Sesc SP

postado em 14/04/2015

Inteligências múltiplas e a atividade física

Usando as múltiplas inteligências para perceber as possibilidades do corpo em movimento. Sesc Carmo
Usando as múltiplas inteligências para perceber as possibilidades do corpo em movimento. Sesc Carmo

      


Experiências relativas ao movimento humano estimuladas por instalações concebidas para o Sesc Verão de 2009 reafirmavam e ampliavam as ideias centrais de Howard Gardner

Por Celso Antunes*

 

 

Quando em 1983, Howard Gardner viu publicado seu livro sobre inteligências múltiplas teve o cuidado de dar ao mesmo o título de “teoria”. Assim, As estruturas da mente: a teoria das inteligências múltiplas dava ênfase ao fato de tratar-se de uma “teoria”, portanto de uma ideia ou uma conjectura que não poderia ser cientificamente comprovada, algo como uma concepção mais ou menos sistematizada, uma especulação que se opunha à prática.

Realmente, por mais fortes que fossem os indícios de que a mente de qualquer pessoa abrigava diversas inteligências e não apenas uma, essa ideia não poderia ser comprovada cientificamente, pois não poderia existir na complexa estrutura de um cérebro humano pontos ou núcleos nítidos e específicos que sinalizassem de forma irrefutável de que ali estava o centro de uma inteligência. Ao contrário, sempre se soube que a mente humana é representada por uma complexa ligação de neurônios e axônios, neurotransmissores e células diversas, sendo assim impossível um exame que individualizasse o correto mapeamento de cada uma das inteligências.

Mas nem por isso era impossível a inabalável certeza de diversas inteligências em cada pessoa. A simples observação de que uma inteligência representa a sutil capacidade de propor e de resolver problemas e de também criar projetos ou produtos de incontestável acolhida social, destacava que tanto problemas quanto criações variavam em escalas linguísticas e lógico-matemática, espaciais e musicais, corporais e ecológicas, intrapessoais e empáticas. Para ratificar essa certeza é que o próprio Gardner mostrou que sua bela “teoria” poderia ser referendada pela “prática”, tanto que pouco depois já fazia uso dessa certeza com a publicação As inteligências múltiplas: a teoria na prática. Mostrava, portanto, que uma teoria bem fundamentada implicava em competências capazes de materializar o que a teoria destacava. O poder da mente humana de atribuir significados e de criar símbolos para expressar seus pensamentos deixava claro que o resultado dessa ação poderia ser a poesia ou a música, a fotografia ou a pintura e que, portanto, reduzir todo esse magnífico potencial a uma única inteligência seria ideia impensável. A genialidade humana mostrava-se expressa na teoria quântica, na escultura que parece viva, nas obras literárias ou musicais que se fizeram clássicas e nos gestos que materializaram tanto a nobreza em alguns quanto a vilania em outros. Se isso não bastasse, bastaria se pensar nos gênios que existiram e existem e que alternavam seu potencial formidável entre a literatura e a matemática, a arquitetura e a música, as razões da ecologia vegetal e animal e os sentimentos e as emoções humanas. O “Projeto Zero”, desenvolvido na respeitável Universidade de Harvard, era a irrefutável prova de uma excepcional teoria que se transformava em ações concretas e mensuráveis, em procedimentos que mudavam o conceito de educação e a pessoa humana e sua evolução mental. Não foi assim surpresa o aplauso mundial conferido a Gardner e sua teoria-prática e os resultados no aprofundamento de seus estudos para se atribuir uma nova visão sobre o ser humano e sua educação em qualquer campo em que a mesma se manifestasse. O sucesso desse trabalho desmontou a ideia de uma teoria à espera de confirmação e a transformou em uma certeza irrefutável. Hoje já não mais persiste qualquer dúvida sobre a multiplicidade de inteligências que a mente de qualquer pessoa abriga e, menos ainda, que são estas estimuláveis e dotadas de inefável poder de crescimento. A teoria se fez prática e esta se mostrou magnífica e redentora. Inteligências múltiplas é atualmente referência estratégica universal e tanto mais avançado é o sistema de ensino desenvolvido quando mais seriamente acolhe essa incontestável certeza.

Tomamos conhecimento dos estudos de Gardner ainda antes que seus livros fossem editados no Brasil. Em visita aos Estados Unidos deixamo-nos fascinar pelo “Projeto Zero” e por tudo que a ideia das múltiplas inteligências mudava no conceito de educação e na percepção-concepção ilimitada sobre a pessoa humana. No Brasil, aplicamos seus experimentos em salas de aula das séries iniciais às classes de ensino superior, coordenamos sua aplicação em diferentes disciplinas escolares e em escolas públicas ou particulares. Escrevemos inúmeros livros sobre o tema e tivemos a euforia de vê-los traduzidos na América do Sul, América do Norte e países da Europa. Arrastado pela popularização das ideias sobre as múltiplas inteligências, fomos convidados para cursos e palestras, percorrendo todo o país, visitando inúmeras vezes o exterior. Vimos nossa vida de professor alcançar horizontes que jamais haviam sido imaginados e mesmo agora, quando sentimos a aproximação da hora da partida, ainda não damos conta de tantos desafios dos que buscam saber mais e praticar com mais coerência os estímulos para as inteligências. Mas, a despeito dessa inesperada experiência, sempre carregávamos uma certa incerteza, guardávamos uma tímida dúvida. Será que a ideia de sua aplicação poderia ser assumida não apenas por pessoas, mas também instituições? Será que especialistas de outros ramos do saber poderiam brindar as inteligências múltiplas materializando-as em projetos, envolvendo-as em desafios originais?

Essas incertezas e dúvidas nos acompanharam até conhecermos o inesquecível programa de atividades do Sesc Verão, um projeto que desde 1995 acontece anualmente nas unidades do Sesc São Paulo nos meses de janeiro e fevereiro, para incentivar a prática de atividades físicas de pessoas de todas as idades. A cada ano é desenvolvido um tema e, em 2009, o projeto foi norteado pelos ensinamentos por trás das inteligências múltiplas aplicadas ao esporte e à atividade física. Naquela oportunidade, com sentimentos que se alternavam entre surpresa e espanto, tivemos a chance de conhecer instalações desafiadoras sobre as experiências relativas ao movimento humano e que reafirmavam e ampliavam as ideias centrais de Howard Gardner. Materializavam-se aspectos singulares do “Projeto Zero” e atuações típicas de Harvard se reproduziam nas unidades do Sesc. Teorias estimulavam práticas e sugeriam aprendizagens. Ao se assumir os desafios contidos nos ambientes expostos os participantes transformavam teorias em ações, as aprendizagens em competências, sensibilidade em criatividade. Ao lado de todo esse clima desafiador emergiam jogos coletivos, corridas, competições a nado, caminhadas reflexivas e mutirões ecológicos. Lamentei apenas que ficasse faltando um registro, um texto explicativo, enfim uma obra que pudesse mostrar caminhos e sedimentar a certeza de que poderia ser reproduzido outras vezes, em todos os lugares.

Minha lamentação, entretanto, desfez-se em entusiasmo e alegria ao receber a obra Inteligências múltiplas: uma experiência em pedagogia do esporte e da atividade física no Sesc São Paulo, organizado pelo professor e preparador físico Hermes Ferreira Balbino. Além das reflexões do organizador, o livro apresenta ensaios de pesquisadores que discorrem sobre a pedagogia do esporte aplicada à atividade física. Vilma L. Nista-Piccolo aponta, de maneira aprofundada, como a inteligência pode ser medida ou classificada; Alcides José Scaglia apresenta o esporte como elemento formador na educação; Roberto Paes e Hermes Ferreira Balbino descrevem a importância do ensino, da vivência e da aprendizagem socioesportiva; Marco Paulo Stigger defende um novo significado para competição, promovendo-a a partir de um entendimento ético da atividade por seus praticantes.

Ao ler esse livro desafiador pude reviver as emoções de uma experiência sentida. É uma publicação maiúscula que explica e descreve atividades físicas diversas para estímulo ao desenvolvimento das múltiplas inteligências. Somando ao tema as diversas possibilidades e implicações da inserção da teoria das inteligências múltiplas no ambiente esportivo, os ensaios enfatizam que a inteligência cinestésico-corporal é um elo integrador das demais inteligências humanas. Com este belo e íntegro trabalho em mãos já mais nada lamento e sei que muito mais que um “estudo de caso” é um trabalho que garante a autonomia essencial para que toda teoria possa se materializar em práticas diversas. Mais uma vez uma experiência realizada com êxito em outro país necessitou o inefável “tempero brasileiro” para se transformar em uma prática realista.

 


* Celso Antunes é mestre em ciências humanas e especialista em inteligência e cognição. Autor de diversar obras educacionais publicadas no Brasil, na América do Sul e do Norte e na Europa, atua também como palestrante e consultor em educação para o Canal Futura.

 

Veja também:

:: 25/06. Quinta-feira, às 20h | Lançamento no Sesc Campinas

:: Vídeo | Hermes Ferreira Balbino fala sobre o projeto

:: Trechos do livro | Clique na imagem para ampliá-la. Após a leitura, pressione a tecla ESC para retornar ao site. 

 

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