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Solo

Resgatando a presença do ator como o ponto alto da cena, a série Solos de Teatro prima pela essência da arte de atuar, apresentando artistas em montagens que focalizam o
elemento vital do ato teatral: o ator


Ator e platéia. Dois elementos básicos para que se estabeleça a comunicação numa das vertentes mais antigas e clássicas da história das artes: o teatro. Com o tempo, as apresentações teatrais ganharam acessórios que as transformaram em espetáculo visual. Para alguns, meros artifícios que simplesmente desviaram a sagrada arte do palco de seu caminho original. Como uma banalização da presença do ator, a consagração das luzes, cenários e figurinos rouba a atenção do corpo vivo em cena, relega aquele que detém a palavra e, por fim, embota a mensagem do palco.

Talvez haja exagero na radicalização e os efeitos pirotécnicos paralelos ao ator sirvam para enriquecer a linguagem teatral. Mas o artista isolado, único elemento a entremear o texto e os espectadores, alcança um efeito quase místico.

A fim de evidenciar o ator e colocá-lo na linha de frente do palco, a série Solos de Teatro, realizado desde 17 de março no SESC Ipiranga, coloca em foco a produção teatral de artistas que desenvolvem um trabalho solo e têm experiência nesse campo. O evento estimula e incentiva a criação teatral fornecendo subsídios, práticos e teóricos, que interfiram positivamente na produção de uma obra artística.

 

Projeto Solo

O projeto conta com aulas abertas, palestras, workshops, exposições e, é claro, apresentações teatrais. "Funciona como um pretexto para discutir a obra de cada ator convidado", esclarece Egla Monteiro, coordenadora de programação do SESC Ipiranga. "A idéia nasceu do desejo de implementar uma ação na área de teatro que pudesse fomentar uma discussão procedente e atual sobre a arte do ator, elemento primordial do fenômeno teatral." A proposta casa perfeitamente com as próprias dimensões do teatro da unidade, de 250 lugares, que sugere a aproximação do público com o ator: a essência do Solos de Teatro.

Para a abertura do evento, a atriz Denise Stoklos foi convidada para trazer a público seu mundialmente consagrado "teatro essencial". Um estilo criado por ela, cuja proposta é a valorização do ator em cena. "Convidar Denise foi o movimento mais óbvio", retoma Egla, "já que essa artista desenvolve um trabalho solo há muitos anos". Denise apresentou quatro peças de seu "repertório essencial": Elis Regina, Casa, Desobediência Civil e 500 Anos - Um Fax de Denise Stoklos para Cristóvão Colombo. A programação de abertura da série trouxe, também, uma mostra do teatro de Denise, a partir de uma conferência-aula. A atriz utiliza a própria essência de seu teatro para discutir o homem contemporâneo. "Com Denise Stoklos em cena, o ator é mesmo o centro do teatro", resume Egla.

 

Homenagem

A propriedade de interpretar sentimentos, característica da obra de Denise, levou a unidade a realizar uma exposição fotográfica que ajuda a atingir mais um objetivo do projeto: homenagear o ator. A mostra Faces - No Solo Teatral a Expressão Facial da Atriz e Seu Cenário e Figurino traz Denise Stoklos fotografada pela própria filha, Thais, de 20 anos. Nas fotos, fica clara a intimidade entre fotógrafo e fotografado, percebe-se a relação mãe e filha e o diálogo entre a atriz madura e a jovem fotógrafa. Denise aparece sem máscaras e ao mesmo tempo cheia delas. A clown, a louca, a terna, a atriz, a mulher. Fora do palco, Denise realizou uma conferência-aula, na qual apresentou uma síntese de como se efetua a criação de um espetáculo sob a perspectiva do teatro essencial. A palestra contou com a participação da diretora do curso de Performing Arts da New York University, Diana Taylor, autora de vários livros sobre teatro latino-americano.

O nome de Denise Stoklos não é o único da lista de atores a se apresentarem com espetáculos solo dentro do projeto. Nos dias 29 e 30 de abril (às 21h), Fernanda Montenegro apresenta seu solo Dona Doida e também realiza uma conferência-aula sobre seu processo criativo.

A peça, apresentada pela primeira vez em 1987, é baseada nos poemas de Adélia Prado e dirigida por Naum Alves de Souza. Tanto a forma quanto o conteúdo de Dona Doida caem como uma luva nos propósitos do Solos de Teatro. A montagem é econômica e o cenário, singelo. Apenas uma porta, alguns objetos cênicos e um figurino que se resume em confortáveis blusas e pantalonas criadas pelo diretor. Basicamente, o enredo ensina a intangível arte de ser feliz, uma reflexão sobre a condição do ser humano.


Denise Essencial

Denise Stoklos iniciou sua carreira em 1968 já como autora, diretora e atriz. Após trabalhar dentro e fora do palco em várias peças e montagens, com seu próprio grupo de atores, ela fez estréia solo em 1979 com Denise Stoklos - One Woman Show. Em 1982, criou Elis Regina, que será apresentado no palco do teatro do SESC Ipiranga dia 17, às 21h. No ano seguinte, apareceu solo novamente em Um Orgasmo Adulto. Em 1987 estreou, nos EUA, Mary Stuart, em comemoração aos 25 anos da companhia de teatro nova-iorquina La Mama. Ainda a pedido da companhia, Denise criou Hamlet in Irati, referência à pequena cidade do sul do Brasil onde nasceu; e Casa, peça que também fará parte da temporada do Solos de Teatro (dia 19, às 21h). 500 Anos foi escrita em 1992; um ano depois Denise escreveu um romance, Amanhã Será Tarde e Depois de Amanhã Nem Existe, que logo virou peça e, em 1994, veio o sucesso Des-Medéia. Hoje, seu trabalho como atriz, autora e diretora é aclamado no mundo todo. Denise foi a primeira atriz brasileira a se apresentar na Rússia, China e Ucrânia. Foi tema de um festival de teatro em Tóquio e, no Brasil, sua arte também encontra reconhecimento. A atriz já recebeu a medalha de honra ao mérito da Ordem do Rio Branco, homenagem outorgada pelo Itamaraty a personalidades de destaque que engrandecem o nome do Brasil pelo mundo afora. Atualmente, a agradável presença de Denise é dividida pelos brasileiros com mais trinta países, dos EUA ao Japão, passando por Cuba, Dinamarca, Escócia, Alemanha e Espanha, onde habitualmente realiza apresentações. Por sorte, é dada ao público a oportunidade de ter Denise "em casa" graças ao Solos de Teatro, do SESC Ipiranga.

Fernanda Fundamental


Nascida Arlette Pinheiro Esteves da Silva, Fernanda Montenegro estreou verdadeiramente no teatro em 1950, na peça Alegres Canções nas Montanhas, ao lado de Fernando Torres, com quem veio a se casar três anos depois e que até hoje a acompanha. O nome artístico surgiu da união de dois fatos curiosos. Fernanda, o nome, foi escolhido porque a atriz, ainda adolescente, achava que o som remetia aos personagens dos romances de Balzac e Proust. Já o sobrenome veio de um médico homeopata que ela não chegou a conhecer, mas de quem ouvira falar como operador de verdadeiros milagres. Antes do teatro, o nome de Fernanda Montenegro já era ouvido nos bastidores do rádio, onde fazia traduções e adaptações literárias para o formato de radionovelas. Também na década de 1950 iniciou na tevê trabalhando em teledramas policiais. A partir de 1952, optou pelos palcos, porém, sem pertencer a nenhuma escola dramática definida. Mesmo assim, em pouco tempo já tinha renome nacional, participando de inúmeras montagens ao lado do marido, e ainda de atores como Cláudio Corrêa e Castro, Sérgio Britto, Cacilda Becker, Nathalia Timberg e Ítalo Rossi, entre outros ícones da moderna dramaturgia brasileira. Nas telenovelas, campo no qual é mais conhecida dos brasileiros, Fernanda ingressou em 1963. No ano seguinte foi vista pela primeira vez na tela grande no filme de Leon Hirzman, A Falecida, adaptação da obra de Nelson Rodrigues. Ironicamente, mesmo sua participação em cinema sendo bem pequena se comparada ao teatro e tevê, é por filmes que Fernanda foi internacionalmente reconhecida. Eles Não Usam Black Tie, de 1980, ganhou o Leão de Ouro no Festival de Cinema de Veneza e Central do Brasil rendeu-lhe a indicação para o Globo de Ouro de melhor atriz. Na mesma categoria, Fernanda também foi indicada a um dos mais prestigiosos prêmios do cinema mundial, o Oscar. Mas é no teatro, seu grande reino, que a atriz poderá ser vista em ação, quando levará a aplaudida peça Dona Doida ao palco do teatro do SESC Ipiranga.