Sesc SP

postado em 20/06/2013

Rentável negócio

capa privatizacao cultura

      


Livro analisa a estratégia das corporações para fazer da arte um negócio rentável não somente em termos financeiros como também no âmbito da imagem institucional

 

Empresas financiam a construção de teatros e os batizam com seus nomes. Indústrias organizam festivais de música. Os mais variados produtos utilizam, em campanhas publicitárias, poemas e crônicas de escritores famosos para conquistar consumidores. Grandes bancos se responsabilizam pelo acervo de museus. O patrocínio corporativo e o envolvimento de grupos econômicos no mundo da arte e da cultura são, nos dias de hoje, fenômenos recorrentes. E não naturais.

Em Privatização da cultura: a intervenção corporativa nas artes desde os anos 80 (Edições Sesc São Paulo / Editora Boitempo), a pesquisadora taiwanesa Chin-tao Wu analisa a estratégia das corporações para fazer da arte um negócio rentável não somente em termos financeiros como também no âmbito da imagem institucional. Aproximar logotipo e pintura, slogan e literatura, jingle e música clássica garante status às empresas e as leva à concentração de poder. Iniciada nos anos 1980, quando foi ungida pelo modelo econômico adotado pela primeira-ministra inglesa Margareth Thatcher e pelo presidente norte-americano Ronald Reagan, tal política vem se intensificando desde então e atinge um patamar preocupante: valores empresariais e mercadológicos orientam a escolha e definem o gosto de grande parte do público em relação à arte e à cultura, nos dias de hoje.

A especialista em arte e cultura contemporânea Chin-tao Wu é pesquisadora da Academia Sinica, em Taiwan, e da University College of London, na Inglaterra, e colabora com as seguintes publicações: New Left Review, New Statesman e Kunst und Politik: Jahrbuch der Guernica-Gesellschaft.  Em 1997, ela defendeu no programa de história da arte da University College of London a tese de doutorado Privatização da cultura: aspectos da intervenção corporativa na arte contemporânea e nas instituições artísticas durante a década de Reagan e Thatcher, transformada agora em livro.

O primeiro capítulo da obra – “Financiamento público das artes nos Estados Unidos e na Grã-Bretanha: preliminares” – investiga as origens do processo de privatização da arte e da cultura ocorrido em ambos os países, a partir dos governos de Ronald Reagan e Margareth Thatcher, respectivamente. Ambas as gestões foram marcadas por uma política conservadora que retraiu a ação do Estado no financiamento público da cultura, das artes e dos programas sociais, favorecendo o fortalecimento de corporações e de empresas privadas que assumiram uma missão inédita: serem as guardiãs do patrimônio artístico universal.

O segundo capítulo – “A mudança do papel do governo nas artes”: trata da redução do gasto público e da expansão do setor privado na década de 1980. A política da privatização dos programas de governo de Thatcher e Reagan redefiniu o papel do Estado na vida econômica e social dos Estados Unidos e da Grã-Bretanha e se estendeu à dinâmica cultural dos dois países. A premissa social-democrata anterior – de que o acesso às artes e a qualquer outro serviço público oferecido pelo Estado é um direito fundamental de todo cidadão – sofreu um duro golpe. As instituições artísticas publicamente financiadas foram impelidas a se expor às forças do mercado e a adotar o espírito competitivo da livre empresa. Para forçar o mundo das artes a se ajustar à cultura empresarial, os governos Thatcher e Reagan cortaram o orçamento que era destinado de forma direta ao subsídio das artes, criando uma cultura de dependência no ambiente das instituições subsidiadas.

O terceiro capítulo – “Guardiães da cultura na empresa: curadores de arte” – analisa como e por que meio os dirigentes corporativos mais notórios passaram a ter assento nos conselhos de museus de arte na década de 1980 nos dois países, examinando em particular os conselhos curadores do Whitney Museum of American Art, nos Estados Unidos, e a Tate Gallery, na Grã-Bretanha. Ao colocar seus empresários conservadores favoritos nos conselhos curadores, o governo Thatcher imprimiu, nessas instituições de arte, sua visão e suas práticas empresariais. A situação nos Estados Unidos foi menos óbvia (os conselhos curadores norte-americanos já eram povoados de ricos empresários e suas famílias), mas favoreceu o surgimento de um tipo diferente de elite corporativa: especuladores do mercado financeiro.

Os quatro capítulos restantes dedicam-se, então, a analisar detalhadamente as implicações éticas, morais e políticas do envolvimento corporativo no mundo das artes e da cultura. O entusiasmo com que as corporações emulam os museus de arte, hoje, não tem limites: elas chegam a organizar exposições privadas com as coleções de museus públicos! Para promover a imagem sofisticada de patronas da arte, essas empresas organizam exposições itinerantes ao redor do mundo e ainda patrocinam prêmios que ditam normas e gostos. Fundamental para essas atividades é a premissa de que as corporações podem e devem agir como se fossem parte da vida cultural do país em que operam.

A edição brasileira de Privatização da cultura: a intervenção corporativa nas artes desde os anos 80 conta com um destaque especial: um acalentado texto de apresentação assinado por Danilo Santos de Miranda, diretor regional do Sesc São Paulo, no qual, além de pontuar as qualidades da obra, o sociólogo traduz para a realidade brasileira inúmeras das inquietações levantadas por Chin-tao Wu, citando exemplos muito esclarecedores. 

O leitor desta obra de envergadura tão rara e original há de se preocupar com a dominação do capital sobre o espírito humano. Movido por interesses financeiros – cujos bastidores são revelados de forma surpreendente –, o mundo corporativo avança rumo à privatização radical da cultura, fenômeno perigoso ao qual é preciso resistir. Ler a pesquisa de Chin-Tao Wu já constitui um bom começo para isso. 
 

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