Sesc SP

postado em 10/06/2013

A linguagem da cultura

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Dicionário Sesc: a linguagem da cultura põe à disposição do leitor um rico repertório de informações e reflexões sobre arte e cultura.

 

A definição de cultura compreende um vasto campo semântico no qual cabem inúmeras noções complexas. Da ideia primitiva de “cultivo” à acepção moderna de “refinamento espiritual”, passando pela noção romana de “civilização”, a palavra cultura conheceu uma notável evolução por meio da qual se pode contar a aventura do gênero humano, desde que os primeiros homo habilis passaram a viver em grupos, recorrendo aos mesmos hábitos e costumes e professando certas crenças comuns. Entretanto, embora sejamos ainda tributários do ideário proposto pelo Iluminismo do século XVIII, para o qual a ideia de cultura se relaciona às noções de educação e de esclarecimento, vivemos em um mundo de feições pós-modernas, no qual muitos dos marcos socioculturais sobre os quais está assentada a civilização ocidental – parece – não fazem mais sentido.

É de se perguntar, então, como fazer, no início do terceiro milênio, um dicionário de cultura que seja uma obra viva e contemporânea, que não se vergue ao peso burocrático da tradição e não se contente com o fácil caminho nem da vulgarização inconsequente nem da erudição vaidosa. Um dicionário que tenha um caráter científico disposto a reunir e articular um vasto conjunto de palavras e expressões que balizaram a história do homem na ordem da filosofia, da sociologia, da linguística, da história da arte, da comunicação. E que integre não somente as noções principais que ocupam o campo da cultura, como também as transformações sofridas por elas através dos tempos.

Essa foi a tarefa a que se lançou o ex-agente cultural do Sesc São Paulo Newton Cunha, jornalista por formação e pós-graduado em filosofia e sociologia da educação e do lazer. E o resultado da empreitada é um objeto precioso: o Dicionário Sesc: a linguagem da cultura, uma obra editada pela Editora Perspectiva e pelo Sesc São Paulo.

Inédito no mercado editorial brasileiro, e peça raríssima no âmbito da lexicografia original em língua portuguesa, o dicionário está pautado em um repertório de definições e reflexões habilmente tecidas em torno dos universos da arte e da cultura. O autor e uma dileta equipe de colaboradores dirigem-se ao interessado em geral, embora a obra também constitua uma importante ferramenta a ser usada por todo aquele que trabalha no campo da teoria ou da criação artística e cultural. Trata-se daquele tipo de livro bem calibrado, que veicula, a um só tempo, informações básicas para o leigo e ideias complexas para o especialista.

A organização dos verbetes se dá por dois tratamentos temáticos diferentes. De um lado, há uma criteriosa seleção de cinquenta e quatro grandes temas que não só balizam conceitualmente os domínios por onde transita a definição de cultura como também representam historicamente as grandes experiências artísticas e culturais do mundo ocidental. Tal arco semântico parte da ideia de ação cultural (termo que a intensiva atuação do Sesc em todo o país ajudou a tornar corrente na língua portuguesa, por exemplo) e chega à acepção de videoarte, investigando pelo caminho noções nucleares como cultura de massa, ideologia ou Renascença/Renascimento. De outro lado, reúnem-se palavras de conhecimento técnico, de acepção delimitada ou objetiva, ligadas às mais variadas manifestações culturais e artísticas como as artes plásticas, o teatro, a literatura, o folclore, a religião... Como apêndices, o volume apresenta ainda uma lista de locuções, provérbios e frases de uso universal e uma alentada relação onomástica de autores.

Embora assuma uma vocação declaradamente multicultural, todo o material colhido e examinado faz parte do sistema de referências básicas das chamadas civilização e cultura ocidentais – o que de modo algum interfere na elaboração dos conceitos utilizados e em sua imensa utilidade para o estudo da cultura nos meios acadêmicos e profissionais.

Também é oportuno lembrar que se trata de um dicionário, obra cuja abrangência conceitual é estruturalmente limitada pela brevidade das exposições. Assim, muitos verbetes remetem à realidade da cultura no Brasil e no mundo, procurando estabelecer vinculações ou analogias, mas se recusando muitas vezes a fornecer exemplos ou nomes de criadores e pensadores (que o leitor deverá buscar, isoladamente, na já aludida relação onomástica). De outro modo, as mais variadas remissões e citações são articuladas sutilmente ao longo das páginas, estabelecendo uma consistente amarração lógica das teorias, de nítido viés ensaístico.

Ao expor os elementos que integram este complexo e multifacetado universo chamado cultura – para o filósofo espanhol Ortega Y Gasset, “o sistema de ideias das quais o tempo vive” –, o Dicionário Sesc: a linguagem da cultura parte, quase sempre, de uma abordagem semiótica, cujo objetivo é colocar à disposição de todos um repertório de possibilidades de práticas de arte e cultura e de reflexões sobre elas. A obra mostra como algumas dessas possibilidades foram elaboradas e potencializadas ao máximo, propiciando o aparecimento de formas consolidadas na história da civilização, ao passo que outras foram insuficientemente desenvolvidas ou deixadas de lado, sobrevivendo hoje apenas como modelos cujas condições históricas foram superadas. 

Assim, o Dicionário Sesc trata das manifestações mais significativas presentes na evolução do conceito de cultura através dos tempos, sem abrir mão de analisar as variantes do discurso que a cultura, ela mesma como área autônoma, vem elaborando desde a Antiguidade. Ao folhear atentamente as páginas do dicionário, o leitor há de perceber que o vocábulo “cultura” não se transformou, no mundo globalizado de hoje, em mero clichê, satisfeito em se reconhecer como terreno movediço que a tudo acata e engloba. Pelo contrário, ao ler o dicionário, este leitor atento irá perceber que o termo é dotado de uma grande capacidade de revitalização, que o foi tornando contemporâneo à sucessão dos tempos, dada sua vertiginosa qualidade de incorporar toda sorte de inovações estéticas e técnicas – obviamente, de modo crítico. São os contornos críticos de que priva o conceito, aliás, que tornam a ideia de cultura uma área perfeitamente apta a tratar dos temas e dos problemas do modo de ser de nossa época – o que somente reforça a perspicácia da definição de cultura cunhada por Ortega Y Gasset. Nos dias de hoje, presididos pelo espetáculo da “mundialização da cultura”, a grande qualidade da obra reside no fato de ela propor a imbricação de grandes domínios conceituais, conduzindo o leitor tanto pelo terreno já sedimentado do mundo greco-latino como pelos mares agitados do pós-modernismo.

A definição rigorosa dos conceitos, redigidos de forma clara e estimulante, combate toda sorte de reducionismo e equívocos. Da feitura do dicionário exalam um consistente conhecimento do campo, uma adequação metodológica muito pertinente, uma pesquisa incansável e uma agudeza de exposição analítica cujos grandes objetivos são o esclarecimento e a orientação. Que o Dicionário Sesc: a linguagem da cultura mereça sucessivas edições que lhe permitam o aperfeiçoamento de seu complexo conjunto de ideias tanto quanto a incorporação das mais recentes manifestações da cultura contemporânea que lhes sejam correlatas.

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