Na sociedade de tempo histórico a arte, por algum tempo, especializou-se em criar o novo e ser condutora da evolução das formas. Agora, ela se quer ainda mais abrangente. De muitas maneiras, a arte retoma a função totêmica exercida na sociedade ritualística de tempo cíclico e pretende ser uma expressão total, participante, formadora e estimulante. Centro espiritual.

A idéia do que seja o homem - este objeto central da arte - sofreu radicais transformações desde o final do século passado. A arte é parte ativa desta alteração do conceito do homem e, por outro lado, as alterações do conceito do que seja arte são conseqüência da nova maneira como vemos o homem. Partes indissociáveis e geradoras uma da outra."

Esta é a questão principal dessa publicação e dessa exposição , o novo conceito do que seja o homem e, obviamente, o novo conceito de real. Neste período citado pelo autor, o homem descobriu o inconsciente, a alteridade, o reconhecimento do outro que não sou eu. A existência viva da natureza. A sua interdependência com o planeta: o homem é um ser em sistema. Existem novas noções de tempo e espaço, o reconhecimento do macro e do micro, a física quântica, a astro-física, os avanços da psicologia, antropologia e arqueologia, a recuperação do saber de outras civilizações e a revalorização da mitologia como um sistema simbólico de conhecimento.

Veja o site A Ressacralização da Arte http://200.231.246.32/SESC/frame_hotsites.htm

Os artistas nas palavras de Jacob Klintowitz

Maria Bonomi

"Em alumínio e latão fixados numa armação de ferro trefilado, em pleno Palácio do Governo do Estado de São Paulo, conta-se a odisséia dos povos do mundo, as suas andanças e sonhos. Olhar o desenho das trilhas abertas pelo homem, os caminhos de sangue, é penetrar numa insuspeitada cartografia oculta. O percurso da imagem até o entendimento."
Jacob Klintowitz

Gilvan Samico

"Gilvan Samico não trabalha com o mito, não o recolhe e o transfigura. Samico permite a emergência do inconsciente de singulares situações, cenas metafísicas, relações de figuras, paisagens e personagens, até então desconhecidos da humanidade. O que Gilvan Samico faz é recolher em si mesmo essas cenas e personagens que, podemos verificar, tem afinidades com muitos relatos históricos."
Jacob Klintowitz

Arcangelo Lanelli

"A vida da pintura é peculiar. O pigmento que se ilumina na pintura de Arcangelo Ianelli pulsa de vitalidade. Em Ianelli a cor tem uma existência extraordinária e o artista desenvolveu o seu trabalho numa coerência notável e, deste ponto de vista, o da coerência, é um exemplo na arte brasileira. A sua pintura tem a qualidade do silêncio, o valor introspectivo e a consciência de si mesmo."

Carybé

"As pinturas, desenhos, gravuras, esculturas e painéis de Carybé lembram recortes de um mural interminável, detalhes de narrativas, a saga de um povo mítico. Plasticidade pura, figuras megalíticas. Carybé e a crônica da vida dos povos da América. Ele é o artista que registrou de maneira extensiva e expressiva os ritos do candomblé, observou a vida dos mitos africanos no Brasil e descreveu, com detalhes de conhecedor, a história e os hábitos
das Entidades."

Maria Guilhermina

"Da mais verificável existência, Maria Guilhermina construiu exemplar e sinfônico conjunto de formas. O vôo da escultura é de pássaro e peixe, no ar e em mergulho na busca e no encontro do simbólico. A sua escultura associa-se ao espaço, dinamiza o entorno, passa a fazer parte dele, é matéria vitoriosa, afirmativa, tornando-se única."

Bené Fonteles

"Bené Fonteles trabalha com os elementos da terra brasileira. Papel artesanal feito de fibras nacionais, plumária indígena, vegetais, cascas, pedras e seixos rolados. Com este material ele resconstrói ambientes místicos e cenários de meditação. Lutador da causa ecológica e da defesa da vida indígena, ele refaz, no seu trabalho, o universo que considera apropriado para a harmonização do ser humano."

Marcello Grassmann

"As imagens de Marcello Grassmann são oriundas de um formidável conjunto de fatores. O primeiro e mais importante destes fatores não está sob controle do artista. Trata-se de uma força primordial que habita os seus sonhos e informa a sua relação com o mundo e impregna a sua percepção. É este vigor primeiro e não mensurável o que acrescenta novos elementos à sua iconografia e determina os seus procedimentos artísticos."

Lygia Reinach

"Lygia Reinach uniu a água à cerâmica, criou o movimento contínuo e faz uma vigorosa representação da idéia da fonte, como símbolo primeiro do nascimento da vida e centro do Paraíso. A cerâmica existe desde o início dos tempos. Ela acompanha e é testemunha da história. A primeira das cerâmicas conhecidas é o próprio homem, feito, também ele, de argila."

Inimá de Paula

"A convicção da pintura do artista Inimá de Paula tem qualquer coisa de comovente. Começa no seu tema, no enamoramento das cores... À sua maneira, um mestre, Inimá cria sinfonias de azuis e verdes e não tem o mínimo pudor com a beleza. Para ele, este é um atributo divino, direito natural do ser humano e é uma proposta de seu trabalho, a exacerbação da beleza."

Mário Cravo Jr.

"O número de obras e os materiais variados de Mário Cravo Jr. é espantoso. E o próprio artista tem qualquer coisa de espantoso. Agitado, falante, discursivo, peripatético. Muitas vezes temos a impressão de um Mário ubiqüo. Mário Cravo Jr. é um artista pesquisador, curioso de todas as coisas, inventor de formas e experimentador de materiais e instrumentos num trabalho ciclópico. Mário Cravo é também um viajante do tempo que atravessou uma barreira inesperada e, agora, precisa entender este mundo daqui."

Gilberto Salvador

"A pintura de Gilberto Salvador é organizada por um vigoroso sentimento. Ele é capaz de tingir as suas telas das mais variadas iluminações, recortá-las fisicamente em setores e, ao mesmo tempo, não perder a integridade do conjunto. A vida não é redutível
à linguagem. A vida é maior do que a arte. E a arte não é redutível à outro tipo de
código, como o verbal."

Yukio Suzuki

"Eu me lembro de uma tarde, clara luz, e de 948 desenhos de Yukio Suzuki. O artista havia desenhado os mesmos objetos do mesmo ângulo, em pequenos cartões. A diferença entre eles eram alterações cromáticas, pois haviam sido realizados a horas diferentes do dia. Encantamento. Eu observava o percurso da luz na sensibilidade do artista e a sua total entrega à sensação cotidiana, a sua integração às variações da natureza."

Roberto Magalhães

"Num certo período, na década de 1970, Roberto Magalhães realizou uma série de desenhos com assuntos espirituais. Estes desenhos se constituem num documento único de sua geração, pois revelam a face oculta da busca do significado. Enquanto todos se expressavam diretamente sobre a pungente questão social e a dramática situação política, Roberto Magalhães, apesar de também já ter trabalhos de crítica direta ao militarismo, volta-se para a interiorização e a busca do divino."

Megumi Yuasa

"É notável a delicadeza das formas de Megumi Yuasa. Ele torna a escultura e a arte da cerâmica na manifestação concretizada de sua intuição, uma percepção de novas formas do paraíso. Em sua obra, a imaginação é verdadeiramente a imagem em ação. Artista tradicional da cerâmica, paulatinamente o seu trabalho incorpora materiais tão diversos quanto o latão, o aço, o ferro, a pedra, o alumínio e a madeira."

Siron Franco

"A intenção de Siron Franco é registrar e entender a realidade brasileira e humana, ainda que para isto ele tenha que inventar a realidade. Arte é ficcional e a sua verdade decorre da qualidade da invenção. O que resulta desta atividade febril é a mais completa iconografia de um país desconhecido chamado Brasil. Um feito formidável. Um universo rico e dinâmico, seres que estão fundidos no sonho, na vigília, na fantasia, em estranhos estados de consciência e percepção."

Israel Pedrosa

"Pintor, professor, teórico, Israel Pedrosa tranformou-se no principal pesquisador da história cromática e, de maneira pessoal, contribuiu com as suas experiências e o domínio da refração cromática e a sua utilização como cor. Nos últimos 30 anos reconstruiu os mitos da vida espiritual e histórica do Brasil. O novo elo de união entre a Tradição e o Humanismo é a ciência..."

Miguel dos Santos

"Habitantes de insondáveis lugares.
Figuras de sonhos.
Guerreiros solitários.
Entidades femininas.
Deusas da fertilidade.
Máscaras, centenas de máscaras.
A obra de Miguel dos Santos semeia personagens que ele faz jorrar com uma proficiência espantosa."

Feres Khoury

Khoury saiu-se com brilho ao propor e enfrentar uma tarefa tão difícil. Com absoluta discrição, economia de recursos, trabalhando no limite da emoção, criou a sua série de pinturas sobre papel usando como dominantes o branco, o púrpura e o preto. A sobriedade não impediu que as suas pinturas transmitissem a sensação de estarmos diante de uma pintura exuberante e rica."